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Contratos e relações contratuais

1-Histórico das relações contratuais: a quem deve proteger o direito?
2-A responsabilidade civil contratual:
3-Contratação em massa:
4-Mais uma vez, como proteger este consumidor carente?
5-Responsabilidade pré-contratual: em que momento se constitui um vício?
6-E depois de concluído ou extinto o contrato?
7-Jurisprudências:
8-Conclusão
9-Referências bibliográficas

1- Histórico das relações contratuais: a quem deve proteger o direito?

Após a Revolução Francesa e o surgimento do Código de Napoleão (1804), o direito, ambientado sistemicamente à realidade racionalista e liberal do século XIX (Estados Liberais), estruturou-se nos princípios então magnos da propriedade e liberdade individuais, da legalidade e da igualdade entre as pessoas e, conseqüentemente, entre as partes contratantes, quando se inseria na seara contratual legal. Surge à época um padrão de contrato, que bem caracteriza Paulo Lobo quando o descreve como “estruturado no esquema clássico da oferta e da aceitação, do consentimento livre e da igualdade formal das partes”. Analogamente, no que nos coube influência jurídica iluminista européia, não só o direito assumiu estes ares, como a cultura popular enraizou-se nestes dogmas, como se verifica no ditado originalmente mineiro, tão popular, onde se entende: “o que é acertado, não é caro!”. Percebemos nitidamente que o mesmo processo ideológico que positivou nosso direito a serviço da filosofia politicamente dominante, impregnou nossa cultura popular com foco numa ética pré-modernista de mercado, marcadamente individualista, na qual comerciar, convier em sociedade e, particularmente, negociar, era uma atividade extremamente concorrencial, onde uma das partes ganhava, e a outra perdia.Valia mais a esperteza “pré-contratual” do que a ética da satisfação mútua das necessidades e expectativas das partes. O Direito não poderia parecer injusto, se compatível com o comportamento social vigente, o que fez o tempo consolidar em nossa cultura pátria, o que era social e juridicamente aceito em terras alienígenas. De qualquer forma, ainda que tivesse sido possível a alguns doutrinadores um pouco mais comprometidos com valores que somente hoje começam a se materializar em norma positiva, preocuparem-se com este legalismo individualista, ainda assim contrato era “coisa de rico”, num país em que a concentração de renda não começou ontem, nem anteontem, e no qual a maior parte da população do século XIX sequer sabia ler, quanto mais, pré-requisito que era a alfabetização, contratar.Mas evolui a sociedade de seu formato econômico extrativista e em seguida agrícola, para uma sociedade industrial e comercial, já no início do século XX, sendo que, no caso brasileiro, as tais fases da economia do comércio, economia da informação e economia dos serviços, somente nos dias atuais consolida-se com expressão social significante, passando a atingir já a quase totalidade da população.

O que se tenta explicar, ainda que sem dados estatísticos complexos (que não é o objetivo do presente trabalho), é tão somente que, mudando os tempos e os comportamentos sociais, hoje todos contratamos e o fazemos o tempo todo, de modo que não cabe mais ao ser humano brasileiro, enquanto vivente social, isentar-se qual “Robson Crusoé” de suas responsabilidades sócio-legais e, conseqüentemente, contratuais. Quem mora, contrata para morar, ainda que por um contrato informal possessório sujeito a ratificação futura pela autoridade formal, está contratando conforme lei que lhe autorize a formalizar, futuramente, o exercício deste direito à moradia, dessa “posse social da propriedade”. Quem consome energia elétrica, água, serviços postais e telefônicos, navega na internet, assiste TV a cabo, utiliza terminais eletrônicos bancários ou não, freqüenta lan houses, bares, casas de shows e até mesmo um simples salão de beleza, CONTRATA!

Juridicamente, portanto, fugindo da abordagem histórica econômica anterior, ainda que nos pareça a economia, historicamente, a “forma” social na qual se constrói a ética, a política e o direito, poderiamos dizer que iniciamos nossa história contratual com o direito individualista e patrimonialista, no qual valia o dito popular “o que é acertado não é caro”, para um direito em fase de amadurecimento em seu escopo contratual, rumo a um direito civil contratual constitucional, onde se poderia enraizar um novo dito: “o que é acertado, não é caro, desde que benéfico a ambas as partes, e compatível com o que a sociedade como um todo sistêmico admite como saudável”.

