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Ampla defesa e suas expressões constitucionais

Diante da visão conservadora de processo inquisitivo, houve necessidade proeminente de estruturar os procedimentos penais com princípios e regras que pudessem expressar, com firmeza, conjuntura baseada em garantias individuais, as quais têm como destinatários os cidadãos. Cuidou a Lex Máxima de buscar reparação frente ao Código Processual Penal de 1941 , introduzindo ditames garantistas, os quais consubstanciam em uma verdadeira valorização do ser humano diante do jus puniendi. Como bem observa Scarance Filho: “é o processo o palco no qual devem se desenvolver, em estruturação equilibrada e cooperadora, as atividades do Estado e das partes” . Sendo assim, é o processo o universo no qual atuam o direito de punir estatal e o direito de defesa do cidadão. Tal embate, levando em consideração a situação dos partícipes, deve ser regulado de forma à possibilitar a cada um maneiras efetivas de proteger seus direitos contra arbítrios e desmandos. As mencionadas formas de defesa foram contempladas, com propriedade, pela Constituição Federal vigente e outros documentos de extrema relevância ao acusado, membro de uma comunidade social e jurídica. Entre os mais importantes institutos há o conjunto do Artigo 5º, qual seja, ampla defesa, presunção de inocência, devido processo legal, integridade física e moral do preso, a proibição de penas degradantes e fatais, paridade de armas, igualdade, publicidade processual, entre as demais dispostas no texto e relevantes. O princípio da ampla defesa tem o caráter de reação efetiva do acusado, resistindo ao que lhe é imputado pelo órgão inquisitivo (nas ações penais públicas) ou pelo ofendido (nas ações privadas ou em situação de subsidiariedade). Construído após fracassadas experiências sociais de arbitrariedades processuais, a possibilidade de opor argumentos e provas é a permissão de buscar por justiça que integra o sistema jurídico vigente. Nucci afirma a importância e as razões da ampla defesa: “Ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação. Encontra fundamento constitucional no art. 5.º, LV. Considerado, no processo, parte hipossuficiente por natureza, uma vez que o Estado é sempre mais forte, agindo por órgãos constituídos e preparados, valendo-se de informações e dados de todas as fontes às quais tem acesso, merece o réu um tratamento diferenciado e justo, razão pela qual a ampla possibilidade de defesa se lhe afigura a compensação devida pela força estatal”. Fortalece tal tese, tratando da função da defesa, Tourinho Filho:

“Aliás, em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora essa princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à qual se propõe a Ação Penal, goza de direito “primário e absoluto” da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido”.

A Carta Constitucional reza pela permissividade de oposição:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Concluí-se, sem resistência ao intérprete que, dentro dos procedimentos, cabe ao acusado resistir, discordar, apresentar sua versão, dar como imprestável e recolocar qualquer argumentos ou provas usada em juízo.

a) Defesa em processos administrativos:

A natureza do processo – mesmo sendo administrativo, instaurado pela Administração Pública e seus órgão – não deve ser causa de supressão da defesa do réu, pois, como mostra a Carta, havendo processo, deve haver defesa. Tourinho Filho acentua consagração constitucional da defesa em processo administrativo:

“e sim ao processo instaurado pela Administração Pública para a apuração de ilícitos administrativos ou quando se tratar de procedimentos administrativos fiscais, mesmo porque, nesses casos, haverá a possibilidade de aplicação de uma sanção”.

Em primorosa construção jurisprudencial, o STJ editou a súmula 343, com o teor constitucional de defesa no processo administrativo, qual seja:

“É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”.

