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Adela Cortina e os Direitos Humanos

A doutrinadora Adela Cortina, em sua obra, destaca a peculiaridade da relação entre os direitos humanos e o discurso político do mundo ocidental moderno. De acordo com a autora, esses direitos constituem um fundamento legitimador do Estado de Direito, ressaltando as proporções as quais os direitos humanos se constituem como tal na forma moderna de comunidade jurídica. A expressão “Direitos Humanos” ganhou destaque por ter sido empregada pelas Nações Unidas como rótulo da Declaração Universal de 1948 e está associada a outras expressões que não alcançaram tamanha popularidade, como “direitos naturais”, “direitos morais”, “direitos fundamentais”, “direitos públicos subjetivos” e “liberdades públicas”.Os Direitos humanos, em sua razão moderna, têm o mesmo sentido universalista que possuía em Atenas Clássica: o ser humano está dotado de direitos que correspondem ao direito de ser pessoa, indivíduo. Pensadores ilustres como Hobbes, Locke e Kant entendem que a legitimidade do poder público procede do pacto selado para proteger esses direitos nacionais racionais, que posteriormente foram denominados de Direitos Humanos. Estes direitos não pertencem ao gênero dos direitos legais, que se compilam em códigos positivos. Adela os situa como anteriores aos códigos. Anteriores no sentido de não serem concedidos por comunidades políticas, mas sim reconhecidos por estas, uma vez que são direitos que os seres humanos ostentam.No entanto, a existência deste tipo de direitos tem sido negada por algumas tradições ocidentais de filosofia moral e política. Seguidores de Nietzsche consideram que os Direitos Humanos são um obstáculo para a “grande política” e para alguns autores esses direitos são tão carentes de existência como as bruxas e os unicórnios.

Diante desses dois posicionamentos distintos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi considerada, por algumas vezes, como um código moral e a questão de sua validade jurídica foi amplamente discutida. A convicção mais estendida a respeito é que esses direitos são exigências morais que se convertem em princípios do direito para nações civilizadas, crença esta que gera dúvidas acerca da natureza jurídica da Declaração e do embasamento em considerar que o reconhecimento desses direitos é um aspecto civilizatório e de que quem os reconhecem pode ser considerado civilizado. Algumas culturas observam umas determinadas capacidades como, por exemplo, a de expressar-se livremente, formar a própria opinião e dispor privadamente da propriedade, e têm o seu exercício como uma exigência indispensável para realizar a própria humanidade e plenitude. Outras culturas vêem de forma diversa, na qual apesar dos empenhos liberais em priorizar os direitos, as valorações dessas capacidades são mais originárias que os direitos.A fundamentação dos Direitos Humanos é um tema bastante controvertido no mundo filosófico. A fundamentação tem sua base na inegável realidade de que os seres humanos coordenam suas vidas mediante ações, atitudes comunicativas, que leva em consideração dois lados do fenômeno: a transcendentariedade e a história.

A razão humana não é uma razão pura, mas influenciada pela história, sendo, portanto, impura do ponto de vista da hermenêutica. Esta, se intencionar ser crítica, encontra na experiência histórica, neste caso nas ações comunicativas, uns critérios racionais que permitem formular normas com pretensão de universalidade. Permitem descobrir os direitos pragmáticos, exigências que devem ser satisfeitas como condições de um diálogo racional. Sendo os direitos pragmáticos pressupostos iniludíveis do discurso, e este a prolongação necessária de uma ação comunicativa, e esta última um mecanismo de coordenação das ações humanas restantes, a autora conclui que os direitos pragmáticos são pressupostos da racionalidade de qualquer ação com sentido.

Por sua vez, os direitos pragmáticos descobrem os chamados direitos humanos, considerando que uma norma de ação somente pode ter-se por correta se todos os afetados por ela puderam dar seu consentimento detrás de um diálogo celebrado em condições ideais de racionalidade. Os consensos fáticos acerca dos direitos humanos concretos que pretendem ser legalizados em declarações e constituições, devem respeitar os direitos idealmente pressupostos e tratar de ir comparando-os historicamente, atendendo as circunstâncias de cada caso.

O discurso político do Estado de Direito moderno nasce para vestir os primeiros de tais direitos, chamados também mais tarde de direitos de primeira geração e liberdades básicas.

