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Incentivos Fiscais no Terceiro Setor: Adequação à nova realidade

Embora o grande crescimento do terceiro setor se deu a partir da década de 90, o mesmo esteve presente, mesmo de forma tímida, em praticamente todas as Constituições Federais brasileiras. Uma das fontes de renda do terceiro setor provém da iniciativa privada (segundo setor), que por sua vez conta com alguns incentivos fiscais previstos na legislação ordinária como forma de estímulo. Todavia, há uma desproporcionalidade entre o número de incentivos fiscais e o número de instituições que compõem o terceiro setor, sendo aqueles muito poucos em relação a quantidade de atividades que estas exercem. Neste contexto, discute-se o verdadeiro papel do Estado, que estimula muito pouco a iniciativa privada em investir no terceiro setor, ao passo que este cresce de acordo com a arrecadação tributária do Estado.

CONCEITO DE TERCEIRO SETOR

A priori, é conceituado a iniciativa pública, ou seja, o Estado, como sendo o primeiro setor, e por sua vez, a iniciativa privada como sendo o segundo Setor. Todavia, na década de 90 e começo do século XXI, viu-se o grande crescimento de um outro setor, que não pode ser classificado como iniciativa pública e muito menos como privada, visto suas características socioeconômicas e jurídicas muito peculiares. Neste setor, denominado como terceiro, encontram-se as entidades com cunhos filantrópicos e sem fins lucrativos.

Embora a previsão legal do terceiro setor esteja inserida desde as primeiras constituições, a sua conceituação é tarefa árdua, principalmente no aspecto jurídico, pois :

“Somando-se ao sem número de elementos teóricos que balizam os estudos doutrinários sobre o tema, a própria legislação constitucional e infraconstitucional é heterogênea na definição do Terceiro Setor. As denominações encontradas nos textos legais são as mais diversas, apesar de muitas vezes estarem se referindo à mesma situação jurídica. Registra-se a utilização de termos legislativos como associação, associação civil, serviço social, estabelecimento particular de educação gratuita, instituição artística, instituição cientifica, instituição de ensino, instituição fundada por associação civil, instituto de iniciativa dos indivíduos, associação particular, associação profissional, templo de qualquer culto, igreja, partido político, instituição de educação, instituição de assistência social, serviços assistencial, instituição privada, entidade filantrópica, entidade sem fins lucrativos, organização representativa da população, escola comunitária, escola confessional, escola filantrópica, entidade sindical, sindicato, entidade beneficente de assistência social e, por fim, entidade não governamental”. [1]

Ruth Cardoso concorda com a diversidade de conceitos que tangem o terceiro setor, mas tenta defini-lo de maneira bem objetiva : “são vários os termos que temos utilizado para caracterizar este espaço que não é Estado nem mercado e cujas ações visam ao interesse público: iniciativas sem fins lucrativos, filantrópicas, voluntárias.” [2]

Rubens César Fernandes, que coleciona um vasto estudo sobre o tema, também acredita que o terceiro setor é o conjunto de instituições sem fins lucrativos que faz jus as tradições da filantropia e cidadania

“O Terceiro Setor é composto de organização sem fins lucrativos, criadas e mantidas ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade ás praticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandido o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de múltiplas manifestações na sociedade civil.”[3]

Para fins didáticos do presente trabalho, conceItua-se terceiro setor o conjunto de instituições de iniciativa privada que exercem funções públicas, que são auto-governadas e não possuem fins lucrativos.

OS ICENTIVOS FISCAIS NO TERCEIRO SETOR

Pode-se dizer que incentivo fiscal é toda forma de isenção de tributação (no sentido amplo, não jurídico) que o Estado promove ao contribuinte em troca de algum benefício para a sociedade. O art. 151 da CF aufere:

É vedado à União:I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País

Aurélio Pitanga Seixas Filho explica o citado art. 151 da Constituição: “os incentivos fiscais são concedidos para exercerem uma função de desenvolver determinada atividade, considerada relevante para o legislador”[4]

Marcos André Vinhas detalha a explicação de Aurélio Pitanga:

