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Cientista político aponta virada à esquerda na região

A reeleição de Hugo Chávez na Venezuela e a volta de Daniel Ortega ao poder na Nicarágua – ambos tomaram posse na semana passada – representam mais um passo da “virada à esquerda” da América Latina, que se aprofundou em 2006 na opinião do cientista político José Luis Fiori, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Entre o final de 2005 e o final de 2006, a região teve um intenso período de votações. Em média, houve um presidente eleito, ou reeleito, por mês. Destes 12, sete têm um programa de governo que pode ser considerado de esquerda ou centro-esquerda, embora esse tipo de definição seja cada vez mais contestada hoje em dia.

Além da vitória destes sete candidatos, Fiori avalia que mesmo onde candidatos conservadores venceram, como Peru e México, as idéias neoliberais dos anos 90 sofreram um revés frente à esquerda e aos nacionalistas, devido à forma como transcorreram as respectivas eleições.

No Peru, a candidata da direita, Lourdes Flores, saiu da disputa logo no primeiro turno. Ficaram na disputa o esquerdista Ollanta Humala e o social-democrata Alan Garcia, que apresentou uma plataforma de centro. Humala perdeu, mas teve mais de 40% dos votos. Além disso, os partidos aliados ficaram com o controle de quase metade dos governos regionais e locais do Peru, e quase metade do Congresso. “Portanto, com poder eleitoral e institucional”, destacou o professor em entrevista à Agência Brasil.

No México, Andrés Manuel López Obrador perdeu por menos de um ponto percentual para o conservador Felipe Calderón, em uma eleição que exigiu recontagem. “Em 1998, aconteceu o mesmo com Cuauhtémoc Cárdenas, do Partido da Revolução Democrática. Tudo indica a vitória lhe foi usurpada, como agora, de novo, segundo os partidários de Obrador”, comenta Fiori.

O cientista político destaca que, como no Peru, o candidato derrotado no México controlará uma grande quantidade de governos regionais e uma bancada parlamentar expressiva, além de ter relação próxima com os movimentos sociais mexicanos.

O professor acredita que, depois das medidas nacionalizantes de Evo Morales, na Bolívia, e das primeiras declarações dos reeleitos Chávez, na Venezuela, o quadro está ficando “cada vez mais claro”.

“Morales e Chavez estão retomando algumas idéias e propostas da Revolução Mexicana [levante social camponês de 1910] e dos governos nacionalistas e socialistas do continente, a começar por Lázaro Cardenas, que foi presidente do México entre 1934 e 1940”, avalia.

No caso brasileiro, de acordo com Fiori, as primeiras manifestações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apontam numa direção diferente, para um projeto capitalista, mas desenvolvimentista.

“Alguns membros do seu governo vêm dando sinais de que querem abandonar a política econômica de filiação ortodoxa e de origem neoliberal do primeiro mandato. Apesar de que ainda não foi tomada nenhuma iniciativa consistente para mudar o rumo da política econômica e da própria economia”, avalia.

“No caso venezuelano, o presidente fala explicitamente na retomada do objetivo socialista , enquanto no Brasil, o projeto é ‘destravar a economia capitalista’. Mas de certa forma, as duas alternativas remetem à velha e complicada relação entre a esquerda latino-americana e o desenvolvimentismo”.

Fiori avalia que os últimos resultados eleitorais na América Latina representam uma retomada do “velho programa da esquerda” da região, que “nunca foi levado até o fim”. “A América Latina está saindo de um período em que deixou de pensar com sua própria cabeça e está voltando aos próprios trilhos, idéias e conflitos históricos”, conclui.