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Íntegra do voto do ministro Cezar Peluso na ADI sobre teto de magistrados estaduais

Leia a íntegra do voto do ministro Cezar Peluso na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3854, julgada hoje pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Na análise liminar da ADI ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), os ministros decidiram que o teto remuneratório a ser aplicado aos magistrados estaduais e federais corresponde ao valor do subsídio dos membros do STF.

De acordo com o ministro, relator da ADI, a decisão de hoje não aboliu os subtetos constitucionais de subsídios, mas apenas estendeu o mesmo teto de remuneração (a soma do valor dos subsídios mais alguma vantagem funcional reconhecida pela ordem constitucional) das “justiças” federais à magistratura estadual. Peluso ressaltou que quando houver direito de acrescer ao subsídio, já limitados, alguma vantagem lícita, esse total não pode ultrapassar o valor do subsídio dos membros do STF, cujo valor é também, nesse sentido, teto de remuneração.

28/02/2007TRIBUNAL PLENOMED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.854-1 DISTRITO FEDERALRELATOR:MIN. CEZAR PELUSOREQUERENTE(S):ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMBADVOGADO(A/S):ALBERTO PAVIE RIBEIRO E OUTRO(A/S)REQUERIDO(A/S):CONGRESSO NACIONALREQUERIDO(A/S):CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇAR E L A T Ó R I OO SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – (Relator): 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida, com pedido de liminar, pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, que impugna a redação dada pelo art. 1º da Emenda Constitucional nº 41/2003 ao art. 37, inc. XI, da Constituição da República, bem como o art. 2º da Resolução nº 13/2006 e o art. 1º, § único, da Resolução nº 14, ambas do Conselho Nacional de Justiça (fls. 02/26).Segundo a autora, as normas atacadas “criaram e disciplinaram o subteto para a magistratura estadual, inferior ao da magistratura federal: enquanto esta última está submetida ao teto do funcionalismo público, que corresponde aos subsídios dos Ministros do STF, aquela está submetida a um subteto inferior, correspondente aos subsídios dos Desembargadores de Tribunais de Justiça, os quais, por sua vez, estão limitados a 90,25% dos subsídios dos Ministros do STF” (fls. 04).Tal distinção violaria a cláusula pétrea concernente à estrutura nacional do Poder Judiciário; todos os magistrados, no âmbito estadual ou federal, estariam sujeitos ao mesmo regime jurídico quanto a garantias e restrições. Além disso, a criação de teto remuneratório para a magistratura estadual, distinto do fixado para a magistratura federal, ofenderia os princípios da isonomia (CF, arts. 5º e 37, caput) e da proporcionalidade (CF, art. 5º, inc. LIV).Daí, a autora pede a procedência da ação, para se declarar a inconstitucionalidade, com efeitos ex tunc:“(a) da parte final do art. 1º, da EC 41/2003, que deu nova redação ao art. 37, XI, da Constituição, na parte em que submete a magistratura estadual ao sub-teto definido pelos subsídios dos Desembargadores de Tribunais de Justiça, com redução do texto, para prevalecer como teto máximo da remuneração da magistratura os subsídios do Ministro do STF, ou,(b) alternativamente, dar-lhe interpretação conforme, sem redução do texto, tendo em vista o caráter nacional e unitário do Poder Judiciário, especialmente na parte que toca à estrutura nacional da remuneração dos magistrados, prevista no inciso V, do art. 93, da CF, para prevalecer como teto máximo da remuneração da magistratura os subsídios do Ministro do STF:(c) do art. 2º, da Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 13, de 21 de março de 2006, tendo em vista que os magistrados estaduais devem estar submetidos ao teto definido m seu art. 1º, e(d) do art. 1º § único, da Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 14, de 21 de março de 2006, tendo em vista que os magistrados estaduais devem estar submetidos ao teto definido em seu art. 1º.(e) por ‘arrastamento’, na forma dos precedentes jurisprudenciais, das demais regras incompatíveis com a decisão a ser tomada (fls. 27).”Em caráter liminar, pede suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados, “naquilo em que submetem a magistratura estadual a um subteto distinto da magistratura nacional” (fls. 26).É o relatório.V O T OO SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – (Relator): 1. A primeira e principal disposição impugnada está na cláusula final do art. 37, inc. XI, da Constituição da República, que, na redação conferida pela Emenda Constitucional n. 41/2003, enuncia:“a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”.O Conselho Nacional de Justiça editou as Resoluções nº 13 e nº 14, em 21 de março de 2006, com o propósito de regulamentar essa norma. O art. 2º da Resolução nº 13 e o art. 1º, § único, da Resolução nº 14, que também são atacados na demanda, dispõem respectivamente:“Nos órgãos do Poder Judiciário dos Estados, o teto remuneratório constitucional é o valor do subsídio de Desembargador do Tribunal de Justiça, que não pode exceder a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal”.