“Em uma primeira abordagem , ao menos para saciar o desejo de uma definição, vemos que os “incentivos fiscais” são instrumentos de desoneração tributária, aprovados pelo próprio ente político autorizado à instituição do tributo, através de veiculo especifico, como o propósito de estimular o surgimento de relações de cunho econômico”[5]

Fabio Soares de Mello aprofunda ainda mais o conceito de incentivo fiscal:

“incentivos fiscais consistem, basicamente, em espécie de renuncia das receitas públicas para o administrador público e benefícios ao administrados (contribuintes), objetivando o desenvolvimento econômico regional, o aumento do saldo da balança comercial, o desenvolvimento do parque industrial nacional, a geração de empregos, a colocação de produtos de fabricação nacional no mercado externo, dentro outros”[6]

Destarte, Adilson Rodrigues Pires observa que o incentivo fiscal não é meramente uma intervenção do Estado na economia, mas sim, o desenvolvimento humano na geração de expectativas sociais:

“A concessão de incentivos não é simplesmente uma forma de intervenção do Estado na economia privada. Deve ser entendida, isto sim, como um canal capaz de promover, em última instância, o desenvolvimento em sua face mais humana, que é a de agregar qualidade de vida à população, seja através da criação de empregos, do acesso à cultura, da geração e redistribuição de renda ou de quaisquer meios lícitos”[7]

LEIS DE ICENTIVOS FISCAIS

A legislação infraconstitucional já prevê, de forma específica, o incentivo fiscal e sua forma de atuação.

Na esfera federal, temos a Lei 9.249/1995 que de acordo com o seu inciso II do § 2º, do art. 13 poderão ser deduzidas as doações efetuadas às instituições de ensino e pesquisa cuja criação tenha sido autorizada por lei federal até o limite de um e meio por cento do lucro operacional; e ainda de acordo com o inciso III do mesmo parágrafo do referido artigo poderão ser deduzidas as doações efetuadas às entidades civis sem fins lucrativos, que instituições de ensino e pesquisa cuja criação tenha sido autorizada por lei federal até o limite de dois por cento do lucro operacional da pessoa jurídica.

Há também Lei Rouanet – Lei de Incentivo à Cultura, que nos termos do §1º do artigo 1 8 da Lei 8.313/91, regulamentada pelo Decreto 1.494/95, os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda devido as quantias efetivamente despendidas em projetos aprovados pelo Ministério da Cultura, nos limites e nas condições previstas na legislação do imposto sobre a renda, na forma de doações e patrocínios.

Ainda no âmbito Federal, a Lei de Incentivo às Atividades Audiovisuais Possibilita a dedução, do imposto de renda devido, dos valores referentes a investimento feito em obras cinematográficas brasileiras de produção independente. O valor do investimento poderá ser deduzido do lucro líquido para fins de apuração do imposto de renda devido pelo investidor. O incentivos fiscais acima referidos estão previstos no artigo 1º da Lei 8.685/93 , com o prazo conferido pela Medida Provisória 2.228-1/01 e alterações dadas pela Lei nº 11.437/2006.

Temos também Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica – Funcine que permite as pessoas jurídicas sujeitas a tributação com base no lucro real, até o ano de 2016, a dedução do imposto devido (limitado a 3%), das quantias aplicadas na aquisição de cotas do Funcine. Referidos incentivos fiscais estão previstos na Medida Provisória 2.228-1/2001 com as alterações dadas pela Lei nº 11.437/06 e também Fundos Federais, Estaduais e Municipais de Direitos das Crianças e dos Adolescentes que possibilita a dedução, do imposto devido na declaração do imposto sobre a renda, do total das doações efetuadas aos fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente. A previsão legal de tais incentivos encontra-se no Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8.069/90.

Por fim, apoio de projetos desportivos e paradesportivos a partir do ano-calendário de 2007 e até o ano-calendário de 2015, inclusive, poderão ser deduzidos do imposto de renda devido (limitado a 1%), em cada período de apuração, trimestral ou anual, pela pessoa jurídica tributada com base no lucro real os valores despendidos a título de patrocínio ou doação, no apoio direto a projetos desportivos e paradesportivos previamente aprovados pelo Ministério do Esporte, limitado a 1%. A previsão legal do referido incentivo encontra-se na Lei nº 11.438/2006, com alterações dadas pela Lei nº 11.472/2007.