Nossa Constituição Federal promulgada em 1988 – a dita Constituição Cidadã – estabeleceu (notadamente em seu artigo 5º) garantias pétreas aos direitos fundamentais do ser humano (brasileiro), focados, formatados e direcionados pelo princípio máximo da dignidade da pessoa humana! Que isto gerou reflexos, ainda em andamento, em todas as relações humanas vigentes e em todo o ordenamento que delas trata, individualmente, é fato inegável e exigiria páginas momentaneamente inúteis de argumentação histórica, para comprovar o óbvio. Que estes direitos fundamentais da vida são hoje também direitos fundamentais, senão de toda positivação jurídica, pelo menos da maior tendência interpretativa da norma escrita, já é realidade menos percebida no dia a dia da população.

Hoje vigora um Código Civil “novo” (Lei 10.406/2002) que, ainda que nascido enrugado pela gestação alongada, nasceu menos patrimonialista que a história brasileira das lei, mais focado assim no ser humano como centro do nascer e do utilizar das leis. Antes dele, porém, já a lei 8.078 de 1.990 instituia-se como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que, após dezesseis anos de vigência, tornou-se pilar máximo das relações de consumo (contratuais) em seus conflitos jurisdicionais.

Esta lei surgiu, não só protegendo eficientemente o contratante mais fraco, mas direcionando nos contratantes maiores e economicamente poderosos, uma nova tendência de comportamento que, se infelizmente não comprometida por filosofia econômica com os valores tutelados por aquele código, felizmente submissa a ele no respeito ao consumidor hiposuficiente e á sua dignidade humana como valor fundamental e jurídicamente positivado.

Mas ainda historicamente, cresceu de tal maneira a economia em valor de produção e circulação de bens e serviços que, a cada transação econômica correpondento uma contratação, adaptou-se o contrato a uma espécie que possibilitasse modo único de contratação de determinados bens ou serviços que, a todos e quaisquer consumidores, lhes seria fornecido de maneira idêntica. O modelo contratual que possibilitou que todo um mercado aderisse a uma condição comercial única de determinado bem ou serviço, de maneira passiva, foi o contrato de adesão. Neste, o consumidor, no mais das vezes, sequer se vê ou se sente contratante, mero anuente que é, a cláusulas e condições que também no mais das vezes sequer conhece ou compreende. Fortificado este modelo de contratação pelos históricos monopólios dos serviços públicos de maior necessidade e, estendendo-se à toda contratação usualmente de massa, como seguros, planos de saúde, compras a distância (telefone, fax, internet,etc) fortificou-se também seu uso predatório por parte do fornecedor economicamente poderoso e nem sempre, eticamente, respeitador daqueles direitos fundametais do consumidor acima discutidos. Regidas as relações contratuais pelo brocado pacta sunt servanda, a vontade faz lei entre as partes, vem sendo um processo moroso e custoso proteger o consumidor daquela manifestação de vontade “não manifesta” e “não vontade” que se via obrigado a assumir.

Não que tenha perdido valor a vontade humana e sua manifestação, pelo contrário, mas que se garanta esta manifestação consciente e precisa, que se a garanta submissa àquela vontade prioritária nos negócios e nas relações sociais, que ela não tenha vícios de consentimento, que não seja fruto de indução, que não se anule pela ignorância pontual na contratação.Aliás, sobre esta autonomia da vontade humana contratante, tão absoluta noutra época civilista, é hoje por diversos doutrinadores, entendida relativamente, submissa que se torna aos efeitos sociais que, somente serão aceitos, quando embasados na boa-fé, este sim o ingrediente prioritário na convalidação presente das contratações:

O negócio jurídico não é o que o indivíduo quer, mas sim o que a sociedade vê como declaração de vontade do agente(…) passa-se a fazer o exame pelo prisma social… (AZEVEDO, 2000 p 22)

A autonomia privada, antes entronizada como garantia da liberdade dos cidadãos em face do Estado, é relativizada em prol da justiça substancial deslocando-se da tutela subjetiva da vontade à tutela objetiva da confiança. (MATIETTO, 2002 p 35)

Inspirado na igualdade substancial, o princípio do equilíbrio econômico expressa a preocupação da teoria contratual contenporânea com o contratante vunerável. (…) De acordo com este princípio, a justiça contratutal torna-se um dado relativo não somente ao processo de formação e manifestação da vontade dos declarantes, mas sobretudo relativo ao conteúdo e aos efeitos do contrato, (…).Definitivamente, a justiça contratual deixa de ser concebida como uma decorrência inexorável da autonomia da vontade. (NEGREIROS, 2006. p 158-159)

A autonomia da vontade não é um valor em si e, sobretudo, não representa um princípio subtraído ao controle de sua correspondência e funcionalização ao sistema das normas constitucionais. (PERLINGIERI, 2002 p 277)

O ato de autonomia não é um valor em si; pode sê-lo, e em certos limites, se e enquanto responder a um interesse digno d proteção por parte do ordenamento. (PERLINGIERI, 2002 p 279)

