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Concurso Público: Davi versus Golias e a Batalha Real

Predomina entre os estudantes de hoje, o desejo manifesto, principalmente os estudantes de direito, de submeter-se a concursos públicos. Diria que é a coqueluche do momento.

Concursos que para muitos é o que há de mais democrático e justo, por dar oportunidades iguais para todos. Outros entendem ser extremamente injusto e desigual, pois, estaria dando tratamento igual entre os desiguais.

Apesar de admitir uma total desigualdade no ensino público em relação ao ensino privado, vejo o concurso público um avanço significativo e fundamental, quebrando a estrutura monárquica que imperava em nossas instituições.

Embora defenda a universalização e democratização do ensino superior, me preocupa a onda de faculdades privadas que se alastram de maneira assustadora em nosso país e que grande maioria delas não primam pelo ensino de qualidade, onde o objeto é a lucratividade. E é justamente nesse ponto que o concurso público se torna injusto, cruel, devastador. Injusto não na causa, mas no efeito.

Apesar desse avanço na forma de admissão no serviço público, outras questões me preocupam e deixo aqui indagações para reflexão:-Eu, estudante de uma faculdade sem estrutura docente qualificada, com limitações materiais e até bibliográficas, tenho condições, apesar do meu esforço pessoal, de concorrer com um estudante de faculdades como UNICAMP, USP, UFRJ, UNB?-Cinco anos sendo orientado por professores como: Luis Flávio Gomes, Damásio de Jesus, Paulo Bonavides e outros equivalem a ser orientado pelo Zé Mané, pelo Chico da Esquina ou pelo Pedro Enrolação?

A probabilidade daqueles formarem Golias e desses formarem Davi é muito grande, é absurda. Embora entenda que a questão da boa formação e da acumulação do conhecimento dependa muito do esforço e do querer do próprio aluno, onde mesmo nas adversidades e desigualdades poderá se transformar em um Golias. Mas, admita-se que esses casos não são regras e sim honrosas exceções. O conhecido adágio “me diz com quem tu andas que direi quem tu és” não é uma verdade absoluta, implacável. Talvez a “me diz quem ti ensinas que ti direi quem tu poderás ser”, essa talvez seja, com raras exceções.

Há pouco tempo, assistindo a uma aula de Penal fiquei estupefato com o argumento de um professor que criticava a lei 11.106/05 que discriminalizou a sedução, o rapto, o adultério e que revogou duas causas de extinção da punibilidade, o casamento do agressor e o de terceiro com a vítima, além de tratar sobre outra questões.Para o professor, a revogação do casamento como causa de extinção de punibilidade prejudicará e inibirá o casamento do estuprador com a vítima estuprada, sob o argumento de que, com a referida mudança, mesmo depois de casados o agressor continuaria a responder o processo e que por esse fato inviabilizaria o casamento.

Tentarei fazer aqui, como tentei na sala de aula, desqualificar o argumento do professor. Porém, antes disso, quero deixar claro que respeito à opinião pessoal dele. Lembrarei inclusive Voltaire: “posso não concordar com uma só palavra que tu dissertes, mas defenderei até a morte a tua liberdade de dizê-las”.O que me levou fazer a contestação em plena sala de aula foi o fato de que ele impôs essa opinião para os meus colegas, como se fosse verdadeira, correta, irrefutável, o que não me parece ser. Veja porque:1º. Ele defende o casamento entre vítima e agressor como causa de extinção de punibilidade como se fosse corriqueiro e costumeiro haver esse tipo de relação, a não ser que o estuprador seja o Brad Pitt. 2º. Ele coloca o casamento entre agressor e vítima como um fato mais importante do que o próprio crime em si. Ou seja, a punição do estupro que é um crime hediondo é menos importante para a sociedade do que o casamento de ambos, agressor e vítima. 3º. Os casamentos entre criminosos e vítimas se davam muito mais como forma de se eximir da aplicação da pena, do que propriamente por amor, esse sim, o casamento que toda a sociedade defende e que se deve sempre preservar. 4º. O crime de estupro e o de atentado ao pudor quando praticados sem violência ou grave ameaça são crimes de Ação Penal privada, ou seja, só ocorrerá à persecução criminal se houver a manifestação e desejo da vítima. Ora, se o desejo da vítima for casar com o criminoso que case e se entender que não deva haver punição pelo crime sofrido que não o represente perante a autoridade policial ou judiciária.

Nosso código penal, arcaico, ultrapassado, não corresponde hoje aos anseios e avanços de nossa sociedade moderna. E quando atitudes louváveis como essa, onde se busca de forma ainda tímida uma atualização de nossa legislação penal, atitude elogiada por quase a totalidade dos grandes penalistas como: Fernando Capez, Rogério Greco, Luis Flávio Gomes e outros sejam recebidas com críticas, e pior infundadas, sem sustentação lógica. Não se trata aqui de prevalecer opinão de quem é mais badalado e conhecido no meio jurídico, o que deve prevalecer são argumentos convincentes e sustentação lógica, justamente o que faltou ao ilustre professor.

Antes dessa revogação ocorriam arbitrariedades, abusos de poder como os noticiados pela imprensa. Lembro-me do caso de um prefeito do interior de Goiás que havia estuprado sete adolescentes, sendo denunciado pelos crimes cometidos e para não ser responsabilizado, usou o benefício que a própria lei lhe garantia, consegui casamento para todas as vítimas e com isso passados 60 dias da celebração do casamento sem que a vítima tenha dado prosseguimento na Ação Penal o até então estuprador estava totalmente livre de qualquer condenação pelos crimes cometidos, sendo inclusive considerado primário caso viesse a cometer outro estupro.

Lamento que avanços como esses trazidos pela lei 11.106/05 possam ser criticados e pior sem um fundamentação lógica, convincente, indo totalmente de encontro a princípios constitucionais entre os quais o da liberdade e da dignidade da pessoa humana.

Enfim, com tantas diferenças, seja de capacidade dos professores, seja de estrutura físicas e bibliográficas, quais as reais possibilidades de um Davi superar um Golias, onde a arena dessa batalha real é o concurso público?