Na esfera federal, percebe-se que há a previsão legal de incentivos fiscais às entidades do Terceiro Setor voltadas em geral, àquelas que incentivam à cultura, as que patrocinam crianças e adolescentes e projetos esportivos.

QUESTÕES PERINENTES DO PAPEL DO ESTADO FRENTE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS NO TERCEIRO SETOR.

Até o momento, sabemos que Terceiro Setor é o conjunto de instituições privadas, sem fins lucrativos, que exercem atividades estatais, com objetivo de satisfazer as prerrogativas sociais garantidas pela Constituição. Sabemos também que os Incentivos Fiscais é a forma que o Estado, de maneira concreta, encontrou para instigar a iniciativa privada em colaborar na realização dos direitos fundamentais.

Os incentivos fiscais concedidos ao Terceiro Setor, em especial, seriam uma estratégia política para eximir o Estado de suas responsabilidades, que de acordo com o texto constitucional, são prioritárias? Para alguns doutrinadores sim. De acordo com Carlos Montaño, o Terceiro Setor é um é um novo tipo de intervenção social, patrocinado pelo Estado, com o objetivo de reestruturar seu capital através de políticas neoliberais com reflexos em perda da cidadania oriundas da substituição do Estado pelo terceiro setor, situação a qual, está bem longe de um Estado do Bem Estar Social que, acredita o autor, ser o ideal para o funcionamento da nação. Nas palavras de Leandro Marins de Souza:

“É esta contrapartida que preocupa o autor, e que representa o cerne do desenvolvimento de seu estudo a respeito do tema, por entender que a partir daí o tão propalado Terceiro Setor, tão festejado por muitos, passa a se configurar como elemento da estratégia neoliberal de reestruturação do capital, por representar perda de direitos da cidadania. Perda esta que advém, segundo explica, exatamente da substituição dos direitos de cidadania, aos quais faz jus todo cidadão, por políticas assistenciais oriundas de setor que se pretende excluir dos limites do Estado. Considera esta substituição – a remercantilização ou refilantropização da questão social – como uma precarização da prestação de serviços sociais (…) diferente do Welfare State ], onde se pretende a constituição de direitos de cidadania e de universalidade do serviços, o Terceiro Setor, como suas características de funcionalismo ao modelo neoliberal e à reestruturação do capital, não se afiguraria verdadeiramente como um setor mas como a alteração de uma padrão de resposta à questão social. Ou seja, substituição das responsabilidades sociais do Estado, constitutivas de direitos, pela interferência do Terceiro Setor”[8]

Motaño, que é um jurista fortemente influenciado pela doutrina marxista, afirma que o Terceiro Setor é uma ideologia cuja finalidade é tirar a atenção da população face a reestruturação do capital, pois, para ele, o Estado está se eximindo de suas responsabilidades de concretizar os direitos sociais ao outorgar ao Terceiro Setor tais responsabilidades:

“Na verdade, a função das ´parcerias´ entre o Estado e as ONGs não é de ´compensar´, mas de encobrir e a de gerar a aceitação da população a um processo que, como vimos, tem clara participação na estratégia atual de reestruturação do capital. É uma função ideológica. Como apontamos, com o forte retraimento atual do impacto das lutas das classes trabalhadoras, o capital quer desfazer de todas aquelas conquistas trabalhistas (constitutivas de direito) que ele nunca quis, mas que teve que aceitar num contexto de elevada luta de classes: direitos trabalhistas, políticas e serviços sociais e assistenciais, direitos democráticos. Como então, retirar do Estado todas aquelas conquistas sem criar um processo de convulsão social que pudesse levar a uma profunda crise e provável quebra institucional? (…) c) para legitimar o esvaziamento dos direitos sociais e particularmente o recorte das políticas sociais: formenta-se, a partir de ´parcerias´, o crescimento (e a imagem de ´passagem compensatória´) da atividade do chamado ´terceiro setor´, essa miscelânea de indivíduos, empresas, ONGs”[9]

Pedro Demo aponta a solidariedade, núcleo de referência do Terceiro Setor, como mais uma forte ideologia:

