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Análise Crítica Dos Princípios Constitucionais e a Ponderação dos Bens

Segundo Sarmento, “as constituições compromissórias, por consagrarem normas e valores com matizes ideológicas muito distintas, estão frequentemente sujeitas aos conflitos entre princípios constitucionais”. Realmente, existem conflitos, mas esses princípios não mais são equacionados pelos critérios clássicos: cronológico, especialidade e hierárquico devido à necessidade de métodos mais dinâmicos e flexíveis. Ademais, o Direito, como um todo, passa por uma crise tanto nas fontes quanto na interpretação das normas, posto que devido à Internacionalização das relações sociais e o exponencial desenvolvimento dos meios de comunicação, rompeu-se com as fronteiras geográficas e, conseqüentemente, os ordenamentos jurídicos passaram a sofrer mútuas interferências, repercutindo, sobretudo, na mutabilidade constitucional com a necessidade de um novo paradigma hermêutico.

Ademais, Sarmento defende “não ser possível, através do uso dos métodos clássicos de interpretação, traçar rigidamente as fronteiras de todos os princípios, de modo a evitar completamente a possibilidade de eclosão de conflitos entre eles em casos concretos”. Essa perspectiva tem fundamento, uma vez que o novo pensamento sistêmico (instabilidade, complexidade e intersubjetividade) norteia os juristas tanto na escolha das Fontes do Direito como no modo de interpretar as normas, sobretudo, na ponderação dos princípios na atual Constituição de 1988 de cunho, eminentemente, aberto.

Assim, os métodos clássicos de resolução das antinomias entre regras jurídicas não conseguem resolver os conflitos entre dois ou mais princípios constitucionais válidos,haja vista a solução dos conflitos entre princípios dever vencer o prisma da validade e alcançar a idéia de peso e densidade dos valores em choque.Além do exposto, o referido autor acredita: “os critérios tradicionais de resolução de antinomias não são suficientes para solucionar as situações de tensão entre conflitos constitucionais. O critério cronológico é inservível, ressalvadas as emendas constitucionais, as normas da Constituição são editadas no mesmo momento. O critério de especialidade também tem reduzida valia, pois é raro, no plano constitucional, a existência de antinomias do tipo total-parcial, que são as únicas que podem ser resolvidas por meio desse método”.

Seguindo essa lógica, com o abandono do paradigma clássico da resolução de antinomias, em vista da crescente valorização dos princípios, a ponderação dos interesses passa a ter maior relevância. Propugna-se a ponderação de interesses entre os princípios em conflito no caso concreto, sendo tarefa do intérprete, na ausência de uma interpretação a priori já feita pelo legislador, definir o âmbito de incidência de cada princípio, preservando-lhe, ao menos, o núcleo essencial.

Além disso, outra visão defendida: “não há hierarquia absoluta entre as normas editadas pelo poder constituinte originário. O escalonamento rígido entre os princípios constitucionais é incompatível com o Princípio da Unidade da Constituição, na medida em que destrói a possibilidade de coexistência entre diferentes normas constitucionais”. Inicialmente, é necessário enfatizar que o poder Constituinte Originário, no Constitucionalismo Contemporâneo, possui algumas limitações ideológicas, repercutindo o momento histórico atual. Além disso, o objetivo fundamental do Princípio da Unidade da Constituição é a especificação da interpretação sistêmica, delegando ao interprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas com base na ponderação dos bens.

Porém, para ser verdadeiramente uma ponderação dos princípios, deve-se analisar o embate principiológico no caso concreto, posto que a práxis determina as matizes da ponderação. Assim, a doutrina não é suficiente para reproduzir o que os tribunais aplicam na prática, repercutindo na “lipoaspiração epistemológica”, na qual se sobrevaloriza a jurisprudência, ratificando a ditadura togada, em que juízes sentem-se o verdadeiro “laboratório” de decisões que fragilizam a doutrina e proclamam o Apartheid: de uma lado, a doutrina com anseios revolucionários por mudanças; de outro, a jurisprudência, soberana e conservadora, querendo o continuísmo de um sistema “fético” de heranças coloniais – a desigualdade, transmutada para a crise de identidade do Direito atual, principalmente, nas fontes do Direito.

