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A tarefa da proteção ao meio ambiente em pleno século XXI

1.INTRODUÇÃO
2 RESPONSABILIDADE E DANO AMBIENTAL
2.1 CONCEITO E PREVISÃO LEGAL DO DANO AMBIENTAL
2.2 A TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
2.3 NEXO DE CAUSALIDADE E DANO
2.4 REPARAÇÃO E RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DANIFICADO
3 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
3.1 PARTE DOUTRINÁRIA CONTRÁRIA Á RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
3.2 PARTE DOUTRINÁRIA À FAVOR DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
3.3 A TEORIA DA DISREGARD DOCTRINE
3.4 A LIQUIDAÇÃO FORÇADA DA PESSOA JURIDICA
4 DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE
5 AÇÃO PENAL
5.1 COMPETÊNCIA
6 APLICAÇÃO E DOSIMETRIA DA PENA
6.1 DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES
6.2 AS SANÇÕES APLICÁVEIS
6.2.1 Da multa
6.2.2 Das penas restritivas de direitos
6.2.3 Da prestação de serviços à comunidade
7 CONCLUSÃO

Partindo dessa premissa, demonstra-se a imprescindibilidade da responsabilização das pessoas jurídicas que venham a transgredir as normas ambientais, justamente por serem essas as grandes vilãs da era do risco global. Deste modo, é feita uma abordagem sobre os principais aspectos da Lei nº. 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) e à sua aplicabilidade sobre a pessoa jurídica, demonstrando a intervenção máxima de um Direito Penal Promocional, em defesa dos anseios da sociedade.

1 INTRODUÇÃO

O Mundo começa a sentir as conseqüências da política extrativista do Homem ao decorrer dos séculos. Os recursos hídricos estão se esgotando, o planeta Terra está mais quente a cada dia, as geleiras estão derretendo, as florestas estão ardendo em chamas. Estamos vivendo a verdadeira Teoria do Caos .

As mudanças na ordem química, física e biológica ambiental, a expansão do capitalismo neoliberal e, por conseguinte, a crescente depredação do meio ambiente, fez despertar no legislador a necessidade da criação de leis mais severas quanto à utilização dos recursos ecológicos e às atividades humanas. Trata-se de medida em caráter urgente, com o fim de preservar a sobrevivência da espécie humana, no que concerne à saúde e ao bem estar de seus habitantes, e a preservação da qualidade do meio ambiente.

Presente em ordenamentos jurídicos de vários países e em tratados internacionais, a tutela ambiental visa solucionar os problemas do meio ambiente, de forma a por um freio no desenvolvimento degradador empresarial. As grandes indústrias, visando apenas a rentabilidade do negócio, destroem crescentemente os recursos naturais, o que acarreta o aumento do risco global – o risco de, futuramente, não haverem mais recursos ecológicos para a preservação da espécie humana –. É sabido que o meio ambiente não tem a capacidade de auto-renovação, como pensavam os nossos antepassados, sendo assim, foi necessária a implantação em todo o mundo da idéia de preservação do ecossistema, elevando os recursos naturais à posição de bens indisponíveis da coletividade.

De suma importância na ciência jurídica, o Direito Ambiental, de direito fundamental especulado na Carta Magna de 1988, tornou-se ramo específico no ordenamento jurídico brasileiro. Apresenta-se como um verdadeiro instrumento de adequação das políticas de crescimento econômico à preservação racional e controlada dos insumos naturais. Trata-se do desenvolvimento sustentável – a ampliação econômica das empresas, entretanto, limitadas às normas de preservação ambiental, sem comprometer a capacidade das gerações futuras terem uma sadia qualidade de vida, com um meio ambiente ecologicamente equilibrado –.

Ora, as conseqüências gravosas que as atividades econômicas desenvolvidas num sistema capitalista neoliberal podem trazer ao meio ambiente, muitas vezes são irreversíveis. Um exemplo claro é que, o despejo de resíduos tóxicos, sem o devido tratamento, nos afluentes de um rio, pode acarretar a aniquilação da fauna e da flora desse local, trazendo assim, irreparáveis danos ao meio ambiente e ao coletivo. Portanto, acentua-se a importância da defesa ambiental e da manutenção dos recursos naturais, inclusive, colocando-os ao patamar de princípios que regem a atividade econômica no Brasil. Nesse sentido, se coaduna o egrégio Supremo Tribunal Federal, sob a lavra do seu então Relator, Ministro Celso de Mello:

“A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a defesa do meio ambiente (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerente, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho, e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural”.

Contudo, ainda que bem clara a norma constitucional e as legislações específicas ambientais, os interesses empresarias tornam a passar por cima de tais preceitos. Os limites do desenvolvimento sustentável continuam não sendo respeitados e os efeitos rapidamente passam a ser sentidos por todo o ecossistema. Consequentemente, se faz necessária uma intervenção mais drástica do Estado, com o fim de proteger as futuras gerações do risco global, tentando lhes garantir o desfrute de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e uma sadia qualidade de vida. Diante disso, o Direito Penal se faz presente, em seu caráter promocional, como conjunto de normas jurídicas protetoras da sociedade e, mais precisamente, defensor dos bens jurídicos fundamentais (a tutela do meio ambiente), punindo assim àqueles que causarem danos aos recursos ambientais, além de buscar ocasionar mudanças na base estrutural da sociedade, com o fito de disseminar a consciência social. Nesse espeque, nos adentramos a tratar da responsabilização penal das pessoas jurídicas em matéria ambiental, principalmente por serem as maiores vilãs da degradação dos insumos naturais.

2 RESPONSABILIDADE E DANO AMBIENTAL

Por ser ciência jurídica que estuda os princípios e normas relacionadas ao meio ambiente, principalmente no que diz respeito aos mecanismos de proteção, o Direito Ambiental trata responsabilidade e dano como elementos intrinsecamente ligados. Em linhas superficiais, o dano seria a conseqüência gravosa ao meio ambiente, proveniente do exercício de atividade degradante. Conseqüentemente, por ser inerente ao Estado a função de regular os fatos sociais, a responsabilidade consiste na forma de imputar ao poluidor (pessoa física ou jurídica), que tem sua atividade direta ou indiretamente ligada ao dano, uma sanção pela destruição provocada ao meio ambiente.

A responsabilização deriva da inobservância de uma obrigação anterior por parte do sujeito de determinada atividade, o que resulta em efeitos devastadores aos recursos ecológicos. Seja em virtude de contrato, fato ou omissão a que sejam imputadas conseqüências jurídicas, busca-se que o poluidor responda pelos danos causados ao meio ambiente, advindos do exercício de suas atividades, com o cumprimento do dever jurídico de reparar os prejuízos causados ao ecossistema e ao coletivo. Tem-se o objetivo de “afastar o ônus econômico de toda a coletividade e repassá-lo ao particular que, de alguma forma, retira proveito do dano e das implicações que o meio ambiente sofrerá com o seu empreendimento” .