“Enquanto não editadas as leis estaduais referidas no art. 93, inciso V, da Constituição Federal, o limite remuneratório dos magistrados e servidores dos Tribunais de Justiça corresponde a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do teto remuneratório constitucional referido no caput, nos termos do disposto no art. 8º da Emenda Constitucional nº 41/2003”.Não há dúvida de que o texto do art. 37, inc. XI, da Constituição da República, hospeda, desde a redação original, vários preceitos conexos, tendentes a disciplinar o chamado teto remuneratório dos servidores públicos, nem tampouco o há de que, assim na redação primitiva, anterior à Emenda Constitucional nº 19/98, como na dicção atual, contém norma que estabelece padrões diferenciados para limite de remuneração em cada um dos estratos federativos.Em relação ao Poder Judiciário, a cujo âmbito normativo se adscreve a pretensão, o quadro jurídico-constitucional ora vigente, assumido pelas Resoluções nº 13 e nº 14 do Conselho Nacional de Justiça, contempla, para os servidores do Judiciário no nível federal, teto remuneratório correspondente ao valor do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros desta Corte (a), e, na órbita dos Estados, ao valor do subsídio dos Desembargadores, o qual não pode ultrapassar noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento (90,25%) do valor do subsídio dos membros do Supremo Tribunal Federal (b).Introduziram-se, por conseqüência, tetos de remuneração diferenciados para os servidores do Poder Judiciário, conforme o ramo federal (a) ou estadual (b) da Justiça a que pertençam, com a particularidade relevante de que, para os membros da Justiça estadual, tal limitação é, em termos de valores,inferior, porque baseada em percentual do valor do subsídio dos Ministros da Corte (b).Neste juízo prévio e sumário, estou em que, conquanto essa ostensiva distinção de tratamento, constante do art. 37, inc. XI, da Constituição da República, entre as situações dos membros das magistraturas federal (a) e estadual (b), parece vulnerar a regra primária da isonomia (CF, art. 5º, caput e inc. I).É que não encontro nem concebo nenhuma razão lógico-jurídica suficiente para legitimar tal disparidade na disciplina de restrições que, impostas a certo conjunto de membros de um Poder, o qual é de caráter nacional e unitário, se graduam e distribuem segundo critério discretivo que lhe nega esse mesmo caráter, enquanto pressupõe, a respeito da matéria, clivagem própria de instituições simétricas e superpostas, mas de certo modo autônomas na economia constitucional da federação, como sucede aos Poderes Executivo e Legislativo, cujos agentes e servidores, situados nos níveis federais, estaduais e municipais, não estão, por isso, sujeitos a leis orgânicas de cunho nacional e unitário, nem, por conseguinte, a normas ou regimes uniformes de limitação da retribuição pecuniária. É esta, aliás, a pronta e cabal razão por que, a meu juízo, não aproveita ao caso o precedente definido no julgamento da ADI nº 3.831-MC (Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA).Como a Corte já o reafirmou no julgamento da ADI nº 3.367, da qual fui relator:“O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário, de forma normativa idêntica à que atua sobre os demaisPoderes da República. Porque a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, ‘Judiciários estaduais’ ao lado de um ‘Judiciário federal’.A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de competências pela malha de órgãos especializados, que, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder. Nesse sentido fala-se em Justiça Federal e Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Trabalhista, Eleitoral, etc., sem que com essa nomenclatura ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos.Na verdade, desde JOÃO MENDES JÚNIOR, cuja opinião foi recordada por CASTRO NUNES,1 sabe-se que:‘O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de unidade e totalidade da fôrça, que são as notas características da idéia de soberania. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos Estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância.’2Desenvolvendo a idéia, asseveram ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:‘O Poder Judiciário é uno, assim como una é a sua função precípua – a jurisdição – por apresentar sempre o mesmo conteúdo e a mesma finalidade. Por outro lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judiciário deve coincidir em princípio com os limites espaciais da competência deste, em obediência ao princípio una lex, una jurisdictio. Daí decorre a unidade funcional do Poder Judiciário.