Outro aspecto abordado é: “a hierarquização estática das normas constitucionais conduz à aceitação da teoria das normas constitucionais inconstitucionais. Tal teoria, sobre revelar-se em descompasso com o Princípio da Unidade da Constituição, afigura-se muito perigosa, na medida em que importa na outorga ao Judiciário do poder desmedido e incontrastável de rejeitar as valorações feitas pelo próprio poder constituinte originário. No Brasil, a doutrina e a jurisprudência dominante não eceitam a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de normas contidas na Constituição ordinária”.

Com base no exposto, pode-se concluir que o ordenamento jurídico com bases em Kelsen, isto é, unitário e formal apresenta-se um pouco ultrapassado, visto que a hierarquização estática entre normas “engessa” a Constituição e não repercute a atual sociedade, como dizia Lassale” a Constituição não passa de uma folha de papel”. Com o dinamismo do direito e com a influência da linguagem na nova concepção de Direito,que alguns autores como Dworkin, restringem o direito “a casa da linguagem”, enfatizou-se o papel do Judiciário na interpretação das normas, que passou a axiologicamente determinar o sentido material do texto constitucional.

Na ótica de Sarmento, “o reconhecimento da existência de hierarquização dinâmica entre princípios constitucionais implica na aceitação de que o princípio de estatura mais elevada sempre deverá prevalecer sobre o de escalão mais baixo, independentemente do caso concreto. Tal entendimento não possui bases científicas sólidas, e o escalonamento se assenta, normalmente, apenas sobre as preferências pessoais do intérprete. Ademais, ele tem se revelado historicamente como instrumento da ideologia conservadora, servindo frequentemente como pretexto para a redução da efetividade dos direitos sociais”. Há de concordar que a hierarquização dos princípios tenderiam a levar o sistema jurídico a um círculo vicioso no qual, num raciocínio sofismático, não se chegaria a lugar algum estabelecer uma hirerquizaçào principiológica, posto que seria difícil estabelecer, realmente, qual princípio seria superior a outro, isto desencadearia num juízo de valor realizado pelo judiciário, mitigando o próprio papel do legislador e não respeitando o Estado Democrático de Direito.

Como assevera o autor do texto em análise, “os princípios e as regras apresentam diferenças estruturais marcantes. As regras são aplicadas sob a forma do tudo ou nada (Dworkin), já que, presentes os seus pressupostos fáticos, ou a regra índice sobre o caso, e suas consequências jurídicas são inteiramente deflagradas, ou ela é considerada inaplicável, sendo totalmente desenconsiderada para a solução do problema. Já com os princípios isso não acontece, pois, traduzindo mandados de otimização (Alexy), eles são aplicados dentro das possibilidades fáticas e jurídicas oferecidas pelo caso concreto”.

Essas visões hermenêuticas de regras e princípios norteiam a constituição de 1988. Porém, a grande controvérsia atual é a expansão dos poderes do STF, considerado o quarto poder e o verdadeiro intérprete da Constituição, sem a necessidade de avaliação, mas apenas a ratificação feita pelo Senado Federal (caráter, meramente, publicitário).

Como enfatiza Sarmento, “os princípios possuem uma dimensão de peso que as regras não ostentam. Com efeito, se várias regras entram em conflito em um caso, o interprete deverá optar por uma delas, através dos critérios clássicos de resolução de antinomias, desprezando as demais. Porém, vários princípios não convergentes podem ser aplicados simultaneamente, tornando-se necessário verificar o peso específico assumido por cada um no caso concreto, para verificar em que medida cada qual cederá passagem ao outro”. Sob o exposto em tela, é imprescindível enfatizar que os princípios podem modificar o entendimento das normas constitucionais sob um víeis de mutabilidade, isto é, modifica-se o sentido principiológicos.