Portanto, a responsabilidade in genere consiste na atribuição de conseqüências jurídicas àqueles que infringem a legislação ambiental. Não obstante, a infração ambiental pode ter repercussão em três esferas jurídicas diferentes e independentes. A depender da norma jurídica infringida, o infrator poderá ser responsabilizado no domínio CÍVEL, ADMINISTRATIVO ou PENAL. Por serem ramos independentes do direito, nada impede que o poluidor seja responsabilizado nas três esferas simultaneamente.

A responsabilidade civil consiste no dever jurídico que a pessoa tem de reparar o meio ambiente danificado, e indenizar ao coletivo pela ocorrência do dano, por este estar direta ou indiretamente ligado às atividades exercidas pelo transgressor. No entanto, se este mesmo dano for causado por descumprimento de norma administrativa que impunha limitações ao exercício das atividades, de forma a reduzir o impacto ambiental, o infrator será também responsabilizado administrativamente, com a imposição de sanções por sua conduta. Por fim, se a ocorrência desse dano também estiver prevista na legislação penal ambiental (Lei 9.605/98 – Lei dos crimes ambientais), comprovada a existência de culpa ou dolo do poluidor, deverá este ser responsabilizado criminalmente também.

Depreende-se do §3º do art. 225 da Constituição Federal de 1988 a hipótese da tríplice responsabilização, onde “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão aos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. (Grifos nossos). Ora, o texto constitucional é bem claro. Independente de ter prestado contas do dano causado ao coletivo (reparação e indenização – responsabilidade civil), deverá a pessoa prestar contas agora com o Estado, diante do descumprimento de norma administrativa ou penal (responsabilidade administrativa e penal, respectivamente).

2.1 CONCEITO E PREVISÃO LEGAL DO DANO AMBIENTAL

Apesar de estarem intrinsecamente ligados, dano e poluição não se confundem quanto as suas conceituações. Poderia se dizer que a poluição é espécie do gênero dano. Para melhor visualizar tal diferença, urge analisarmos as conceituações adotadas pela Lei nº. 6938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. Senão vejamos o seu art. 3º:

“Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:(…)II – degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;III – poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;c) afetem desfavoravelmente a biota;d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; ” (Grifos nossos)

Interpretando o referido dispositivo, entendemos que dano ambiental seria a degradação da qualidade ambiental (in genere). Sendo assim, não é todo o dano ambiental que implica em uma responsabilização. Ora, se fossemos responsabilizar com base no conceito genérico de dano, o ser humano estaria fadado a responder diariamente as reprimendas da legislação ambiental, afinal de contas, grande parte de nossas atividades corriqueiras traz, de alguma forma, alterações nas características do meio ambiente. Por outro lado, a poluição deve sempre ensejar em responsabilização, por ser uma espécie de dano que, direta ou indiretamente ligada às atividades humanas, altera negativamente a realidade, trazendo conseqüências gravosas ao ecossistema.

Portanto, a nosso ver, dano seria a degradação da qualidade ambiental de uma forma geral, enquanto a poluição – que deve ser responsabilizada – consiste na forma de degradação da qualidade ambiental, onde o Homem é o principal causador, trazendo grandes prejuízos ao coletivo. Nesse bojo, o poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental .

Por fim, trazemos os conceitos definidos pela lei em comento, de meio ambiente e recursos ambientais:

“(…) I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida, em todas as suas formas;(…) V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.”. (Grifos nossos) 2.2 A TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

O meio ambiente pertence a todos. Sendo assim, o dano causado pela atividade econômica de determinada empresa prejudica aos interesses difusos e coletivos da humanidade. Ora, se a Lex Mater reconhece que é direito de todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, nada mais plausível do que adotarmos maior rigor na responsabilização daqueles que estão ligados direta ou indiretamente ao dano ambiental, ainda mais por não se tratar de dano proveniente de uma relação de direito privado, mas sim uma lesão a toda a ordem pública.

Sendo assim, por muitas vezes, não pode o poluidor ser condenado apenas à reparação do dano causado. Há certos tipos de ofensa ao meio ambiente que não tem reparo, afinal de contas, quem poderá trazer a vida de volta? Diante disso, o poluidor deverá também indenizar à coletividade pelos danos causados. Nesse espeque, a legislação ambiental adota a responsabilidade objetiva dos infratores, sem a análise de dolo ou culpa.

Servindo de verdadeira inovação no ordenamento jurídico brasileiro, a lei 6.938/81 instituiu a responsabilidade objetiva em matéria ambiental, no seu art. 14, §1º, onde “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. Tal dispositivo rompeu com todo o paradigma civilista tradicional, da responsabilidade apenas na órbita individual. Passamos a responsabilizar civilmente os causadores de danos ambientais, como forma de indenizar a toda coletividade. “O Direito Ambiental Nacional, a partir da Lei nº. 6.938/81, passa a proteger o individual a partir do coletivo. Daí, sua natureza essencialmente pública” .

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tal entendimento ficou ainda mais sedimentado em nosso ordenamento, já que o §3º do art. 225 é bem claro, ao mencionar que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a reparação aos danos causados, sem fazer qualquer alusão à existência ou não de culpa do poluidor. Utilizando-se do grande saber do eminente jus ambientalista Paulo Affonso Leme Machado:

“A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o meio ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/ reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ ou reparar”.

Ademais, o código civil de 2002, em seu artigo 927, § único, pode ser facilmente correlacionado à tutela ambiental. Senão vejamos o referido parágrafo:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (Grifos nossos)

Fazendo-se uma interpretação extensiva do referido dispositivo, perceberemos que, em matéria ambiental, na sua primeira parte temos a lei. 6938/81, que institui a responsabilidade objetiva sem culpa, do infrator. Quanto à segunda parte, está adstrita ao julgador, diante da impossibilidade do legislador em prever todas as situações e atividades humanas que podem trazer efeitos maléficos ao meio ambiente, a função de analisar no caso concreto as atividades que não estejam especificadas em lei, condenando aquelas que representam um risco ao ecossistema.

Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça em importante decisão, sob a lavra do Ministro Luiz Fux, deixou claro que:

“O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é direito de todos, protegido pela própria Constituição Federal, cujo art. 225, o considera bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. (…) Além das medidas protetivas e preservativas previstas no §1º, incs. I – VII do art. 225 da Constituição Federal, em seu § 3º ela trata da responsabilidade penal, administrativa e civil dos causadores de dano ao meio ambiente, ao dispor: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Neste ponto, a Constituição recepcionou o já citado art. 14, § 1º da Lei n. 6.938/81, que estabeleceu responsabilidade objetiva para os causadores de dano ao meio ambiente, nos seguintes termos: sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

Portanto, com o crescimento da atividade industrial, e a conseqüente depredação dos recursos ambientais, a responsabilidade objetiva sem análise de culpa, torna-se uma medida necessária à tentativa de por um freio na crise ambiental que assola não só o Brasil, mas todo o planeta. Com isso, utilizamo-nos mais uma vez do brilhantismo do Prof. Paulo Affonso, para advertir que:

“A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranqüilidade. Por isso, é imperioso que se analisem oportunamente as modalidades de reparação do dano ecológico, pois muitas vezes não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto.” (Grifos nossos)

2.3 NEXO DE CAUSALIDADE E DANO

A Lei nº. 6.938/81 instituiu no ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade objetiva sem exame de culpa. Ou seja, para que a pessoa seja responsabilizada por determinado dano ambiental, basta que haja um nexo causal entre a sua atividade exercida e os danos sofridos pelo meio ambiente, independentemente do sujeito ter agido com dolo, imprudência, imperícia ou negligência.

Reflexo da Convenção de Lugano, a adoção da responsabilidade civil objetiva, sem análise de culpa, vem sendo amplamente utilizada no cenário internacional, por ser o meio ambiente bem indisponível de toda humanidade. Ora, se a responsabilização dos poluidores fosse feita com base na sua culpa, o que mais veríamos seria a impunidade daqueles que poluíram, em virtude da difícil apuração da culpa. Consequentemente, por ser escassa a consciência social no âmbito econômico, muitas empresas iriam criar mecanismos para tentar acobertar a sua culpa nos danos ambientais e, sempre em busca do lucro, aumentariam ainda mais a atividade extrativista dos recursos ambientais, pela certeza da impunidade.

Sendo assim, a responsabilização de empreendedor por dano sofrido pelo meio ambiente, consubstancia-se na existência de nexo causal, de forma direta ou indireta, com a atividade desenvolvida pela empresa. Ou seja, o sujeito de determinada atividade econômica (pessoa física ou jurídica), assume os riscos dos eventuais danos que podem ocorrer em virtude da existência da sua atividade num determinado local. Portanto, não se analisa a conduta do agente, e sim apenas se as atividades exercidas pelo empreendedor, de alguma forma, contribuíram para a degradação do meio ambiente. Nesse espeque, nas hipóteses de excludentes de responsabilização – caso fortuito e força maior –, permanecerá a responsabilidade objetiva do empreendedor, se a atividade da empresa era potencialmente perigosa para o meio ambiente, contribuindo de alguma forma na propagação do dano. Deste modo, somente os casos concretos poderão dizer se deverá haver ou não responsabilização ambiental, levando-se em consideração as excludentes do caso fortuito e dos motivos de força maior.

Esse estudo do nexo causal é feito da seguinte forma: 1) Analisa-se primeiro se a existência de determinado desastre – proveniente de caso fortuito ou por motivo de força maior – trouxe conseqüências gravosas ao ecossistema do local onde era exercida a atividade empreendedora; 2) A posteriori, havendo danos ao meio ambiente, será feita uma comparação relacionando a existência de determinado empreendimento ou o exercício de suas atividades no local, e o dano causado. Exemplificando fica mais fácil vislumbrar tal situação na prática. Utilizamo-nos dos exemplos elucidativos apresentados por Hugo Nigro Mazzilli no bojo de sua obra, sendo estes: a de um raio que incendeia uma floresta na propriedade de uma fazenda; e a de uma explosão causada por um raio em uma empresa que explore energia atômica, ou materiais radioativos, ainda que obviamente autorizados pelo Estado, gerando o vazamento de substâncias radioativas. Na primeira hipótese não se configura responsabilização, por não haver nexo causal, além do que, se o fazendeiro não ocupasse aquele pedaço de terra, a floresta cairia em chamas da mesma forma. No entanto, a segunda hipótese enseja responsabilização da empresa, em respeito ao risco criado por esse empreendimento, levando-se em consideração que se a empresa não estivesse instalada naquele local, não haveria tamanho dano ambiental. Ou seja, sendo o risco inerente, o nexo causal estará presente na própria atividade, ainda que a ocorrência do dano se dê por caso fortuito ou por força maior.

Logo, na tentativa se entender a situação, decidindo-se pela responsabilização ou não, pode se fazer o seguinte raciocínio. Diante do acontecimento de determinado desastre, elimina-se a hipótese da existência do empreendimento ou de suas atividades no local do desastre. Caso deixem de ocorrer os danos ao meio ambiente, é por que o empreendimento e suas atividades exercidas influíram nos prejuízos gerados ao ecossistema, impondo-se sua responsabilidade objetiva. Por outro lado, se ocorrerem conseqüência gravosas ao meio ambiente do mesmo jeito, significa que o fato do empreendimento estar localizado ali, exercendo suas atividades, não influi na consumação do dano, inexistindo, por conseqüência, a responsabilização objetiva da empresa.

2.4 REPARAÇÃO E RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DANIFICADO

Prevista e exigida na Constituição Federal de 1988, a reparação e recuperação do meio ambiente danificado tornou-se mais uma das obrigações dos infratores da norma ambiental. Assim sendo, busca-se que o poluidor não só pague multas pelo dano causado, mas tente recuperar o meio ambiente danificado. Trata-se de medida altamente necessária, levando-se em consideração o afunilamento dos bens da natureza no mundo atual. Ora, a imposição de sanções pecuniárias perante uma grande empresa, nem sempre surti o efeito previsto. Sendo assim, fazendo com que o poluidor tente reparar o dano, estaríamos vendo na prática a efetivação de uma das formas de punição. Ademais, o texto constitucional é bem claro quanto à integralidade da recuperação, não sobrando margem de discussão para saber se a reparação pode ser parcial ou integral. Portanto, àquele que danifica, direta ou indiretamente, o meio ambiente, cabe o dever de tentar repará-lo, no entanto, não pode essa recuperação ser parcial.

O infrator pode se valer de diferentes formas de se reparar o dano ambiental, sendo estas: restauração natural, compensação e indenização. A restauração natural é a forma mais indicada, prevalecendo sobre as outras. Consiste na tentativa que o poluidor deve fazer de retornar a situação do meio ambiente danificado ao estado que se encontrava, como ele era antes das alterações adversas causadas pelo agente.

A compensação é a forma menos recomendada, tendo em vista que comumente são encontradas grandes diferenças entre a área degradada, e a área que será utilizada para compensar os danos ambientais causados a outro local. Todavia, a compensação é uma forma alternativa de reparação, consubstanciada no atendimento a requisitos (critérios técnicos) firmados por órgãos competentes, com o grande fito de se estabelecer a equivalência ecológica do ambiente, ao passo que o infrator, cede uma área semelhante à danificada, buscando assim, fazer a compensação.