É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o Poder Judiciário não é federal nem estadual, mas nacional. É um único e mesmo poder que se positiva através de vários órgãos estatais – estes, sim, federais e estaduais.(…)(…) fala a Constituição das diversas Justiças, através das quais se exercerá a função jurisdicional. A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual: como expressão do poder estatal, que é uno, ela1 Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 77.2 ALMEIDA JÚNIOR, JOÃO MENDES DE. Direito judiciário brasileiro. 5ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 47. Grifos no original.é eminentemente nacional e não comporta divisões. No entanto, para a divisão racional do trabalho é conveniente que se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada um deles um setor da grande ‘massa de causas’ que precisam ser processadas no país. Atende-se, para essa distribuição de competência, a critérios de diversas ordens: às vezes, é a natureza da relação jurídica material controvertida que irá determinar a atribuição de dados processos a dada Justiça; outras, é a qualidade das pessoas figurantes como partes; mas é invariavelmente o interesse público que inspira tudo isso (o Estado faz a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional)’.3Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário tratamento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República. Uma única lei nacional, um único estatuto, rege todos os membros da magistratura, independentemente da qualidade e denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar nº 35, de 14.03.1979; art. 93, caput, da CF). A todos aplicam-se as mesmas garantias e restrições, concebidas em defesa da independência e da imparcialidade. Códigos nacionais disciplinam o método de exercício da atividade jurisdicional, em substituição aos códigos de processo estaduais. Por força do sistema recursal, u’a mesma causa pode tramitar da mais longínqua comarca do interior do país, até os tribunais de superposição, passando por órgãos judiciários das várias unidades federadas. E, para não alargar a enumeração de coisas tão conhecidas, relembre-se que a União retém a competência privativa para legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I).Nesse diagrama constitucional, nunca se ouviu sustentar que as particularidades concretas da organização da estrutura judiciária violassem o pacto federativo. E não se ouviu, porque perceptível sua natureza nacional e unitária, embora decomposta e ramificada, por exigências de racionalização, em múltiplos órgãos dotados de sedes e de âmbitos distintos de competência”.Como se vê, é do próprio sistema constitucional que brota, nítido, o caráter nacional da estrutura judiciária. E uma das suas mais expressivas e textuais reafirmações está precisamente – e não, por acaso – na chamada regra de escalonamento vertical dos subsídios, de indiscutível alcance nacional, e objeto do art. 93, inc. V, da Constituição da República, que, dispondo sobre a forma, a gradação e o limite para fixação dos subsídios dos magistrados não integrantes3 Teoria geral do processo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, pp. 166 e 184. Grifos no original.dos Tribunais Superiores, não lhes faz nem autoriza distinção entre órgãos dos níveis federal e estadual, senão que, antes, os reconhece a todos como categorias da estrutura judiciária nacional:Art. 93 (….)V – “o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º”.4Interpretando esta mesma norma, conquanto ao propósito de lei estadual editada sob o pálio da redação anterior do art. 37, XI, da Constituição da República, esta Corte já havia assentado, com ênfase, como lembrou a autora, que o preceito se radica exatamente no caráter nacional do Poder Judiciário, como se colhe ao seguinte passo do lúcido voto do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator da ADI nº 2.087-MC:“Daí não se segue, entretanto, que a admissibilidade do subteto seja regra absoluta: ela sofre exceções ditadas pela própria Constituição Federal, nas hipóteses por ela subtraídas do campo normativo da regra geral do art. 37, XI, para submetê-las a mecanismo diverso de limitação mais estrita da autonomia das entidades integrantes da federação.4 Grifos nossos.Em tais casos, parece, nada tem a dispor a respeito a lei estadual, salvo fixar o valor de subsídios e vencimentos, observado o limite ou os limites específicos já demarcados pela Constituição Federal.Ocorre-me prontamente o caso dos magistrados, à vista do escalonamento vertical de subsídios, de âmbito nacional, ditado na EC 19/98 pelo novo art. 93, V, da Constituição, verbis:”V. o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º”.O preceito – claramente inspirado no caráter nacional do Poder Judiciário – acaba propositadamente por vincular ao