Tal dispositivo se mostra de relevância, visto que impede que o órgão da administração penalize funcionário sem que este tenha a possibilidade de se defender dos argumentos, fatos e provas apresentados durante a instrução. Há, no entanto, parte da doutrina que considera a decisão sumulada ruim, visto que contribuiu para a dificuldade de penalização dos crimes contra a administração pública. Além de possibilitar a anulação de diversas condenações. Nesse fundamento, decisão do RE 434059, em que o Ministro Gilmar Mendes figurou como relator e recente determinação do STF, que construiu sua 5ª súmula vinculante:

“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

Contudo, anota a Constituição, no artigo 133, necessidade indeclinável de que haja um advogado à administração da justiça. Consagra que o defensor é inviolável nos limites da lei:

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações da profissão, nos limites da lei.” Apesar da orientação do STF, mais acertado é o respeito à garantia do cidadão ao processo justo. A pena, por suas funções e a forte incidência na esfera pessoal do acusado, deve ser imposta sobre a proteção de procedimentos bem conduzidos, com contraditório.Falta de defesa, pelo prejuízo que causa, é causa de nulidade absoluta do processo.

Ademais, anota-se que a defesa técnica é imprescindível e indisponível, não pode, dessa forma, não se realizar, mesmo que não haja defensor constituído, sendo este suprido por dativo ou público.

O mesmo STF, em súmula, 523, prega a nulidade absoluta dos procedimentos quando demonstrado o prejuízo.

“No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova do prejuízo para o réu”.

Percebe-se que a falta da defesa que traga prejuízo é causa de nulidade absoluta. Entretanto, no processo administrativo ou em outro processo, a falta de defesa, por obviedade, causa prejuízo ao réu, visto que a este não é permitido o direito de fazer reperguntas formular sua versão, descaracterizar provas, participar dos procedimentos, mostrar suas provas, testemunhas. O enunciado do STF deve, para evitar dúvidas, ser interpretado com vistas constitucionalistas consagradoras da ampla defesa, paridade de armas, proporcionalidade. Aponta-se que, como a defesa técnica quando executada de forma ruim, a falta de defensor em procedimentos, a falta de citação válida, várias são causas de nulidade absoluta e decorre essa conjuntura de prejuízo vultoso. Se situações menores do que a falta de defesa, como conjunto, causam nulidade, deve ser causa de nulidade a falta de defesa, mesmo que seja para proteção do processo. Scarance Fernandes defende, corretamente, que a reação defensiva, além de direito do cidadão, é garantia da própria sociedade:

“Essa visão de defesa como direito, incontestável sem dúvida, é ampliada quando a defesa é analisada numa perspectiva constitucional, não mais presa ao círculo restrito de uma ótica individual, revelando-se, então, como garantia da própria sociedade”.

b) Garantias processuais ao acusado:

O Pacto de San Jose da Costa Rica – ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 – também trata da ampla defesa, expõe-se:

Artigo 8º – Garantias judiciais:1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Observa-se uma definição de ampla defesa que engloba, além de conceito regular, o consagrado princípio do juiz natural, o qual reza pela investidura do magistrado advinda de norma constitucional e, primordialmente, por essa investidura anteriormente ao cometimento do fato, ou seja, que o órgão jurisdicional esteja em atividade antes de o fato ser levado à juízo. Outro trecho da mesma declaração deve ter anotação, ainda no artigo 8:

4. comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;

Percebe-se a necessidade de fundamentação e especificação da denuncia, sendo, com efeito, função do órgão ou indivíduo acusador detalhar as razões que o levam a acreditar que o fato, se cometido, é típico, ilícito e culpável. Essa fundamentação tem uma função específica, qual seja, possibilitar que o acusado se defenda de algo concreto, de uma acusação não abstrata, podendo invocar sua defesa técnica, autodefesa e defesa efetiva. Aproveita-se sobre a necessidade de fundamentação:

“A narração deficiente ou omissa, que impeça ou dificulte o exercício da defesa, é causa de nulidade absoluta, não podendo ser sanada porque infringe os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa”.

O preceito anotado versa sobre a nulidade absoluta, que é a solução adequada para processo que se iniciem desrespeitando preceitos constitucionais. Denúncia ou queixa imprecisas não permitem justiça. c) Defesa técnica:

A defesa técnica é a defesa do cidadão, inserido nos procedimentos do curso processual, por sujeito habilitado ante órgão responsável, OAB, e, também, tecnicamente capaz, sendo este o advogado.

7. direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor.

Esse direito de ser assistido, como diz o retromencionado trecho do Pacto de San Jose, é irrenunciável, não pode, dessa forma, o acusado dispor do mesmo e, mesmo que não pague por um defensor, o Estado lhe concederá.