Por fim, a indenização consiste em forma de reparação onde o poluidor, pecuniariamente, visa ressarcir a sociedade pelo meio ambiente danificado. Contudo, a indenização apresenta alguns contratempos, uma vez que, a identificação dos sujeitos envolvidos, bem como o nexo causal, e a definição da valoração do dano, são tarefas de alto grau de complexidade. Todavia, vale trazer à tona a forma de solução apontada por Paulo Affonso Leme Machado. Senão vejamos:

“Diante da proporção e da intensidade de certas modalidades danosas advindas muitas vezes de autores desconhecidos ou cuja identificação seja difícil, tem-se recorrido à criação de fundos responsáveis pela indenização das vítimas”.

São os exemplos dos EUA, Holanda, Japão e França. Entretanto, aguarda-se iniciativa do legislador brasileiro nesse mesmo sentido, já que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente se omite quanto a isso.

3 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Devido ao progresso técnico e industrial, no entanto, sem consciência social, a proteção do meio ambiente tornou-se um dos principais problemas a ser tutelado pelo Direito. Sendo assim, ante a ameaça de extinção do meio ambiente, levando-se em consideração a despreocupação daqueles que poluem, fez-se necessária a adoção de medidas mais drásticas e enérgicas com o desígnio de conter a atividade degradante. Nesse escopo, utilizava-se o Direito Penal, em seu caráter finalista, como mecanismo de tutela mais eficiente, onde se utiliza da ameaça legal de aplicação de sanções de poder intimidativo maior, para a prevenção e repressão a danos ambientais.

Todavia, com o crescente incremento tecnológico, a globalização e as transformações econômicas na ordem mundial, o Direito Penal deixa de figurar como mecanismo de mínima intervenção, em seu caráter finalista, em que este serve apenas, em ultima ratio, para proteger os bens jurídicos fundamentais da sociedade. Em nova concepção, o Direito Penal adota um caráter de máxima intervenção, não estando limitado apenas a proteger os bens jurídicos fundamentais à sociedade, mas a exercer uma função promocional, destinada a produzir mudanças estruturais necessárias.

O chamado Direito Penal Promocional, em matéria ambiental, tem o fito de conter o desenvolvimento de atividades danosas ao meio ambiente, proporcionadas por determinados seguimentos da sociedade. Por ser o meio ambiente sadio condição essencial de sobrevivência da espécie humana, a própria Constituição Federal dispõe sobre a proteção ambiental como um bem jurídico fundamental do cidadão brasileiro. Sendo assim, poderíamos dizer que essa nova função do Direito Penal está relacionada ao combate de crimes que atentam contra a realização dos objetivos constitucionais, qual seja, in casu, delitos que impedem a existência do meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado pela Lex Mater.

Coerentemente, observando serem os maiores poluidores os conglomerados industriais e os próprios Estados-nações, o legislador ordinário inseriu a responsabilização penal da pessoa jurídica na Carta Constitucional de 1988, no §3º do artigo 225, onde:

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. (Grifos nossos)

Ademais, com o advento da lei infraconstitucional nº. 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), tal entendimento tornou-se mais do que sedimentado no ordenamento jurídico brasileiro, quando do seu artigo 3º depreende-se que:

“As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seus órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. (Grifos nossos)

A responsabilização penal da pessoa jurídica surgiu como medida de combate às práticas delituosas muitas vezes acobertadas pelas grandes empresas. Em matéria ambiental, era comum a prática de infrações oriundas das atividades da empresa, sob as ordens de seu proprietário, sendo que, no momento de responder por supostos danos ambientais, este se eximia da culpa, até por ser essa de difícil apuração em âmbito ambiental, o que acarretava na impunidade daqueles que atentaram contra um bem coletivo. Sendo assim, no panorama atual, pessoa jurídica e física podem ser penalmente responsabilizadas separadamente, como forma de se evitar tais fraudes.

Adotada em nações como França, Portugal, Noruega, Venezuela e Canadá, além de ter sido bastante discutida no Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, realizado na cidade do Cairo (Egito) em 1984, e no Conselho da Europa, sediado em Estrasburgo (França) em 1998, apesar de expressamente disposta no texto constitucional brasileiro, inclusive com lei especifica que lhe regule, a responsabilização penal da pessoa jurídica é objeto de grande discussão doutrinária, onde alguns autores defendem ferrenhamente pela não imputação de crimes às pessoas jurídicas. 3.1 PARTE DOUTRINÁRIA CONTRÁRIA Á RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Apesar de corrente minoritária, existe uma grande parte de doutrinadores que entende não ser possível à responsabilização criminal da pessoa jurídica, sob o argumento principal de que falta legitimidade aos entes coletivos para constar no pólo passivo de uma demanda criminal. Para estes, a Constituição Federal de 1988 quis inovar ao seguir a tendência mundial de responsabilidade penal da pessoa jurídica. Todavia, segundo estes eméritos juristas, tal entendimento esbarra nos elementos que compõem a ação, como atividade humana, que exige um campo subjetivo, a exteriorização de uma vontade. Segundo esta corrente, somente o homem, pessoa física, pode constar no pólo passivo de uma Ação Penal, justamente porque apresenta uma faculdade psíquica nas suas condutas. Coadunam-se com a referida inteligência ilustres juristas do ramo penal, como Cezar Roberto Bitencourt, Francisco de Assis Toledo, René Ariel Dotti, Luiz Régis Prado, Luiz Vicente Cernicchiaro, entre outros briosos doutrinadores.

Predomina nessa corrente doutrinária a vigência do princípio societas delinquere non potest, onde se veda a imputação de crimes a entes coletivos, aplicando-lhes apenas sanções civis e administrativas. Por conseguinte, esse pensamento adstrito ao aludido princípio acaba induzindo ao entendimento de que, assim como os entes coletivos não podem ser responsabilizados penalmente, logicamente, as pessoas jurídicas também não, estando impossibilitadas de serem autoras de um delito.

Utilizando-se de conceituação elaborada pelo eminente Heleno Cláudio Fragoso, adotado pela majoritária doutrina penal:

“Ação é um comportamento voluntário conscientemente dirigido a um fim, compondo-se de um comportamento exterior, de conteúdo psicológico, da antecipação mental do resultado pretendido, da escolha dos meios e a consideração dos efeitos necessários dirigido a um fim proposto”.

Sendo assim, a corrente doutrinária subversiva à responsabilização penal da pessoa jurídica, entende que a conduta delitiva se restringe apenas ao ser humano, não podendo a pessoa jurídica cometer crimes, e consequentemente responder por eles.

