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Criminologia como construção social

É preciso entender num primeiro momento, o significado do crime como sendo uma construção social. O desvio e a criminalidade não são uma qualidade intrínseca da conduta ou entidade ontológica, na qual acredita-se ser o crime um delito natural,anterior à intervenção penal. O indivíduo ao ser socializado,ou seja,quando inserido num processo sócio-educacional frente a uma coletividade, se coloca numa posição de vulnerabilidade que justifica as influências exógenas que fazem desmistificar a idéia de criminoso nato.

Através desse processo de interação social percebe-se de forma não dificultosa,o crime como uma qualidade atribuída aqueles que não seguem padrões pré-estabelecidos, seja pelas instâncias informais,seja pelas instâncias formais. Acreditar em uma conduta criminal “em si”, corrobora para a convicção de que o ser humano tem propensão de delinqüir, expande a existência da criminalidade a priori. O sistema penal atua na esfera social com o objetivo de apaziguar os conflitos que exsurgem nas diversas camadas.

Essa intervenção realizada pela instância formal, tendo como alicerce órgãos institucionalizados, dentre eles, o Ministério Público, se concretiza em face da sucumbência da instância informal. A atuação do sistema penal constrói o universo da criminalidade, a saber, que há uma seletividade das pessoas e não de condutas, esse é o fulcro que motiva e impulsiona as explanações desse trabalho, levando em conta a estigmatização que se revela como uma realidade socialmente edificada através de um processo seletivo e em termos humanitários injusto.

Sendo dessa forma,” mais apropriado que falar de criminalidade e criminosos é falar de criminalização e criminalizados”.(ANDRADE,Vera Regina Pereira de),trazendo no seu bojo a perspectiva definitorial, afastando-se da idéia apregoada pela criminologia clássica, expondo as reais manifestações das instâncias formais,sobrelevando a condição do Ministério Público na execução de seus fins.

A posição do Ministério Público frente aos comportamentos dos distintos extratos sociais:

Faz-se imprescindível a compreensão da maneira como efetivamente se concretiza a intervenção penal, entender a lógica estrutural de funcionamento do sistema penal, se reveste numa forma de entender o reducionismo conceitual atribuído ao crime.

O Ministério Público sendo instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como bem preceitua o artigo 127 da Constituição Federal de 88, vem paulatinamente no decurso do exercício de sua função, desvirtuando a autonomia funcional que lhe é assegurada.O resultado dessa função deliberativa se configura através da impunidade, pois não ocorre uma incriminação igualitária de condutas, o sistema penal, lamentavelmente, age de tal forma, a promover uma seleção desigual de pessoas, quando deveria a contento, ser observada e analisada a conduta indistintamente.Essa diferença de atuação do Ministério Público se perfaz sobretudo, com uma imagem estigmatizante, estereotipada, construída a partir da condição social de cada indivíduo.

Na sociedade contemporânea estar inserido numa classe social desprovida de capital(recursos financeiros), contribui significativamente para a marginalização e consequentemente para a capturação desses indivíduos à malha do sistema penal, uma vez que não é a colocada em pauta, a gravidade da conduta, esta não é a única condição para a restrição da liberdade.

As classes sociais que disponibilizam de maior pode aquisitivo conduzem o Ministério Público a atuarem em seu favor desconsiderando crimes, e a periculosidade dessas pessoas que manipulam as instâncias formais frequentemente. A intervenção do Ministério Público geralmente, assim como outros órgãos que exercem função jurisdicional, tem subestimado e descriminalizado as condutas às quais tem ligação com aqueles que interagem as camadas sociais mais elevadas, embora essa imunidade seja concedida aos mais difusos danos-sociais, mais elevados, como por exemplo, a sonegação fiscal, fonte de exposição no curso desse trabalho. Enfatizam, no entanto, infrações relativamente de menor gravidade social, principalmente se o autor pertencer a esfera social mais débil, mais marginalizada.

A impunidade tem atingindo níveis insustentáveis em prol de uma minoria, porque a realidade sócio-econômica do Brasil atual evidencia que essa parcela beneficiada pela imunidade concedida, é uma minoria, mas que tem prepotência, e com isso visam satisfazer suas necessidades estritamente, em detrimento de uma enorme população que como conseqüência desse processo de dominação realizada em direção do Ministério Público, carece do amparo legal com eficiência e, sobretudo justiça. A impunidade e a criminalização não se revelam a partir da tendência do indivíduo de delinqüir, são efetivadas/concretizadas através da lógica das desigualdades nas relações de poder.

A discrepância social existente entre uma minoria privilegiada e uma maioria criminalizada tem sua fundamentação na atuação do sistema penal, indubitavelmente, que incumbido de defender a sociedade, deveria sobrelevar a prevenção, ao revés, do que vem sendo feito com a retribuição de penas, que poderiam ser analisadas por um viés que contemplasse o princípio da insignificância/bagatela. O Ministério Público tem como premissa promessa de segurança pública, esse é um preceito do funcionamento ideológico do sistema, pois o que vem se notando é a eficácia invertida do sistema penal. Segundo Zaffaroni, pode-se concluir que o sistema penal está estruturalmente preparado para violar todos os princípios. È a preponderância plena da “violação” ao invés de “proteção” de direitos.