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A Polêmica Farra Do Boi

INTRODUÇÃO E ASPECTO HISTÓRICO

Para Lacerda (2003), antes da chegada dos primeiros colonizadores, a Ilha de Santa Catarina era habitada por índios tupi guaranis que davam ao lugar o nome de Meiembepe. A partir de 1675, a Ilha passou à condição de pequeno povoado por iniciativa do bandeirante Francisco Dias Velho, interessado que estava no comércio de índios e de pedras preciosas. Com o fracasso dessa empreitada, a Ilha voltou ao quase abandono. Isso preocupou a Coroa Portuguesa, pois era freqüente o assédio de piratas e navegadores, principalmente espanhóis.

Temerosos de perder este ponto estratégico de seu território colonial, Portugal providenciou a ocupação da então localidade de Nossa Senhora do Desterro, promovendo a vinda de colonizadores do Arquipélago dos Açores a partir de 1747. Incentivadas pela promessa de condições de vida melhores, levas de famílias açorianas desembarcaram na Ilha de Santa Catarina.

Deste modo, a formação cultural de Florianópolis é predominantemente açoriana. O apego do açoriano à terra levou-o a preservar as chamadas “Brincadeiras de Boi”. As principais são: Dança do Boi Mamão; Boi de Campo; Boi de Vara e Farra-do-Boi.

ASPECTO CULTURAL

De acordo com a visão de Lacerda (2003), a origem dessa manifestação remonta aos primórdios do Estado Português, entre o final do século XII e início do século XIII, durante os rituais da Semana Santa, onde bois eram sacrificados em substituição ao bode expiatório. Alguns dizem que é um ritual simbólico, uma encenação da Paixão de Cristo, onde o boi representaria Judas; outros acreditam que o animal representa Satanás e torturando o Diabo, as pessoas estariam se livrando dos pecados.

A farra certamente foi incorporada ao rito por influência das touradas já populares na época. Trazida durante o período de colonização pelos açorianos, resiste principalmente nas regiões litorâneas de Santa Catarina. Recebe outras denominações como “brincadeira do boi bravo”, “boi do campo”, “boi na vara” entre outras.Constitui-se num dos elementos ativos da identidade cultural das comunidades litorâneas de Santa Catarina, herdada da cultura açoriana. Realizada atualmente nos dias que antecedem a Páscoa, ocorrendo também em algumas localidades na época de Natal e Dia Santo. Nestas ocasiões, grupos de famílias ou comunidades compram um boi escolhido (bravo, arisco e corredor) e, antes de ser abatido, é solto nos pastos provocando correrias generalizadas, o que caracteriza a farra ou brincadeira.

Mas, algumas comunidades realizam a farra-do-boi mesmo durante casamentos, aniversários, jogos de futebol e outras ocasiões especiais. Proeminentes empresários, criadores de gado, cidadãos, donos de restaurantes, donos de hotéis e políticos, são os que doam os bois para a “festa”.

No entanto, uma pesquisa realizada pela WSPA (World Society for Protection of Animals) não confirma a tradição, da maneira como é praticada no Brasil, por ter-se distanciado das práticas originais.

As Touradas

Para Lacerda (2003) as touradas, assim como a farra-do-boi, são uma manifestação cultural e a cultura é um modo de vida transmitido através de gerações.

Como salientado acima, a manifestação da farra-do-boi encontra modelo nas touradas. Estas estão a despertar uma polêmica crescente em Portugal e em todos os outros países onde são praticadas. Isso porque existe um conjunto restrito de “aficcionados” que defendem as touradas tenazmente, argumentando que são elemento cultural profundamente enraizado na “tradição Ibérica”.

Estranhamente, em oposição aos relatos da maioria contrária a estas manifestações, muitos que assistem às touradas portuguesas ou às corridas de touros na Espanha se expressam da seguinte forma:

Gerardo Estalrich, de 40 anos, um engenheiro de Madri, disse estar na festa pela primeira vez em cinco anos, com sua mulher e seu filho pequeno. Disse ele: “Isso é fantástico. Não há nada como isso… É alegria sem parar durante uma semana.”