Ao analisar o tema, Cezar Roberto Bitencourt afirma ser a conduta (ação ou omissão) comportamento exclusivo do Homem, e levanta as seguintes indagações:

“Como sustentar-se que a pessoa jurídica, um ente abstrato, uma ficção normativa, destituída de sentidos e impulsos possa ter vontade e consciência? Como poderia uma abstração jurídica ter representação ou antecipação mental das conseqüências de sua ação?”

Coadunando-se com o entendimento de Bitencourt, René Ariel Dotti argumenta com muita propriedade que:

“O conceito de ação como atividade humana conscientemente dirigida a um fim vem sendo tranqüilamente aceito pela doutrina brasileira, o que implica no poder de decisão pessoal entre fazer ou não fazer alguma coisa, ou seja, num atributo inerente às pessoas naturais. Com efeito, a capacidade de ação e de culpabilidade exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que somente o ser humano pode ter”.

É inclusive o que expõe o saudoso Francisco de Assis Toledo, ministro aposentado do STJ, ao afirmar que “no mundo social, só os seres humanos são capazes de ouvir e de entender as normas, portanto, só eles podem cometer crimes”.

Para o insigne Luiz Vicente Cernicchiaro, a responsabilização penal da pessoa jurídica atinge diretamente dois princípios básicos do Direito Penal insertos na Carta Magna, sendo estes, o princípio da culpabilidade e o princípio da responsabilidade pessoal. Vejamos, in verbis, o que sustenta o referido autor:

“Haveria, pois, ofensa à idéia de que sem culpabilidade não existe pena, dogma de segurança individual, garantido pelo sistema penal brasileiro e haurido do Iluminismo; além disso, a pena passaria da pessoa do condenado, atingindo terceiros que não houvessem praticado qualquer conduta delituosa, ou que nem mesmo tivesse dado alguma contribuição nesse sentido”.

Já para René Ariel Dotti, a imputação criminal da pessoa jurídica enseja na violação dos princípios da Isonomia, sendo que a responsabilização da empresa como autora de um delito, estaria beneficiando os partícipes, ou seja, os instigadores ou cúmplices, com o relaxamento dos trabalhos de investigação, e com a impossibilidade de responsabilização destes na esfera cível; e o Princípio da humanização das sanções, pois quando a Constituição Federal trata da aplicação da pena refere-se sempre às pessoas, ou seja, à conduta humana de cada pessoa, sendo que, para o ilustre doutrinador, com a responsabilização da empresa, esta estaria absorvendo toda a culpa, eximindo outros responsáveis de suas respectivas imputações. Alega o prodigioso mestre que:

“A se aceitar a esdrúxula proposta da imputabilidade penal da pessoa jurídica, não poderia ela promover a ação de ressarcimento contra o preposto causador do dano, posto ser a co-responsável pelo crime gerador do dever de indenizar. Faltar-lhe-ia legitimidade, pois um réu não pode promover contra o co-réu a ação de reparação de danos oriunda do fato típico, ilícito e culpável que ambos cometeram .Corolário dessa conclusão é a regra do art. 270 do CPP: “O co-réu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público”.

Por fim, Luis Régis Prado, adentrando-se em uma discussão acerca da hermenêutica constitucional, ao fazer análise do art. 225, §3º da Lex Imperium, entende que o legislador constituinte quis fazer uma distinção de responsabilidades, referenciar primeiramente à conduta e a atividade, e logo após, às pessoas físicas e jurídicas. Segundo ele, a conduta seria pertinente à pessoa física, o que ensejaria em responsabilização penal, administrativa e cível. Por outro lado, a atividade refere-se à pessoa jurídica, o que ocasionaria uma responsabilização somente no campo cível e administrativo. Por demais, o aclamado autor afirma ainda que:

“Nada obstante, mesmo que – ad argumentandum – o dizer constitucional fosse em outro sentido – numa interpretação gramatical (a menos recomendada) diversa -, não poderia ser aceito. Não há dúvida que a idéia deve prevalecer sobre o invólucro verbal”.

Deste modo, resta claro que a corrente doutrinária que entende não ser plausível à responsabilização penal da pessoa jurídica, externa essa linha de pensar com respaldo no princípio do societas delinquere non potest, e na análise do elemento volitivo que compõe o conceito de ação, sendo esta uma conduta humana conscientemente dirigida a um fim.

3.2 PARTE DOUTRINÁRIA À FAVOR DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

Calcada em uma interpretação gramatical da Constituição Federal, juntamente ao que dispõe a Lei 9.605/1998, além de se atrelar a uma nova visão de Direito Penal, onde se adota um caráter mais interventivo, buscando-se as mudanças necessárias para a obtenção de melhoras na sociedade, a segunda corrente doutrinária aqui exposta, entende ser possível e necessária à responsabilização criminal da pessoa jurídica.

Formada da opinião de estudiosos do Direito Ambiental, Constitucional e Penal, a referida corrente tem como alguns dos seus disseminadores, autores como Paulo Affonso Leme Machado, José Afonso Silva, Gilberto Passos Freitas, Evaristo de Morais Filho, Fausto Martin de Sanctis, Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins, Walter Claudius Rothenburg, Ivette Senise Ferreira, Francisco Muñoz Conde, Mercedez García Aran, dentre outros insignes doutrinadores. Ademais, o entendimento pela imputação penal da pessoa jurídica encontra-se amplamente ratificado pela ordem jurisprudencial pátria.

Segundo Fausto Martin Sanctis, Juiz Federal da Seção Judiciária de São Paulo, a regra constitucional da responsabilização criminal da pessoa jurídica foi criada de forma consciente, levando-se em consideração inclusive a existência do princípio societas delinquere non potest. A seu ver, trata-se de medida extremamente necessária para desfigurar verdadeiras facções criminosas escondidas sob o traje de uma empresa. Vejamos o que dispõe o douto magistrado em sua obra “Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica”:

“O legislador constitucional, atento às novas e complexas formas de manifestações sociais, mormente no que toca à criminalidade praticada sob o escudo das pessoas jurídicas, foi ao encontro da tendência universal de responsabilização criminal. Previu nos dispositivos citados, a responsabilidade penal dos entes coletivos nos delitos praticados contra ordem econômica e financeira e contra a economia popular, bem como o meio ambiente.” (Grifos nossos)

No mesmo sentido, o renomado ambientalista Paulo Affonso Leme Machado, fazendo referência a alguns aspectos da Carta Magna de 1988, explicita que:

“A responsabilidade penal da pessoa jurídica é introduzida no Brasil pela Constituição Federal de 1988, que mostra mais um dos seus traços inovadores. Lançou-se assim, o alicerce necessário para termos uma dupla responsabilidade no âmbito penal: a responsabilidade da pessoa física e a responsabilidade da pessoa jurídica”. (Grifos nossos)

Entendimento também pactuado por Gilberto Passos de Freitas , Desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo, que, em uma análise do art. 225, §3º da Lex Mater, afirmou que “diante desse dispositivo, tem-se que não há mais o que se discutir a respeito da viabilidade de tal responsabilização”.