Ao Estado cabe permitir a ampla defesa, na sua espécie defesa técnica, ao acusado, propiciando que este receba a devida assistência jurídica, busca das garantias constitucionais, produção de provas, questionamento de testemunhas, alegando matérias de ordem pública, no curso do processo e, com relevante alteração, já na prisão em flagrante.

Sendo assim, pouco importa a condição financeira do acusado, pois, diante da concentração de poder, terá este uma porção firme de resistência contra as acusações.

Sólido é o entendimento dos tribunais, tanto que quando há aferição de que o defensor não foi diligente em seus atos, como quando apenas limita-se a pedir a pena mínima, há nulidade absoluta desde o momento em que se constata a falta de esforço.Esse aspecto da ampla defesa é visto no seguinte Acórdão, o qual menciona a nulidade em decorrência da ausência de defesa efetiva: TAMG. Defesa. Ampla defesa. Estado democrático de direito. Direitos e garantias fundamentais. Princípio da ampla defesa. Princípio do contraditório. Defesa técnica deficiente. Alegações finais em que a defesa apenas pede a pena mínima. Ausência de defesa. Devido processo legal. Nulidade declarada. Considerações sobre o tema com citação de julgado do STF. CF/88, art. 5º, LIV e LV.

«A CF/88 constitui clara e inarredável opção pelo Estado Democrático de Direito, no qual os direitos e garantias fundamentais devem sempre prevalecer, dentre estes, alinhavados, os princípios da ampla defesa e do contraditório, erigidos à categoria de dogmas e pressupostos para a validade da prestação jurisdicional. Sob tal ótica, repugna aos anseios da sociedade a atuação defensiva meramente formal e desencadeada em ritmo burocrático, sem o postulado da defesa efetiva, traduzida na indispensável condução dialética do processo, em diligente contradição aos fatos e alegações suscitados na acusação. A defesa assim claudicante vulnera os interesses da sociedade democrática e impõe, de ofício e sem maiores indagações relativas à existência de prejuízos concretos, a decretação de nulidade processual, desde o momento em que se apresentar falho o patrocínio técnico do acusado no juízo penal.»(TAMG – Rev. Crim. 315.547 – Diamantina – Rel.: Juiz Alexandre Victor de Carvalho – J. em 11/12/2001 – DJ 08/10/2002 – Boletim Informativo da Juruá 336/029378) Tal prisma é, sendo assim, conjugação do direito de defesa técnica em juízo com a efetividade e a diligência.Deve, então, a defesa técnica ser esforçada e ter seriedade e as características que compõe esse preceito formam a defesa efetiva.Portanto, a defesa efetiva é um desdobramento da ampla defesa e uma necessidade da defesa técnica, sendo que a garantia não seria realizada sem que houvesse seriedade, responsabilidade, empenho e acompanhamento por parte do defensor ao caso.

d) Autodefesa:

6. direito ao acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

O Pacto de San Jose trata, como visto acima, do direito que tem o acusado em processo de promover, em certos momentos, sua própria defesa, de ter defensor – escolhido, dativo ou público – com o qual possa se comunicar antes do interrogatório e outros atos. Ainda nesse bojo, da citada a autodefesa, deve o acusado ser interrogado pessoal e o juiz para tal dever ser competente, além de poder participar de qualquer procedimento e ser intimado e citado pessoalmente. O ato do interrogatório é o momento de embate entre acusação e defesa, com a mediação do magistrado, o qual tem possibilidade de já iniciar a formação seu convencimento, visto que tem o réu a sua disposição – assim como tem o ministério público ou ofendido – e pode questionar o inquirido e estudar suas ações. O Código de Processo Penal trata da situação do artigo 185:”Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. § 1º O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal. § 2º Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor”. A jurisprudência e a doutrina, devido à importância do tema, consideram causa de nulidade absoluta. Isso em decorrência do prejuízo que tem o réu, que não pode apresentar ao magistrado sua versão dos fatos ou causas supervenientes, e à própria justiça, que é lesado quando não observadas as recomendações constitucionais. Há nulidade absoluta também caso haja interrogatório sem a presença de defensor, seja esta constituído, dativo ou público:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 155, § 2º, INCISOS I E II, DO CP, E ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI Nº 10.826/2003. INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DO DEFENSOR. NULIDADE ABSOLUTA. A realização do interrogatório do réu sem a presença do defensor, após a entrada em vigor da Lei nº 10.792/2003, constitui nulidade absoluta, porquanto, a inobservância das formalidades legais previstas nos artigos 185 a 188 do CPP fere o princípio da ampla defesa e do devido processo legal. (Precedente do STF e STJ). Habeas corpus concedido. (HC 73.179/DF, Rel. Min. FÉLIX FISCHER, Quinta Turma, DJ de 18/6/07)”