No Brasil, a cidade de São Paulo sediou, de 23 a 25 de fevereiro deste ano, o I Encontro Hispano-Brasileiro de Tauromaquia. O evento pretende ser o ponto de partida para a criação da Associação Brasileira de Aficionados e Criadores de Touro Bravo, hoje com quinhentos integrantes. A colônia espanhola no Brasil e principalmente o criador de touros, Fernando Marselhas, pretende trazer as touradas para o Brasil, com a intenção (ou desculpas – como poderiam dizer alguns) de divulgar a cultura dela em nosso país.

Das opiniões antagônicas sobre a farra-do-boi

Impossível transcorrer sobre este assunto e não tecer comentários sobre as diversas e antagônicas reações que a contínua observação deste costume cultural provoca. Os prós e os contras a respeito embasam um duelo que já dura mais de 30 anos.

Quem é contra tem a imprensa nacional e parte da comunidade como grandes aliados. Há vários defensores desta tese, que chama a atenção para a morte e maus tratos aos bois. Também, existem inúmeras notícias de ferimentos causados a pessoas e danos a propriedades, todos decorrentes desta prática, inclusive internações e mesmo mortes (ainda não confirmadas) de alguns participantes em função da farra-do-boi.

Por outro lado, em defesa da prática há os admiradores da tradição açoriana e do folclore. A festa ou brincadeira, como gostam de chamar, é uma forma de confraternização, alegria, momento de festejar. O apego do açoriano, que colonizou grande parte do litoral catarinense, à terra, levou-o a preservar as supra citadas “brincadeiras de boi”. A prática destas manifestações folclóricas conta com o apoio de algumas autoridades e de quase todo o povo.

Raciocina-se favoravelmente no seguinte sentido: tudo, sem exceção, pode ser percepcionado esteticamente; por exemplo, a maioria dos grandes pintores tinha certa atração por coisas estranhas, como um pé, uma feição ou a guerra, o que causava, invariavelmente, simpatia a uns e aversão a outros. Ou seja, grande parte das maiores obras de arte versa sobre temas cuja visão nos seria insuportável na vida real.

Da mesma forma, a prática popular da farra-do-boi poderia causar reações tão variáveis nas pessoas como descritas a pouco.

De acordo com dados recentes, a farra-do-boi ocorre em 23 municípios, quase toda a faixa litorânea do Estado de Santa Catarina, envolvendo aproximadamente 60 localidades nas áreas urbana, rural e pesqueira.

Um dos estudiosos desta manifestação cultural é o antropólogo Eugênio Pascele Lacerda (Antropólogo-técnico da Unidade de Patrimônio Cultural da Fundação Catarinense de Cultura), que, em dissertação de mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, sentencia que “encarar a farra-do-boi como um ato de crueldade coletiva ou como algo de que deve ser banido do povo, é julgar não a farra em si, mas o povo que a faz e que por isso também está sendo banido do direito de preservar suas tradições.”

Ainda acrescenta:

“na realidade, o povo do litoral catarinense é pescador e agricultor, descende dos portugueses açorianos, tem consigo uma visão do mundo peculiar.

“é uma expressão cultural que caracteriza a identidade social destas comunidades litorâneas. Embora sendo reprimidas há muito tempo, tanto em Portugal como no Brasil, seja pela Igreja ou pelo Estado, tais manifestações resistem como elemento ativo de identidade étnica, como categoria capaz de motivar a ação política.

“No caso da farra, são pegas e correrias de boi pelo mato afora, em época santa; depois o boi é tornado objeto sacrificial, oferecido como hóstia repartida aos consortes. A farra do boi é uma prática cultural resistente. Está ligada à raízes rituais, pilares da história da humanidade. Diz respeito aos sacrifícios rituais com funções de celebração, condenação ou encantamento. Podemos buscar suas origens rituais nos cultos de Mithra na Pérsia ou nos cultos dionisíacos da Grécia Antigo. Isso reclama explicação em linguagem antropológica.