Outro aclamado jus ambientalista, o professor Edis Milaré , afirma que a Constituição deu importante passo ao superar o caráter pessoal da responsabilidade penal, de forma a alcançar também a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime ecológico.

Adeptos da imputação de delitos às empresas criminosas, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins afirmam que “a atual Constituição rompeu com um dos princípios que vigorava plenamente no nosso sistema jurídico, o de que a pessoa jurídica, a sociedade, enfim, não é passível de responsabilização penal”.

Já o consagrado constitucionalista José Afonso da Silva, afirma que ao se fazer a interpretação do §5º do art. 173, juntamente com o §3º do art. 225, ambos da Constituição, resta clara a possibilidade de se responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas, nas sanções compatíveis com sua natureza, independentemente da responsabilização dos seus dirigentes. É o que se depreende de trecho da obra Direito Ambiental Constitucional, do insigne doutrinador:

“Cabe invocar, aqui, a tal propósito, o disposto no art. 173, § 5º, que prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídica, independente da responsabilização de seus dirigentes, sujeitando-as às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica, que tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente.”

Ademais, adentrando-se agora no estudo do Direito Penal, vê-se que a tese sustentada pela primeira corrente doutrinária, que defende a não responsabilização penal da pessoa jurídica, baseando-se nos clássicos conceitos de ação, culpabilidade e capacidade da pena, e no princípio da societas delinquere non potest, se mostra ultrapassada e limitada, não acompanhando as mudanças da sociedade. O próprio autor Cezar Roberto Bitencourt, adepto da não-responsabilização, deixa essa brecha em um dos seus trabalhos:

“Embora o princípio societas delinquere non potest seja, historicamente, adotado na maioria dos países da Europa Continental e da América Latina, a outra corrente começa a ganhar grandes espaços nos debates dogmáticos de vários países, ante a dificuldade de punir eficazmente a chamada criminalidade moderna, onde as pessoas jurídicas começam a exercer importante papel.”

Sendo assim, levando-se em consideração que a atual conjuntura social, conforme já exposto, requer um Direito Penal de intervenção máxima contra àqueles que atentam contra objetivos constitucionais, a responsabilização penal da pessoa jurídica é medida necessária para coibir a prática de crimes encobertos pelas fachadas de grandes empresas. Segundo Walter Claudius Rothenburg, Procurador Regional da República em São Paulo:

“O Direito Criminal em geral e o conceito de vontade criminosa em particular foram constituídos em função exclusiva da pessoa física. A própria necessidade de referência a aspectos subjetivos (dogma da culpabilidade) traz ínsita um implicação antropomórfica. Então, mister se faz adaptar essas noções à realidade dos entes coletivos, para se poder trabalhar a imputabilidade da pessoa jurídica com o instrumental teórico jurídico sugerido pela Dogmática tradicional. A partir daí – de reformulações e reconstruções –, pode-se chegar à sujeição criminal ativa da pessoa jurídica, sem ter de prescindir da culpa nos moldes de uma responsabilidade objetiva”.

Nesse ínterim, a emérita professora da Universidade de São Paulo, Ivette Senise Ferreira, ao comentar o art. 225, §3º do Caderno Constitucional, aduz que:

“Diante desse dispositivo, tem-se que não há mais o que se discutir a respeito da viabilidade de tal responsabilização, designando como infratores ecológicos às pessoas físicas ou jurídicas o legislador,…abriu caminho para um novo posicionamento do direito penal do futuro, com a abolição do princípio ora vigente o qual societas delinquere non potest”. .

Ora, a pessoa jurídica representa a vontade de seus administradores, que muitas vezes, utilizando-se do frontispício de seus estabelecimentos, fomenta a prática de delitos. Assim sendo, já era a hora de responsabilizar e punir as pessoas jurídicas pela prática de crimes, entre eles, os que atentem a condição sadia do Meio Ambiente, atendendo assim aos anseios da atual sociedade, rompendo com as barreiras do societas delinquere non potest, e elevando à ordem constitucional a idéia da societas delinquere potest.

Destarte, conforme leciona Francisco Muñoz Conde e Mercedez García Aran:

“Não há, pois, que se alarmar tanto, nem rasgar as próprias vestes quando se fala de responsabilidade das pessoas jurídicas: basta simplesmente ter consciência de que unicamente se deve escolher a via adequada para evitar os abusos que possam ser realizados” .

Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento da 5ª Turma, sob a lavra do ministro Gilson Dipp, sedimentou a hipótese de imputação penal à pessoa jurídica, ratificando ser a Lei 9.605/1998 claramente constitucional, representando assim os anseios da sociedade, exteriorizados através da atuação legislativa. É o que se depreende de Acórdão proferido no recurso especial nº. 564.960/ SC, abaixo colacionado:

“CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO.I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial.II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente.III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática dedelitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamentojurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidadesocial, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.VIII. De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiáriadireta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade.X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado…”, pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal.XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.” (Grifos nossos)

A responsabilidade criminal da pessoa jurídica é realidade disseminada nos tribunais de superior instância de todo o país. Vejamos algumas decisões:

“APELAÇÃO-CRIME. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 3º, determina expressamente que a pessoa jurídica está sujeita às sanções penais quando praticar condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Da mesma forma, preceitua o art. 3º da Lei nº 9605/98. Assim, não aceitar a responsabilização penal da pessoa jurídica é negar cumprimento à Carta Magna e à lei. Recurso de apelação julgado procedente”.

“HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JÚRIDICA. POSSIBILIDADE. DEMAIS QUESTÕES ATINENTES AO MÉRITO. INVIALBILIDADE DE ANÁLISE EM HC. ORDEM DENEGADA.(…) Alega a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei Ambiental, tendo em vista que o ordenamento jurídico, assim como a doutrina, são hostis à responsabilização penal da pessoa jurídica. Sublinha a inocorrência da figura criminosa, salientando que não foi descumprida nenhuma norma ambiental relativa ao transporte de substâncias perigosas. (…)Não merece prosperar a alegação de inconstitucionalidade do art. 3º da Lei dos Crimes Ambientais, pois já é tranqüilo o entendimento, nesta Câmara, de que é possível responsabilizar penalmente pessoas jurídicas”.