dos Tribunais Superiores o subsídio da mais alta categoria das carreiras da Justiça da União e da Justiça dos Estados, quanto a esta, com o propósito manifesto de reduzir, na esfera delicada da política de remuneração dos magistrados, a faixa de opção e manobra dos Poderes políticos locais.Esse escalonamento nacional, que passa a constituir, com a nova redação do art. 93, V, um contraforte da independência política do Judiciário e se fez, por isso, imune até a emendas constitucionais tendentes a aboli-lo (CF, art. 60, III), com mais razão é incompatível com a idéia de subordinação dos subsídios dos juízes a subtetos derivados de normas infraconstitucionais, federais ou locais.”5Parafraseando S. Exª, eu diria que o escalonamento nacional, inspirado no caráter nacional do Poder Judiciário, é, com tão boas razões constitucionais, reflexo da estrutura unitária da magistratura e, como tal, é também não menos incompatível com a idéia de subordinação da remuneração dos seus membros a tetos diversos, enquanto dependentes da só condição empírica da natureza da categoria, federal ou estadual, a que pertençam, ainda que a distinção advenha de emenda constitucional suprema.5 Grifos nossos.A entender-se outro modo, um dos resultados práticos é que, em relação às categorias federais dessa mesma estrutura judiciária nacional, não poucos casos haverá em que, perante o limite máximo do subsídio dos magistrados, correspondente a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento (90,25%) do valor do subsídio dos Ministros desta Corte (art. 93, inc. V), será lícito somarem-se vantagens de caráter pessoal, até o valor do teto remuneratório equivalente ao valor do subsídio mensal dos membros desta Corte (art. 37, inc. XI, 1ª parte). Já, na variante estadual daquela mesma estrutura, coincidindo o teto remuneratório com o subteto do subsídio, limitados ambos a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento (90,25%) do valor subsídio dos Ministros desta Casa (art. 37, inc. XI, 2ª parte, cc. art. 93, inc. V), nenhuma verba retributiva poderá ser acrescida aos vencimentos dos servidores.Não se trata aqui de avaliar qual, dentre ambas as situações, tomadas como alternativas teóricas, seria, do ponto de vista do interesse público, a forma mais conveniente de limitação das remunerações no âmbito do Poder Judiciário, senão apenas de notar-lhes a perceptível arbitrariedade da distinção constitucional derivada, à luz do mandato da igualdade na formulação do Direito e, em particular, das regras postas da isonomia, na medida em que, sem “ninguna razón suficiente para la permissión de un tratamiento desigual”6, implicam regimes jurídico-pecuniários diferenciados para os servidores integrantes da estrutura judiciária, que, perante a mesma Constituição, é unitária e nacional.6 Caso em que, segundo a fórmula do mesmo ROBERT ALEXY, à luz da jurisprudência permanente do Tribunal Constitucional, “entonces está ordenado un tratamiento igual” (Teoria de los derechos fundamentales. 1ª ed., 3ª reimp.. Madrid: Centro de Estudos Políticos e Constitucionales, 2002, p. 395).Se a Constituição da República estipula idênticos princípios e normas fundamentais para modelagem de toda a magistratura, com plena abstração das várias categorias de Justiça à que estejam seus membros vinculados, sobretudo no delicado tema de disciplina dos subsídios (art. 93, inc. V), não se descobre, dentre todas as razões passíveis de serem consideradas em termos de valoração e argumentação jurídico-normativa, nenhuma que seja suficiente para fundamentar e justi-ficar permissão para tão desconcertante desigualdade no seio da mesmíssima instituição de caráter nacional e unitário. Se, para usar a terminologia do texto constitucional mesmo (art. 93, V), a mera diversidade das respectivas categorias da estrutura judiciária nacional não legitima, como critério teórico de diferenciação, quebra do modelo unitário de escalonamento vertical dos subsídios dos magistrados, válido em nível federal e estadual, então não pode tampouco, como razão suficiente, legitimar fratura do modelo quanto a um aspecto secundário da temática dos vencimentos, que é o limite máximo da remuneração!Noutras palavras, se o fato da simples pertinência ao quadro das categorias federais ou da classe estadual da magistratura não autoriza, por força do seu caráter nacional, homogeneidade institucional, unidade orgânica e independência política, de que seria contraforte, diferenças de subtetos de subsídio, cujo valor é e deve ser idêntico para todos os juízes que não compõem os Tribunais Superiores, o que, incidindo sobre a parcela substantiva da remuneração, é o mais, está claro que lhes não pode a fortiori convalidar diferenças quanto aos limites máximos de remuneração, que, compreendendo vantagens pessoais e eventuais, é o menos em termos comparativos. O critério dediscernimento e desigualação, aqui, vê-se logo que, não