“Tal universo deve ser conhecido, não reprimido. Importa explicar o(s) rito(s) do boi, as formas que adquiriu, suas expressões regionais. O que não se pode fazer é exorcizar essa prática cultural do, povo que a realiza, transformando a Farra do Boi em bode expiatório da violência generalizada que nos cerca.”Fonte: http://www.terravista.pt/enseada/3680/farraint.htm

A polêmica está lançada, mobilizando lideranças comunitárias, farristas e autoridades municipais, no sentido de regulamentar, através de lei, as condições de realização da festa.

ASPECTO JURÍDICO

Em junho de 1997, o Supremo Tribunal Federal proibiu a realização da “Farra-do-Boi”; os ministros alegaram que a farra não é uma prática cultural e sim uma crueldade contra o animal em questão, com respaldo no art. 225, inciso VII da Constituição Federal, o qual preceitua a incumbência do poder público em:

“VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Em 1998, notou-se uma diminuição gradual do número de eventos, significando, talvez, o início do fim da farra-do-boi.

Como era de se esperar, os farristas não gostaram da decisão do STF e se organizaram para tentar reverter a situação em favor deles. Em 2000 um Projeto de Lei tentou legalizar a farra-do-boi em mangueirões (similares a arenas), “sem maltratar os animais”. Entretanto, o projeto foi vetado pelo então Governador Esperidião Amin, que reconheceu a inconstitucionalidade do mesmo.

A lei que autorizava a farra do boi em Santa Catarina, aprovada pela Assembléia Legislativa em abril do ano de 2000, foi considerada inconstitucional pelo órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado. A lei permitia a farra no território catarinense desde que não houvesse tratamento cruel com o animal ou perturbação da ordem pública, mas o Tribunal de Justiça entende que as características da brincadeira impõem automaticamente sacrifícios ao animal e que a lei contradiz a obrigação do estado de proteger a fauna e a flora.

No intento de fiscalizar, no Estado de Santa Catarina, a Polícia somente aparece nos locais após a farra já estar quase no final, não prende ninguém e quando prende solta no mesmo dia, ignorando completamente a Lei Federal n.º 9.605/98, que prevê pena de multa e detenção para quem maltrata animais. Sempre alegam que não há provas. Há também a questão dos interesses “eleitoreiros”, já que é mais que sabido que políticos da região doam bois para os farristas em troca de votos.

Essa citada lei federal de 1998 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Em seu capítulo V (Dos Crimes Contra o Meio Ambiente), seção I (Dos Crimes Contra a Fauna), especificamente no art. 32, dispõe: pena de detenção de três meses a um ano e multa pela prática de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Todavia, em nome da justiça, urge abrir um parênteses para se analisar o voto vencido do Acórdão do Recurso Extraordinário n.º 153.531-8 de Santa Catarina, citado acima, o qual defendia a continuidade daquela prática.

De acordo com o Ministro Maurício Corrêa, deve-se reconhecer e respeitar a cultura local, a qual tem por base as tradições açorianas, dentre as quais, a observância à farra-do-boi. Respalda-se também na Constituição Federal, porém agora em seu art. 215, § 1.º, o qual estipula que:

“o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.”

Assim, como bem argumenta o Ministro Maurício Corrêa, a farra-do-boi, assim como outras tradições açorianas observadas por vários grupos componentes do litoral catarinense, faz parte de sua identidade cultural, sem a qual, não se distingue de outro grupo humano. Similarmente, proibir o Carnaval é proibir a manifestação de um costume, de uma tradição, já arraigada e aceita no cotidiano de todo o povo brasileiro. Ora, da mesma forma, coibir a manifestação do povo descendente dos açorianos também importa em retirar-lhes a identidade cultural, sua peculiaridade, que os torna únicos.