Segundo Daniel, “a ponderação dos bens deve observar o Princípio da Proporcionalidade em uma tríplice dimensão: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.” Essa tríplice dimensão decorre conteúdo dos “subprincípios” existentes no princípio da proporcionalidade. Ademais, para prevenir que ocorra o “Oberdehnung, auto-espansão, para designar um exagero ao empregá-lo, que levaria a um relaxamento na aplicação da lei, nada melhor do que atribuir “reflexibilidade” ao Princípio, de modo que só se possa aplicá-lo mediante um exame de adequação, exigibilidade e proporcionalidade.

Com isso, pode-se reservar a utilização dele para o momento oportuno e necessário, quando for essa a providência mais de acordo com a finalidade última do ordenamento jurídico: o maior benefício possível da comunidade com o mínimo sacrifício necessário de seus membros individualmente.

Na linha de raciocínio do referido autor, “a ponderação de bens reflete de certa forma o método da hermenêutica concretizadora, que preconiza que a interpretação da Constituição deve ser realizada ao lume das circunstâncias específicas do caso, mas sem descurar dos aspectos normativos do problema”.

Ao analisar o texto anterior,percebe-se que a interpretação da constituição também não foge a este processo: é uma compreensão de sentido, um preenchimento de sentido juridicamente criador, em que o intérprete efetua uma atividade prático-normativa, concretizando a norma para e a partir de uma situação histórica concreta.

“Destarte, embora prestigiando o procedimento tópico orientado ao problema, os adeptos do método hermenêutico-concretizador procuram ancorar a interpretação no próprio texto constitucional como limite da concretização, mas sem perder de vista a realidade que ele intenta regular e que, afinal, lhe esclarece o sentido. Como enfatiza o constitucionalista Sarmento, “o método da ponderação dos bens potencializa o ideal de Constituição aberta, uma vez que ele procura conciliar, no caso-concreto, as tensões entre princípios constitucionais, sem estabelecer hierarquias rígidas entre estes. Assim, tal método propicia o convívio entre valores e princípios antagônicos, fomentando o pluralismo em sede constitucional”.

Ao refletir sobre o segmento exposto, outrossim, não apenas os princípios expressos têm importância, senão também os princípios constitucionais implícitos, que, apesar de não possuírem enunciados lingüísticos na Constituição, são igualmente considerados normas jurídicas. De fato, esses princípios decorrem da própria sistemática lógica estabelecida pelo ordenamento constitucional e possuem tanta normatividade quanto seus irmãos insculpidos expressamente na Carta Política. Portanto, tanto regras, quanto princípios (explícitos ou implícitos), que tenham lugar na Constituição, gozam do mesmo privilégio e respeito jurídicos.

Por outro lado, sabe-se que em uma sociedade marcada pelas notas da diversidade e da pluralidade e que repousa suas bases nos ideais democráticos, valores heteregôneos, senão contraditórios ou concorrentes, são plasmados na Norma Fundamental, ganhando assim o timbre da juridicidade constitucional. Com efeito, a Constituição figura como depositário de ideologias e convicções várias que devem ser respeitadas como corolário de um Estado Democrático consagrador da igualdade jurídico-material. Isso já seria suficiente para não compreender a Constituição como um complexo fechado ou hermético.

Como afirmou Daniel Sarmento: “a atividade jurisprudencial é essencialmente criativa. Ao aplicar o Direito, o juiz não se limita a declarar algo preexistente, pois, principalmente, em casos difíceis, ele sempre põe um pouco de si, de seus valores e de suas crenças. Com a ponderação de bens nem é nem poderia ser diferente”.

Esse papel criativo do juiz , no entanto, é limitado hoje com o advento das súmulas vinculantes, mas elas também minimizam a morosidade na justiça. Assim, é possível afirmar que o Judiciário brasileiro não é lento porque as súmulas ou as jurisprudências não vinculam/obrigam, formal ou informalmente (não esqueçamos que a vinculação já existe de há muito, sem mencionar o poder de violência simbólica das súmulas e das assim denominas jurisprudências “dominantes”), as instâncias inferiores, mas, sim, porque está assentado sobre uma estrutura arcaica e burocrática, permeada por um imaginário conservador, fruto de uma fortíssima crise de paradigma pela qual passa a dogmática jurídica.