“Nem de longe pretendo colocar ´gosto ruim´ na busca por solidariedade. Pretendo apenas que se proponha aquela solidariedade que faculte ainda mais aos marginalizados confrontarem-se com a magirnalização, de sorte que a sociedade se torne mais justa. Combato frontalmente a solidariedade assistencialista a capciosa. Retomo teorias dialéticas da dominação, não mais na ótica do poder reduzido a soberania, mas no contexto da ótica da dinâmica não linear, ambígua e ambivalente. Não pretendo inventar teoria nova. Apenas gostaria de montar uma discussão pertinente para que a solidariedade possa torna-se referencias histórica concreta, não apenas sermão dúbio”[10]

Demo, em consonância com Montaño, acredita que o Terceiro Setor também é fruto de uma política neoliberal o que afronta o caráter democrático da sociedade, pois, ao Estado cabe praticar as prerrogativas sociais. Afirma que o Terceiro Setor é apenas um instrumento de estratégia do Estado e do mercado, o que faz daquele setor um apêndice destes:

“Solidariedade não é entrega, perda de identidade, conformismo, mas negociação interminável de coisas negociáveis e não negociáveis. (…) É mais difícil tirar proveito da discussão sobre o terceiro setor, porque sua tonalidade neoliberal me parece flagrante, além de ofuscar o papel da sociedade como controle democrático. Aprece por demais a intenção, quase sempre sub-reptícia, de camuflar e de substituir o Estado, como laivos privatizantes inegáveis. A própria designação de terceiro setor é, no fundo, ociosa, porque as contraposições feitas ao Estado e ao mercado são em grande parte fictícias ou desnecessárias. O que há de interessante é vertente das associações voluntárias, cuja qualidade política poderia efetivar um controle democrático pertinente sobre o Estado e mercado. O terceiro setor, até o momento tem sido apenas apêndice do mercado, ou do Estado, em vez de ser estratégia da sociedade para impor ao mercado e ao Estado padrões mais justos de estruturação e funcionamento”[11]

De acordo com Leandro Marins de Souza, Robert Kurz acredita que o Terceiro Setor é o novo paradigma de Reprodução Social, mas que precisa solidificar sua autonomia, além de revisar o atual modelo Estado/mercado para que tal setor obtenha sucesso e não faça parte de uma política neoliberal Estatal:

“terá de ir além das simples medidas paliativas ou de urgência, destinadas somente a fazer curativos leves nas feridas abertas pela mão invisível do mercado globalizado. Sobretudo, o autor ressalta a necessidade de se desvincular o Terceiro Setor do mercado, para que deixe, segundo suas próprias palavras, de se financiar com as migalhas deixadas pelo setor lucrativo, e de ser eternamente considerado como o irmão caçula do mercado. Caso contrário, evidentemente o Terceiro Setor vai se figurar como ferramenta bastante útil ao neoliberalismo, especialmente ao mercado. Não que se proponha a total substituição do sistema de mercado pelas atividades assistenciais, mas o aumento deste tipo de atividades é possível em contrapartida ao mercado”[12]

Mas há doutrinadores que vêem o surgimento do Terceiro Setor de maneira mais otimista. É o caso o já citado Rubem Cesar Fernandes, estudioso assíduo do tema, que afirma ser o Terceiro Setor o solução ideal ao atendimento das questões sociais, visto que nem o Estado e nem a iniciativa privada têm condições para tal:

“Um terceiro setor – não-lucrativo e não-governamental – coexiste hoje, no interior de cada sociedade, com o setor publico estatal e como o setor privado empresarial. (…) Já é consenso na América Latina que nem o mercado nem o Estado têm condições de responder, por si sós, aos desafios do desenvolvimento com equidade. A participação dos cidadãos é essencial. (…) Na maioria dos países, não há uma legislação que estimule e promova o voluntário e a filantropia”[13]

TERCEIRO SETOR: UMA REALIDADE A SER APRIMORADA

Como exposto, o terceiro setor é um conjunto instituições que a cada dia passa tomar mais corpo. O seu nascimento foi tímido, visto que as primeiras Constituições brasileiras tinham caráter liberal, ou seja, a previsão legal era de um Estado com o mínimo de intervenção nas questões sociais.