Ao refletir sobre a legitimidade do estado, grande parte da filosofia moral e política moderna descansa na idéia do pacto social entre indivíduos, dotados de direitos racionais e com capacidade de contratar, sendo assim feito da seguinte forma: lealdade ao Estado em troca de proteção para seus direitos. Nasce então o Estado de Direito, caracterizado pelo império da lei. O exercício desses direitos permite a cada cidadão ser independente do resto dos cidadãos e livra-se da interferência do Estado. Então o Estado vai se configurando para o Estado Liberal de Direito. Dessa forma, não importa qual seja a origem histórica do pacto social, o que importa é sua justificação racional, sua razão suficiente, visando defender os direitos humanos e liberdades básicas.

Com o tempo e graças à pressão dos movimentos socialistas, a lista de direitos, como direitos “humanos” foi se ampliando, surgindo a segunda geração de direitos, caracterizada como condições materiais e culturais que permitem aos atingidos discutir e decidir em pé de igualdade. As democracias liberais entendem que, assim como a proteção dos direitos de primeira geração (civis e políticos) justifica a criação do Estado de Direito moderno, os direitos de segunda de segunda geração (econômicos, sociais e culturais) são mais bem criados por esse mesmo Estado, por essa mesma comunidade política.

Hegel intentava reconstruir a história da humanidade como a paulatina realização da liberdade. Mais tarde, G.H.Mead diria que “somos o que somos graças à nossa relação com os demais”. De fato, os direitos civis e políticos são orientados pelo afã de realizar a liberdade pessoal, que é o sonho do liberalismo, enquanto que os direitos sociais tendem a lograr uma maior igualdade, a fim de reduzir as desigualdades, que é a meta do socialismo. Ocorre que os direitos sociais nasceram lastrados com a dificuldade de corresponder a deveres de obrigação imperfeita, enquanto que os direitos civis e políticos correspondem aos deveres de obrigação perfeita.

A maior opulência, as decisões não podem ser tomadas por cada Estado nacional com independência dos restantes Estados e povos, devido à interdependência dos Estados e dos povos.

Em relação à contaposição entre a razão diligente e a razão preguiçosa, Adela retoma Kant, que afirmava que a consciência do imperativo categórico da obrigação moral leva os homens a se descobrirem livres. Posteriormente, Hans Albert consigna o princípio da realizabilidade, que é sem dúvida fruto de um aplasante sentido comum, sem esclarecer a quem cabe decidir o que é realizável, o que é de suma importância. Há aqueles que fazendo uso de uma razão preguiçosa, desalmada e sem coração vêem impossibilidades, enquanto outros, levados por uma razão diligente, que aprecia, ama e considera desde a reflexão, ampliam incrivelmente o âmbito do que é possível. Hoje em dia é uma exigência de justiça proteger os direitos sociais, porque são parte da noção paradigmática de cidadania que todo o Estado está obrigado a proteger, que é a cidadania social.

Da perspectiva da cidadania social, é cidadã aquela pessoa que em sua comunidade política se reconhece e protege, não só os direitos civis e políticos, mas também econômicos, sociais e culturais. Os cidadãos sociais têm no Estado do Bem Estar a maior medida de que são cidadãos.

No que se refere aos direitos de primeira e segunda geração, foi dito que o Estado Nacional é quem tem a obrigação de satisfazê-los. No entanto, essa afirmação deixa duas extremidades soltas. A primeira, os Estados Nacionais poderiam alegar a falta dos recursos necessários para satisfazer os direitos sociais de todos os cidadãos. Também o fato de certos cargos políticos estarem imunizados contra o processo judicial e contra o castigo correspondente pode ser utilizado pelos Estados Nacionais para não punir crimes contra a humanidade.

É necessário que os cidadãos tornem da realização de justiça no cotidiano um hábito, , mas também assentando as bases de uma cidadania cosmopolita, contando com os tribunais internacionais, com os pactos entre estados e com o trabalho de organizações cívicas, convertendo pouco a pouco a res publica em coisa de cada um dos seres humanos.

O número de gerações de direitos aumentaram, sendo composto também pela terceira geração que abarca o direito à paz e a um meio ambiente sadio e pela quarta geração, abrangendo os direitos oriundos dos avanços tecnológicos, como direito à intimidade do patrimônio genético e a liberdade de informática, sendo esta última pouco definida.

Portanto, proteger os direitos, em suas gerações, é uma exigência de justiça.

BIBLIOGRAFIA

CORTINA, Adela. Derechos Humanos – la condición humana em la sociedad tecnológica. Madrid, Editorial Tecnos, 1999.