DENÚNCIA. REJEIÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL, “REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DAS ATIVIDADES DA PESSOA JURÍDICA.RESPONSABILIDADE SOCIAL. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. 1. A lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos causados ao meio ambiente. 2. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. 3. A lei ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços á comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica”.

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO MINISTERIAL. PRELIMINAR DEFENSIVA DE INTEMPESTIVIDADE DA DECISÃO. REJEIÇÃO. MÉRITO. POSSIBILIDADE DE SE DENUNCIAR A PESSOA JURÍDICA, ISOLADAMENTE, POR CRIME AMBIENTAL. PROVIMENTO DO RECURSO. Preliminarmente, dada ciência ao Ministério Público em exercício junto à Vara, e tendo o mesmo requerido ao Juízo o encaminhamento dos autos para a Promotoria do Meio Ambiente, o prazo para a interposição do recurso só pode correr após a intimação pessoal daquele órgão com atribuição para oficiar nos processos em razão de matéria. O fato de ser o Ministério Público uno e indivisível não afasta a observância do Princípio do Promotor Natural. Se o “Parquet” interpôs o recurso imediatamente após a ciência pessoal daquele órgão com atribuições para a defesa de interesses difusos e coletivos, não procede a alegação de intempestividade. Rejeição da preliminar.No mérito, se a denúncia expressamente remete ao Inquérito policial que instui o processo, onde consta que a empresa denunciada causava poluição sonora e hídrica devido a ausência de isolamento acústico em seu galpão de pintura, assim como lançava os efluentes na rede coletora de esgotos, fora dos padrões ambientais, constando do Inquérito, por igual, expressa referência aos períodos e datas em que a empresa denunciada infringiu deveres legais e, em consequência, normas penais penalizadoras, sendo possível, assim, verificar-se o período de infração com datas, não há falar-se em violação ao exercício do direito de defesa. A Constituição Federal, ao erigir o preceito constitucional de responsabilidade penal da pessoa jurídica, no artigo 225, par. 3., responsabilidade esta normatizada com o regramento na Lei Ambiental n. 9.605/98, não exigiu ou mesmo sinalizou a obrigatoriedade de que haja denúncia simultânea, isto porque se trata de responsabilidade objetiva pura. Nestes casos, o elemento subjetivo do tipo, que em relação às pessoas físicas corresponde a culpa, em se tratando de pessoa jurídica, o que se perquire é o elemento normativo, ou seja, aquele a que vai corresponder o elemento derivado convertido em responsabilidade. Rejeição da preliminar. Provimento do recurso para receber a denúncia nos termos do pedido”. (Grifo nosso)

“EMENTA: PCO – CRIME AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA – INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO RECONHECIDA – PERÍCIA OFICIAL – EXAME DE CORPO DE DELITO – POLUIÇÃO SONORA – PROVAS INEXISTENTES – ABSOLVIÇÃO. A responsabilidade penal da pessoa jurídica quando pratica atividades lesivas ao meio ambiente está prevista no artigo 225, § 3.º, da Constituição Federal, e no artigo 3.º, da Lei 9.605/98. Não se reconhece a inépcia da denúncia que expressamente especifica atividade potencialmente poluidora exercida pela empresa mencionada, a poluição sonora e atmosférica. Não existindo provas da prática do crime, quais sejam, perícia oficial, nos termos do artigo 159 ou § 2.º, do Código Penal; exames de corpo de delito conclusivos que as pessoas examinadas sejam portadoras de doenças provocadas pela poluição e perícia comprovando a poluição sonora, impõe-se a absolvição dos denunciados”.

“PROCESSO PENAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. USURPAÇÃO DE PATRIMÔNIO FEDERAL. EMENDATIO LIBELLI. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CRIMES COMPROVADOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. (…)3. Embora ainda passível de grande discussão doutrinária, pacificou-se jurisprudencialmente como cabível a persecução criminal contra a empresa degradadora do ambiente, na esteira das previsões expressas do art. 225, § 3°, CF e do art. 3º da Lei 9.605/98. (…)”.

“PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL. PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE (CF: ART. 225, § 3º, E LEI Nº 9.605/98: ART. 3º). PRECEDENTES. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA APÓS RECEBIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CRIMINAL PROVIDO.1. O juiz a quo rejeitou a denúncia em relação à pessoa jurídica, acusada de praticar crime ambiental, sob o fundamento de inaplicabilidade dos princípios constitucionais da culpabilidade e da individualização da pena.2. Com o advento da Lei nº 9.605/98, que regulamentou o art. 225, § 3º, da CF/88, tornou-se, perfeitamente, passível de punição no âmbito penal, não só as pessoas físicas, como também as jurídicas, face às condutas lesivas ao meio ambiente.3. É possível responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas pela prática de crime ambiental, à medida que a Lei nº 9.605/98, ao estabelecer meios de punição, fê-lo não com a imposição de pena privativa de liberdade, mas com outras sanções peculiares à natureza jurídica das empresas que violarem a norma legal.4. À luz da Constituição Federal e da Lei nº 9.605/98, a pessoa jurídica é, também, legítima para figurar no pólo passivo da Ação Penal.5. Conforme entendimento jurisprudencial, não pode o juiz, após o despacho de recebimento da denúncia, revogá-lo, porque se assim o fizer, estará concedendo ordem de habeas corpus contra si mesmo, o que é inadmissível, por usurpar competência do órgão judicial superior. 6. Provimento ao recurso criminal interposto pelo Ministério Público Federal”.

“PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. ARTIGO 43, III DO CPPB. DENÚNCIA QUE NARRA EM TESE CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE (POLUIÇÃO DE RIO COM DEGRADAÇÃO DA FAUNA E FLORA NAS SUAS PROXIMIDADES). ARTIGO 225, PARÁGRAFO 3º DA CF/88 C/C ARTIGO 54 DA LEI 9.605/98. CRIME, EM TESE, DE PERIGO E DE RESULTADO. PENA RECLUSÃO OU MULTA. IMPOSSIBILIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. ATOS DE PESSOAS FÍSICAS. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA NA PEÇA EXORDIAL. MANUTENÇÃO DO DECISUM SINGULAR.1 – Capacidade penal é o conjunto de condições exigidas para que um sujeito possa tornar-se titular de direitos ou obrigações no campo do direito penal.2 – A responsabilidade da pessoa jurídica, em matéria ambiental, encontra previsão nos artigos 225, parágrafo 3º da Constituição Federal e no artigo 3º da lei 9.605/98. 3 – Entendendo-se meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem química, física e biológica que condiciona, abriga e rege a vida em todas as suas formas, nos termos do artigo 3º da supracitada lei , o mesmo é um bem que pertence a toda a coletividade, não integrando nem ao patrimônio disponível do estado, nem o domínio dos particulares. 4 – O direito ao meio-ambiente abrange, ao mesmo tempo, “um não fazer” (ou seja, a não degradação da qualidade ambiental) e “um fazer” (a recuperação da qualidade ambiental eventualmente degradada), tendo em vista a manutenção de um status, de uma situação pré-determinada pelo ordenamento jurídico como inafastável: o meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput, da CF/88).5 – O crime descrito na exordial pode ser analisado como crime de resultado e crime de perigo, vez que é crime causar poluição em níveis tais que resultem danos à saúde humana, como, também, é crime causar poluição que possa resultar danos à saúde humana. 6 – Não obstante a denúncia narrar crime em tese, inexiste na referida peça elementos que possibilitem a caracterização do tipo do crime, entre eles indicação das pessoas físicas que pudessem ou devessem responder pelos fatos ali narrados, mormente quando a pena cominada aos crimes ali descritos tem pena de reclusão e multa, impondo-se, de tal sorte, a confirmação da decisão singular, por faltar condição exigida pela lei para o exercício da Ação Penal. 7 – recurso em sentido estrito improvido”.

“PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DE PESSOA JURÍDICA. ART. 225, § 3º, CF/88. ART. 3º, LEI 9.605/98.1. O parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal de 1988 previu, em razão de opção política do legislador, a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais. 2. O art. 3º da Lei 9.605/98, que cuida dos crimes contra o meio ambiente, regulamentou o preceito constitucional em referência, dando-lhe a densidade necessária. 3. Não há qualquer inconstitucionalidade no § 3º do art. 225 da Constituição Federal, fruto de uma escolha política do legislador, que atende às expectativas por prevenção e proteção de condutas atentatórias ao meio ambiente, bem jurídico de espectro coletivo, de enorme relevância para o ser humano na atualidade.4. Recurso em sentido estrito provido”.

Portanto, o Direito Penal deve adaptar os seus conceitos tradicionais ao cenário contemporâneo, não se restringindo apenas a exteriorização do seu caráter finalista, onde deve apenas proteger aos bens jurídicos fundamentais, pois assim estará fadado a ser um sistema falho. Deve-se, contudo, destinar-se à função de promover mudanças nas bases estruturais da sociedade, para que assim a possa proteger, com maior efeito e amplitude, de práticas delitivas que atentem contra objetivos constitucionais. Logo, a responsabilização penal da pessoa jurídica trata-se de medida onde, aproximando-se a dogmática tradicional ao panorama atual, busca-se maior eficácia e abrangência da tutela penal contra os agentes criminosos, independentemente de serem pessoas físicas ou jurídicas. Com isso, em matéria ambiental, têm-se o desígnio de por um freio à degradação ambiental que assola o planeta, em especial, o Brasil.

3.3 A TEORIA DA DISREGARD DOCTRINE

Oriunda da jurisprudência norte-americana, onde é conhecida como disregard of legal entity ou lifting the corporate veil, o que se traduzindo para o vernáculo pátrio, significaria, respectivamente, desconsideração da personalidade jurídica ou o levantamento do véu da personalidade jurídica, a teoria da disregard doctrine, em matéria ambiental, foi introduzida pelo legislador brasileiro no art. 4º da lei 9.605/1998, aplicando-se assim preceitos de direito privado nas infrações ambientais.

Ao longo do tempo, foram criados diversos mecanismos com o fito de resguardar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, separando a personalidade dessa dos seus integrantes. Protegia-se assim o patrimônio do sócio, tornando-o intangível, o que favorecia a ocorrência de fraudes e abusos contra terceiros de boa-fé. Sendo assim, era comum os sócios colocarem o patrimônio da empresa em nome próprio, o que tornava praticamente impossível a responsabilização civil ou administrativa da pessoa jurídica por determinado dano causado, já que, ao se apurar, verificava-se que a empresa não mais apresentava patrimônio social. Deste modo, a teoria da disregard doctrine surgiu com o intento de por fim aos abusos exercidos por agentes, utilizando-se da fachada das empresas para se acobertar.

Em se falando de Direito Ambiental, a referida teoria consiste na desconsideração da pessoa jurídica sempre que a sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Na prática, o referido procedimento ocorre quando a empresa não estiver firmada e legalmente regulada, ou quando os empregados, sem a anuência do responsável, deliberarem e cometerem o delito ambiental. Nesse bojo, se desconsidera a personalidade jurídica da empresa, e se busca no patrimônio dos infratores a responsabilização pelo dano ambiental causado.

Portanto, segundo Ricardo Antônio Andreucci , são identificados três princípios que regem a aplicação da disregard doctrine: a) a utilização abusiva da pessoa jurídica no intuito de que esta sirva de meio para se safar da obrigação legal ou contratual, ou mesmo para cometer fraudes contra terceiros; b) a necessidade de se impedir violação de normas de direitos societários; e c) os indícios de que a sociedade está sendo utilizada de frontispício para exteriorização de vontade e proveito próprio da pessoa física.

3.4 A LIQUIDAÇÃO FORÇADA DA PESSOA JURIDICA

Além de dispor em seu art. 3º sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, e em seu art. 4º, acerca da desconsideração da pessoa jurídica quando a sua personalidade for obstáculo para ressarcimento de prejuízos causados ao Meio Ambiente, a Lei dos Crimes Ambientais prevê ainda em seu art. 24, que a pessoa jurídica que for constituída ou utilizada, geralmente, com o fito de permitir, facilitar ou ocultar a prática de delitos especificados no mesmo diploma, terá decretada a sua liquidação forçada, sendo que lhe será tomado o seu patrimônio considerado instrumento do crime, e consequentemente, revertido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

A referida medida trata-se de sanção extrema instituída pelo legislador ordinário, com a grande finalidade de coibir a formação de grupos empresarias que, por detrás do frontispício, tenham como atividade usual a prática de crimes ambientais. Não se pode permitir que a ganância industrial prevaleça frente ao meio ambiente sadio e a conseqüente qualidade de vida, levando-se em consideração que tais atividades danosas comprometem a existência da própria espécie humana, sem falar em outros elementos do ecossistema que provavelmente seriam destruídos muito antes. Sendo assim, no dizer de Ricardo Andreucci , a liquidação forçada da pessoa jurídica “é o que se convencionou chamar pena de morte da pessoa jurídica”.

4 DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE

Com a premissa de não tornar por demais longa e cansativa a presente obra, e pela desnecessidade de mencionar cada um dos tipos próprios que compõem a Lei dos Crimes Ambientais, passaremos a tecer breves comentários apenas sobre as seções pertinentes ao capítulo V da Lei dos Crimes Ambientais, onde se regulam as condutas passíveis de punição.

Na Seção I, compreendida entre os arts. 29 a 37, a referida lei dispõe sobre os crimes contra a fauna, ou

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