transpondo as fronteiras de uma contingência funcional inconseqüente para fins remuneratórios, que é o só pertencer a este ou àquele ramo burocrático do Poder Judiciário, não guarda nenhum relevo axiológico capaz de permitir tratamento normativo heterogêneo.Essa heterogeneidade fere de imediato a percepção vulgar e intuitiva de que a exigência de igualdade como valor universal não suporta tratamento desigual de pessoas em condições objetivas substancialmente idênticas, como a dos magistrados, que, embora pertencendo a ramos distintos da mesma estrutura judiciária, desempenham iguais funções, debaixo de um só estatuto de âmbito nacional, que lhes dita regras iguais de garantias, vantagens e restrições. E, no mundo jurídico, que assume e incorpora o valor da igualdade como objeto de um direito primário da ordem constitucional, agride as regras da isonomia, enquanto se revela produto de uma decisão legislativa que, destituída de razão suficiente, é, em todos os sentidos, materialmente arbitrária.E, do ângulo das conseqüências práticas da norma enquanto ação estatal, às quais deve estar referida a interpretação, não se pode deixar de reconhecer que, posto não tenha sido este, decerto, o propósito normativo ou ratio iuris, a promoção discriminatória de um grupo dentro da mesma classe funcional inculca e difunde a falsa idéia de uma superioridade de méritos dos magistrados federais, uma meritocracia artificiosa, porque, a despeito das altas qualificações dos membros da categoria, a conjectura não condiz com a homogeneidade teórica da instituição judiciária, nem encontra suporte na realidade. Ademais, essa idéia, por mais falsa que seja, desestimula vocações, avilta e deprime profissionais experimentados e encanecidos na arte de julgar, degrada e desprestigia a velhamagistratura estadual, a que, por todos os títulos de seus afazeres seculares, o ordenamento jurídico comete o mais largo espectro de gravíssimas competências jurisdicionais, exercidas, não raro com inexcedível sacrifício e abnegação pessoal, por multiplicidade incomparável de órgãos dispostos e enraizados até nos mais longínquos e, às vezes, quase inacessíveis recantos do território brasileiro. E, mais do que os reflexos públicos de tão desprimorosa idéia, a discriminação induz situações irredutíveis a critério de justiça funcional, ou, quando menos, extravagantes, como a de servidores federais subalternos que podem perceber remuneração superior à de desembargadores dos tribunais de justiça, cujo presidente é, na ordem constitucional, substituto e sucessor eventual do governador do Estado!Escusaria advertir que tal afronta à igualdade em nada se entende com a legítima limitação constitucional dos valores dos subsídios, pois alcança apenas a diversidade dos tetos de remuneração; nem implica juízo crítico ou exegese de que todos os magistrados dos níveis federal e estadual devessem ou devam perceber subsídios idênticos, porque estes dependem de fatores reais de desigualdades, como, v. g., a estruturação dos degraus das respectivas carreiras e a capacidade orçamentária dos entes federados, não obstante, a meu aviso, consulte ao interesse público a equiparação de lege ferenda de subsídios entre os escalões homólogos das carreiras federais e estaduais.Em resumo, tenho que leitura isolada do art. 37, inc. XI, da Constituição da República, com a redação da Emenda Constitucional nº 41/2003, nos termos em que o interpretaram as Resoluções do Conselho, não se ajusta aopreceito fundamental da isonomia, transpondo, nessa medida, os limites do poder constitucional reformador (CF, art. 60, § 4º, inc. IV).Pelas mesmas razões, a interpretação do art. 37, § 12, acrescido pela Emenda Constitucional nº 47/2005, ao permitir aos Estados e ao Distrito Federal fixar, como limite único de remuneração, nos termos do inc. XI do caput, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do valor do subsídio dos Ministros desta Corte, também não pode alcançar-lhes os membros da magistratura.2. Tenho ainda por manifesto o periculum in mora.Como é notório, já foi determinada a implementação do teto remuneratório da magistratura estadual em sete tribunais, e mais oito aguardam decisão do Conselho Nacional de Justiça para fazê-lo. Com isso, concretiza-se o tratamento díspar aos magistrados das Justiças federais e da Justiça estadual.3. Do exposto, concedo a liminar, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.868, de 10.11.99, para, dando interpretação conforme à Constituição ao art. 37, inc. XI, e § 12, da Constituição da República, o primeiro dispositivo, na redação da Emenda Constitucional nº 41/2003, e o segundo, introduzido pela Emenda Constitucional nº 47/2005, excluir a submissão dos membros da magistratura estadual ao subteto de remuneração, bem como para suspender a eficácia do art. 2º da Resolução nº 13/2006 e do art. 1º, § único, da Resolução nº 14, ambas do Conselho Nacional de Justiça.