Da leitura desses dois dispositivos constitucionais depreende-se um aparente conflito entre duas normas constitucionais. Pois que não seria possível coibir o folclore regional, denominado farra-do-boi, mesmo sob a aplicação do art, 225, VII, da Constituição federal diante dos dizeres explícitos dos arts. 215, § 1.º e 216 os quais impõem ao Estado do dever de apoiar e fazer prosperar as manifestações culturais, os bens de natureza material e imaterial, de todos os grupos participantes do processo civilizatório.

Todavia, não há antinomia na Constituição Federal. Se por um lado é proibida a conduta que provoque a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, por outro lado ela garante e protege as manifestações das culturas populares, que constituem patrimônio imaterial do povo brasileiro.

Se há excessos, conforme argumentam os defensores da extinção da farra-do-boi, cumpre ao Estado (no caso o de Santa Catariana), através do seu poder de polícia exercer sua função repressora. Também, ao Poder Judiciário, se provocado for, declarar-se a respeito, obrigando a atos voltados a obstar o procedimento contrário a preceito constitucional, segundo o qual, é terminantemente proibida a prática que submeta animais à crueldade (art. 225, § 1.º, VII).

Em outras palavras, há que se coibir os excessos, a violência que por ventura surjam durante a farra (assim como podem surgir em qualquer manifestação popular, seja num jogo de futebol, num show, numa passeata ou num espetáculo) e não a farra em si, na medida em que ela não objetiva à violência, à crueldade, mas, como o próprio nome diz, à farra, à brincadeira gozada por todos da comunidade local, como meio de usufruto de sua identidade sócio-cultural.

E esse esforço por parte do poder público está sendo feito na medida em que foi até mesmo criada uma “Comissão de Estudos da Farra do Boi”, a qual leva às várias comunidades onde esse espetáculo já se encontra arraigado mensagens de não-violência, de não abolição à brincadeira e de auto-fiscalização, defendendo-a como tradição cultural, cuja violência é exceção e não regra, pois que organizada.

Concomitantemente, durante uma reunião realizada com Secretários do Estado de Santa Catarina, Polícia Civil e Militar e outros órgãos estaduais, definiu-se que o Governo não vai reprimir a farra, mas sim a violência, estimulando os “mangueirões” (lugares fechados) como alternativa capaz de evitar possíveis danos aos animais, às pessoas e aos patrimônios público e particular.

Justifica-se essa resolução pois encarar a farra-do-boi como contravenção, como fenômeno de violência e tortura, que deva ser banido é julgar não a farra em si, mas as populações envolvidas como atrasadas, selvagens, canibais, ignorantes, e que por isso também estão sendo banidas de seu direito de preservar suas tradições. Haveria um verdadeiro etnocídio.

Estar-se-ia, a pretexto de coibir uma hipotética conseqüência, extinguir a causa. Seria um despropósito. Repita-se, qualquer manifestação popular de média ou grande proporção pode resultar em imprevistos cumulados com violência e desordem. No entanto, ninguém, em sã consciência, por exemplo, proibiria a realização de partidas de futebol no intento de coibir os atos de violência e balbúrdia que, vez por outra, ocorrem nas arquibancadas (e até mesmo em campo). O que se deveria providenciar, o que aconteceu, foi a elaboração e aprovação de uma lei reguladora (Estatuto do Torcedor) com objetivo de reprimir estes excessos, mas não extinguir o espetáculo, identificador de nossa cultura pátria mundo afora.

Portanto, não há como se aferir as exacerbações praticadas por populares na realização desse tipo de cultura, que implicam em sanções contravencionais (art. 64 da Lei das Contravenções Penais – Decreto-lei n.º 3.688/41), possam ser confundidas com essa prática cultural que tem garantia constitucional.

Por outro lado, a uma leitura mais atenta, vê-se que a redação do dispositivo embasador do voto vencedor (art. 225, § 1.º, VII) impõe a existência de lei (“… na forma da lei…”).

Por meio de uma interpretação desta regra constitucional, chegamos à conclusão de existir aí uma norma de eficácia limitada, pois que dependente de uma contrapartida legislativa.

