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Influxos da Constitucionalização do Direito Civil sobre a Responsabilidade Civil: Perspectivas futuristas

Não há como começar falando em direito civil sem antes tecer uma breve evolução histórica. Poderíamos começar falando que o mais remoto antecedente histórico sobre a Codificação do Direito Civil é o Direito Romano, o que realmente o é, contudo, nos estenderíamos por demais, visto que, o nosso objetivo nesse estudo é uma síntese da evolução histórica para entrarmos no tema propriamente dito.

Dois códigos elaborados no século XIX são de suma importância para o Código Civil Brasileiro, trata-se do Código de Napoleão (França), no qual o homem era visto de acordo com o que tinha, este código era analítico e, também, bastante rígido e o Código Alemão, em que continha menor grau de detalhamento e era menos rigoroso. A estrutura do Código Civil Brasileiro é semelhante à Alemã e o conteúdo, com bases patrimonialistas é semelhante ao Francês.

No período anterior à codificação, antes da declaração de independência, todo o sistema normativo adotado em Portugal era utilizado aqui. Com a independência, não havia como editar, rapidamente, uma nova legislação, portanto, a legislação do Reino continuou a vigorar aqui. Ressalte-se que, a primeira Constituição brasileira determinou que se organizasse, o quanto antes, um Código Civil; mas a demora foi mais longa do que se podia imaginar. Inúmeros projetos foram realizados, mas somente em 1º de janeiro de 1916 foi sancionado e promulgado, entrando em vigor em 1917, inspirado pelo movimento racionalista e marcado pela lógica individualista do Iluminismo.

Tal código seguiu a tendência da dualidade Direito Púbico versus Direito Privado, sendo considerado a Constituição do direito privado, não se admitindo nenhuma regra hierarquicamente superior capaz de regular as relações patrimoniais. Embora essa distinção, atualmente, não seja relevante, uma vez que o direito deve ser encarado em sua generalidade. O Código de 1916 traduz em seu corpo de normas, a ideologia da sociedade agrária e conservadora daquele momento histórico, preocupando-se muito mais com o ter do que com o ser.

Este referido Código era essencialmente subjetivista, a Responsabilidade Civil era baseada na culpa, tão bitolado que a evolução da responsabilidade civil desenvolveu-se ao largo deste código, com o advento das leis especiais. Vale ressaltar que Responsabilidade Civil, segundo Maria Helena Diniz é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

O Código Civil assumia o papel de estatuto único e monopolizador das relações privadas. Neste sentido, brilhante é a preleção do civilista Orlando Gomes: “no mundo instável, inseguro e volúvel de hoje, a resposta normativa não pode ser a transposição para um Código das fórmulas conceituais habilmente elaboradas no século passado, mas comprometidas com uma realidade muito distinta”. A partir da década de 30, no Brasil, o movimento renovador da intervenção do Estado na economia, que predominava na Europa, difundindo a restrição da autonomia privada e soerguendo o fenômeno conhecido como dirigismo contratual, alterou profundamente o papel do Código Civil. Ele foi transformado em centro normativo do direito comum, ao tempo em que passaram a proliferar as leis especiais, incumbidas de transformações da realidade econômica não reguladas pelo Código.

A dificuldade de se fazer uma reforma generalizada de nosso código desencadeou o fenômeno da descentralização ou descodificação do Direito Civil, impulsionando a proliferação de importantes leis extravagantes, as quais revelaram a perda do caráter de exclusividade do Código Civil na regulação das relações patrimoniais privadas. O próprio Direito Civil desloca sua preocupação que era centralizada no indivíduo para as atividades por ele desenvolvidas e os riscos dela decorrentes.

O texto constitucional de 1988 inaugura uma nova fase e um novo papel para o Código Civil. A carta Magna puxa para seus limites de competência, cada vez mais, a proteção de temas ligados diretamente à pessoa, a sua dignidade, como fundamento político da formação do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido impinge uma vinculação ideológica ao direito de propriedade e, nas relações familiares, impõe uma reestruturação dos seus valores, com a presença de uma paternidade e um planejamento familiar mais livre estimulando o poder público a promover a assistência social e promovendo a defesa do direito do consumidor.Os valores humanistas fixados no preâmbulo da constituição contaminaram por inteiro todas as legislações infraconstitucionais, tanto as anteriores, que continuam em vigor porque recepcionadas pelo novo pacto, como as posteriores por obediência sistêmica à norma hierarquicamente superior, operando, assim, uma verdadeira revolução em toda a sistemática jurídica nacional. A Constituição Federal deixa de ser um simples documento de boas intenções e passa a ser considerada um corpo normativo superior que deve ser diretamente aplicado às relações jurídicas em geral, subordinando toda a legislação ordinária. Não se pode imaginar, no âmbito do Direito Civil, que os princípios constitucionais sejam, apenas princípios políticos.

O Código Civil, diante de várias modificações aqui relatadas, passaria a ter uma função meramente residual, aplicável tão somente em relação às matérias não reguladas pelas leis especiais. Está-se diante de um Direito Civil fragmentado. A perspectiva de interpretação civil-constitucional permite que sejam revigorados os institutos de direito civil, muitos deles defasados da realidade contemporânea e por isso mesmo relegados ao esquecimento e à ineficácia, repotencializando-os, de molde a torná-los compatíveis com as demandas sociais e econômicas da sociedade atual.

A Constituição, na qualidade de Lex superior, é que unifica em torno de si, um complexo de normas que compõe o ordenamento jurídico expressando uma ordem material de valores.O novo Código Civil absorveu várias das grandes modificações e conquistas sociais em matérias de Direito Civil presente na Constituição de 1988.

O Código Civil de 2002 não fez revolução alguma, sequer inovação na responsabilidade civil. Tais inovações ocorreram ao longo do século XX, e principalmente pela Constituição de 1988 e o Código do Consumidor. O novo Código, embora mantendo a responsabilidade subjetiva como regra, optou pela responsabilidade objetiva, não há muita preocupação com a culpa, a preocupação maior é ter que indenizar pelos danos cometidos.De modo geral, entretanto, o novo Código avançou e ajustou-se à evolução ocorrida na área da responsabilidade civil ao longo do século XX, conforme já ressaltado. A responsabilidade civil conquistou inegável importância prática e teórica no Direito moderno, alguns de seus princípios até ganharam forma de norma constitucional após a Carta de 1988.