Sobre o direito de presença ensina Scarance:

“A segunda garantia da autodefesa é o direito de presença, por meio do qual se assegura ao réu a oportunidade de, ao lado de seu defensor, acompanhar os atos de instrução, auxiliando-o na realização da defesa”. Com efeito, anota-se que o acusado pode participar de qualquer ato feito no curso do processo, colhendo, junto do advogado, informações e analisando os fatos para fortalecer a defesa.

Também assiste o direito de postular para si, como nos pedidos relativos à execução da pena, sendo tal manifestação da autodefesa, quando não permitida, causa de nulidade, por manifesto prejuízo.

Uma das manifestações desse direito de autodefesa é o direito de permanecer em silêncio e de não auto-incriminação. Ao pólo passivo cabe ficar em silêncio, não respondendo à questões formuladas pelo parquet ou juiz durante o interrogatório.

Também é direito do acusado, segundo Scarance, escolher defensor de sua confiança para, junto a si, promover a defesa.

Contudo, o princípio da ampla defesa, como fundamento de proteção aos direitos do réu, não permite que ocorra a primazia da autodefesa sobre a defesa técnica e efetiva:

“STJ. Recurso. Renúncia. Sentença condenatória. Advogado. Divergência entre réu e defensor. Prevalência da defesa técnica em homengem ao princípio da ampla defesa. CF/88, art. 5º, LV. CPP, art. 392.

«Em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa, na hipótese de conflito entre o réu, que renunciou ao direito de recorrer da sentença condenatória, e seu defensor, prevalece a vontade da defesa técnica, com idoneidade para avaliar as conseqüências da não impugnação da decisão condenatória.»(STJ – HC 18.400 – SP – Rel.: Min. Vicente Leal – J. em 02/04/2002 – DJ 06/05/2002 – Boletim Informativo da Juruá 322/028038)”

Reafirma a posição o seguinte Acórdão, também, do Supremo:

“STJ. Recurso. Apelação criminal. Advogado. Ampla defesa. Conflito de vontades entre o réu, que desistiu do recurso, e a defesa técnica que o interpôs. Prevalência da vontade técnica. Precedente do STJ. CF/88, art. 5º, LV. CPP, art. 392.«Existindo divergência quanto à interposição de recurso entre o acusado e o seu defensor, prevalece a vontade do último, posto tratar-se de profissional preparado tecnicamente, com melhor domínio sobre a questão jurídica, com mais experiência e condições para decidir sobre a conveniência ou não da impugnação» (HC 15.007, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 22/10/2001). Ordem concedida, determinando que o Tribunal «a quo» proceda a novo julgamento da apelação 1255505/8, examinando o mérito da questão como entender de direito.»(STJ – HC 18.393 – SP – Rel.: Min. José Arnaldo da Fonseca – J. em 13/03/2002 – DJ 29/04/2002 – Boletim Informativo da Juruá 322/028035)”

Vê-se, nesse momento, que, embora haja divergência entre acusado e defensor, suprema é a defesa técnica e efetiva, visto que tem o conhecimento jurídico, a experiência e a visão processual.

Do exposto, percebe-se a importância da ampla defesa no sistema jurídico, com breves demonstrações do acervo instrumental que tem tal princípio, o qual é sustentação tremenda ao Estado de Direito e inerente ao conceito de Justiça.