Acompanhado as ideologias sociais Européias, as Constituições do século XX se caracterizaram por um Estado Social, o qual se outorgou em executar as prerrogativas sociais das quais a nação necessitava, e foi aonde começou a abrir espaço para o surgimento de instituições, como igrejas e sindicatos, na forma de ajuda subsidiaria ao Estado nas questões sociais.

Hoje, após a Constituição de 1988, está clara a previsão legal do Terceiro Setor. Tal clareza é objeto de vários debates, principalmente a cerca do verdadeiro papel do Estado. Pois, numa análise teórica, depara-se com uma Constituição que responsabiliza o Estado a cumprir as prerrogativas sociais que por ela fora enumeradas e, no mesmo compasso, prevê, estimula e outorga à iniciativa privada a também colocar em prática os direitos fundamentais sociais. Destas premissas, conclui-se que o Estado ao mesmo tempo que é intervencionista, também é neoliberal.

Não descaracterizando a importância de tal debate teórico, é flagrante a necessidade de ter como objeto as questões sociais. Ora, na prática, é sabido que o Estado, por conta de todo o contexto histórico, não tem condições de arcar com a execução de todos os direitos sociais previstos na Lei Maior; e, pertinente se fez a previsão legal do Terceiro Setor, para este corroborar para o exercício dos direitos sociais.

O terceiro setor hoje é realidade concreta. De acordo com o site filantropia.org, o terceiro setor brasileiro possuí 12 milhões de pessoas, entre gestores, voluntários, doadores e beneficiados de entidades beneficentes, além de 45 milhões de jovens que vêem como missão ajudar tal setor

Contudo, mister se faz verificar a legislação de incentivos fiscais no terceiro setor. Percebe-se ser muito pouca a previsão de incentivos além de baixos subsídios tributários. Essa legislação mínima dá margem paras as teorias de Carlos Montaño e Pedro Demo estarem certas; pois, o Estado ao conceder poucos incentivos fiscais para que o segundo setor invista no terceiro mantendo o mesmo fluxo de arrecadação tributaria, conclui-se que a previsão legal do terceiro setor é realmente um ótimo negócio para o Estado, visto que aquele executa as atividades deste, que por sua vez, continua a arrecadar praticamente da mesma forma. Ganha-se o mesmo e gasta-se menos, a verdadeira reestruturação do capital citado por Montaño.

Por exemplo, na esfera federal há apenas 5 leis de incentivo fiscal no terceiro setor, a quais, se resume a investir em instituições que promovam projetos culturais ou educação de crianças. Como ficam, no caso, as instituições que ajudam os dependentes químicos, os que protegem aqueles com graves convalescências como HIV e Câncer, instituições que recolocam no mercado de trabalho ex-presidiários? Tais instituições contam, como tantas outras, apenas com a Lei 9.249/95 que prevê a dedução de 2% (dois por cento) do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. É um incentivo muitíssimo baixo.

Importante ressaltar que o terceiro setor não é um substituto do Estado, pois este ainda tem a responsabilidade de concretizar os direitos sociais, contando, de forma subsidiária, como a ajuda das intuições privadas com finalidades públicas. Todavia, incentivando fiscalmente de forma mínima este setor, questiona-se sim a verdadeira função do Estado frente as questões socais. Bernardo Kliksberg lembra que o papel do Estado é :

“agregar aliados ao esforço de enfrentar os problemas sociais. O Estado deve gerar iniciativas que promovam a participação ativa neste esforço dos atores sociais básicos, empresa privada, sindicatos, universidades e da sociedade civil em todas s suas expressões. Um estado inteligente na área social não é um Estado mínimo, nem ausente, nem de ações pontuais de base assistencial, mas um estado com uma política de Estado, não de partidos, mas sim de educação, saúde, nutrição, cultura, orientado para superar as graves iniqüidades, capaz de impulsionar a harmonia entre o econômico e o social, promotor da sociedade civil, com um papel sinergizante permanente”[14]

CONCLUSÃO:A legislação brasileira sempre, durante a sua história, teve como fulcro as ideologias Européias. Nas Constituições Federais do século XIX percebe-se o pouco atento do Estado com as questões socais; e, isto se deve a influência do liberalismo, que divulgava a idéia de um Estado mínimo, que interviesse somente quando necessário tanto na sociedade como na economia. Mesmo assim, foi durante estas Constituições, de forma tímida, que nasceu o Terceiro Setor.