Diversamente, os princípios constitucionais possuem eficácia plena e servem de critério para a interpretação constitucional. Ou seja, para interpretar a norma constitucional em questão (art. 225, § 1.º, VII), para se chegar ao significado correto de sua aplicação, deve-se partir dos princípios, que são verdades ou juízos fundamentais que alicerçam ou garantem certeza a um conjunto de idéias ou juízos devidamente ordenados em um dado sistema.

Assim, pautado nos princípios da legalidade (art. 5.º, II da CF) e da supremacia da Constituição como norma hierarquicamente superior, encontrada no topo da pirâmide (Kelsen), para aplicação ilimitada desta norma constitucional é condicionada à existência de lei reguladora, sob pena de ineficácia no mundo fático.

Antes de adentrar sobre a eficácia limitada gozada por esta norma constitucional, mister estabelecer a correta acepção do que se chama eficácia jurídica. É que a norma possui duas espécies de eficácia. A eficácia social (efetividade) e a eficácia jurídica, que é

“a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular desde logo, as situações, relações e comportamento de que cogita; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. O alcance dos objetivos da norma constitui a efetividade. Esta é, portanto, a medida da extensão em que o objetivo é alcançado, relacionando-se ao produto final”. (José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 66).

Ainda José Afonso da Silva, estabelece uma classificação das normas constitucionais quanto a sua eficácia. Podem ser normas de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada; esta última sendo aplicada no caso em tela.

Normas de eficácia limitada são aquelas que não produzem todos os seus efeitos de imediato, necessitando de um comportamento legislativo infraconstitucional ou da ação dos administradores para seu integral cumprimento. No caso em tela, qual seja, do art. 215, tem-se uma norma constitucional de princípio programático, uma das subdivisões didáticas dadas às normas de eficácia limitada (a outra é a das normas constitucionais de princípio institutivo, de acordo com a classificação de José Afonso da Silva), por conter em sua redação a frase “… na forma da lei…”, isto é, nos termos que a lei determinar.

“Programáticas são normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”. (José Afonso da Silva, op. cit., p. 138).

São exemplos claros das normas constitucionais programáticas os arts. 196 (direitos à saúde), 205 (educação), 215 (cultura) e 227 (proteção à criança).

As normas de eficácia limitada antes de sua complementação pela via integrativa infraconstitucional produzem os seguintes efeitos, conforme José Afonso da Silva em Curso de Direito Constitucional Positivo:

a) estabelecem um dever para o legislador ordinário;b) condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;c) informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais e revelação dos componentes do bem comum;d) constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas;e) condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; ef) criam situações jurídicas subjetivas de vantagem ou desvantagem.

Assim, seria necessária a existência de uma lei regulando esta norma constitucional para sua eficácia. Contudo, inexiste lei no Estado de Santa Catarina que aborde e delimite a realização da farra-do-boi.

Desta forma, não há que se usar este dispositivo constitucional, pois que encontra limitada sua eficácia, conforme explicado acima.

CONCLUSÃO

O desrespeito à lei por parte de algumas pessoas é tanto, que até mesmo em web sites clandestinos, a Farra do Boi é mencionada como parte da cultura local, tendo até um vídeo ilustrativo à disposição dos visitantes, feito na época em que não havia a proibição. Claro que não é um vídeo que mostra o que realmente acontece. Hoje em dia, quem tentar se aproximar para tirar uma foto pode ser agredido, como foram agredidos pelos farristas, representantes da defesa animal e da imprensa.

Há diversos estudos publicados, em diversas línguas, mostrando que as pessoas que praticam atos de crueldade contra animais também os praticam contra humanos. Assassinos seriais, estupradores, molestadores de crianças e de idosos têm histórico de maltratar animais. O FBI, A Humane Society of the United States e outras entidades mundialmente reconhecidas são unânimes em dizer que a conexão violência contra animais x violência contra humanos, é fato. E tal fato vem merecendo tanta atenção, que em alguns estados americanos, crueldade contra animais passou a ser crime passível de sentença pesada, podendo render anos e anos de prisão para quem o cometer.