No século XX, em virtude da explosão das ideologias socialistas, as Constituições Brasileiras desta época começaram a ter um caráter social, promovendo ao Estado a responsabilidade de garantir os direitos sociais. Contudo, foi também nesta época que o Terceiro Setor começou a criar corpo, pois mesmo o fato das Constituições adotarem um Estado do bem Estar Social, houve a previsão das associações sem fins lucrativos colaborar, de maneira subsidiária, com Estado na execução das garantias sociais.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado continuou a ser o responsável pela concretização dos direitos sociais, com a colaboração das associações sem fins lucrativos e, também, instigou a iniciativa privada a também colaborar em tal execução. Este estímulo se deu através de incentivos fiscais.A previsão Constitucional expressa das instituições sem fins lucrativos que executam atividades públicas, e o incentivo fiscal que podem gozar, fez com que o crescimento destas instituições aumentasse demasiadamente, ao ponto de tornarem um novo setor; o Terceiro Setor. Esse crescimento estimulou um estudo jurídico sobre o que é, em sua essência, o Terceiro Setor, e por isso, como apresentado, há várias formas de conceituá-lo.De maneira bem ampla, pode-s dizer que o Terceiro Setor é um conjunto de instituições sem fins lucrativos que exercem atividades públicas com cunho social. Aproveita-se a oportunidade para enfatizar que o Terceiro Setor é uma iniciativa fantástica, visto que o Estado realmente não tem condições em arcar com toda a demanda social de que necessita o nosso País, e feliz foi o legislador constituinte em prever sua instituição.

Todavia, para que o terceiro setor possa sobreviver, é necessário investimento. O Estado pouco tem a investir, uma vez que, em tese, sua renda não é suficiente nem para praticar o que é de seu dever e obrigação. Para isto, previu alguns incentivos fiscais que o mercado pode usufruir caso venha a investir no referido setor.

Teoricamente é a solução perfeita para a manutenção das instituições do Terceiro Setor. Mas não é.

São poucos, se não mínimo, os incentivos fiscais que o mercado goza caso invista em alguma instituição filantrópica. Como exposto no item 2, são apenas 5 (cinco) leis federais que prevêem os incentivos, além de que o subsídio em si, é muito baixo. A realidade é que, de acordo com a legislação infraconstitucional, não há nenhum incentivo fiscal que estimule de forma contundente e eficaz o mercado a querer investir no Terceiro Setor.

Este contexto faz com que autores como Carlos Montaño e Pedro Demo tenham razão, pois, a Lei Maior assevera que é o Estado o responsável em garantir aos cidadãos os direitos sociais; e o Estado, que por sua vez está falido, outorga ao Terceiro Setor as práticas de tais direitos sociais e, numa tentativa de manter as instituições do Terceiro Setor, promulga algumas leis de incentivos fiscais que a iniciativa privada poderá gozar no caso de investimento em instituições sem fins lucrativos, leis fracas e de pouco eficácia.

Caso não haja uma reforma na legislação infraconstitucional que faz a previsão dos incentivos fiscais que o mercado usufrui quando investe no Terceiro Setor, realmente este se tornará um grande negócio para o Estado, já que este subsidia minimamente, gasta menos com políticas públicas sociais já que as instituições filantrópicas atuam nesta esfera e, continua arrecadando da mesma forma. Realmente, é uma situação de total pertinência neoliberal das questões sociais.

Ressalta-se que quando se tem como objeto o estudo das garantias sociais, é de suma importância o debate teórico sobre o verdadeiro papel do Estado, de que maneira colocá-las em prática e qual o limite de atuação do Terceiro Setor. Mas é flagrante a necessidade de se rever a atual legislação, pois o Terceiro Setor é fato, é realidade, sua existência já está consolidada e, como exposto, a procedência de sua renda auferida através do pouco estímulo de investimentos da iniciativa privada está muito aquém das várias atividades que executa.