À proporção pois que a economia livre se transforma numa economia capitalista, tanto mais a liberdade contratual dos indivíduos vai sofrendo limitações impostas pelo predomínio econômico dos grupos. (GODOY, 2004 p 20 21)

…a autonomia contratual não é mais vista como um fetiche impeditivo da função de adequação dos casos concretos aos princípios substanciais contidos na Constituição… ( MARTINS-COSTA, 1992 p 141)

Autonomia da vontade: Boa-fé (…) e confiança (…) sempre estiveram juntas no direito privado e no estudo das bases e efeitos da vontade dos indivíduos no mercado (…), a ponto de discutirmos (…) qual delas seria o principal ou o primeiro dos paradigmas sociais para controlar/limitar a autonomia da vontade/liberdade contratual. (MARQUES, 2005 p 208)

Talvez coubesse aqui um pequeno parêntese, visando esclarecer que no Direito não há institutos isolados e autônomos, que tenham existência própria com finalidade entrópica, mas sim, mecanismos de convivência social interativa. Aquele já tão falado contrato social (Hobes, Locke, Montesquieu, Rousseau, etc) tem justamente no direito, como fato social, seu convalidador. É o direito, ainda que por vezes polissêmico ou indefinível, o cimento consolidador, e, por que não, viabilizador, desta recente experiência social humana. Logo, também o Direito, fruto desta vontade contratual que trouxe a sociedade dita civilizada, como forma de convívio humano, não tem como deixar de influenciar e de ser influenciado por todas as demais variáveis sociais que vigem dinamicamente, enquanto se constrói a história. Analogamente a esta recente tendência (não só positiva) de submeter o individual ao social, também sistemicamente, poderemos enxergar o Direito submisso a valores sociais maiores, sob pela de um isolamento inútil. Discípulo de Niklas Luhman na seara jurídica, cabe aqui um ensinamento de Guerra Filho:

A mencionada autonomia do sistema jurídico não há de ser entendida no sentido de um isolamento deste frente aos demais sistemas sociais, o da moral, religião, economia, política, ciência etc., funcionalmente diferente, em sociedades complexas como as que se tem na atualidade. Essa autonomia significa, na verdade, que o sistema jurídico se acopla, através de procedimentos desenvolvidos em seu seio, procedimentos de reprodução jurídica, de natureza legislativa, administrativa, contratual e, principalmente, judicial. (GUERRA FILHO, 1997 p 77).

Chegado a este ponto de nossa discussão, cabe finalmente resposta à indagação título do presente artigo: a quem deve proteger o direito? Bem, à sociedade, diriam alguns, ao réu, diriam os garantistas discípulos de Ferrajoli, mas, no seio da especificidade da presente análise, este direito civil, este direito dos contratos, a quem deveria dar tutela? Efetivamente, sem dúvida quanto ao acerto mais do que atual da assertiva, sempre, e inexoravelmente, ao contratante de boa-fé!

E, apenas para finalizar definitivamente o tópico, encaixamos oportunamente uma última citação a respeito, escolhidamente, da “mestra gaúcha”, Cláudia Lima Marques:

Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: 1) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos; 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos; e 3) na concreção e interpretação dos contratos. A primeira função é uma função criadora (…) A segunda função é uma função limitadora (…) A terceira função é a função interpretadora, pois a melhor linha de interpretação de um contrato ou de uma relação de consumo deve ser o princípio da boa-fé, que permite uma visão total e real do contrato sob exame. (MARQUES, 2005 p 215)

2-A responsabilidade civil contratual:

Evoluído o conceito de responsabilidade para a possibilidade positivada da responsabilidade objetiva, aquela sem culpa do agente, mas sobre dano por ação ou omissão dele oriunda, evoluiu também, paralelamente, nos últimos dois séculos, a responsabilidade civil contratual. O dano que uma contratação pode ensejar seja aos contraentes, a terceiro específico ou a própria coletividade, há que ser reparado, visto que o contrato deixou de ser coisa intraparti, para tornar-se instituto socialmente vinculado. Contratação esta que passa a ser vista na sua complexidade interativa mais do que como sistema fechado.Quando analisamos danos oriundos de contratação, dividida esta que é em fase preliminar, fase executória, fase extintiva e, mais atualmente, em fase pós-contratual, entendemos que em quaisquer destas fases pode inserir-se fato gerador de dano, bem como em quaisquer destas fases pode ocorrer o dano em si. Explicando melhor, individualizando o caso de má-fé contratual ensejadora de um tipo de responsabilidade então subjetiva (focada na culpa do agente), esta má-fé pode ocorrer já na fase pré-contratual, naqueles momentos em que as partes oferecem vantagens umas à outras, visando benefícios mútuos que superem os custos contratuais. Ora, não necessariamente naquele momento pré-contratual ocorrerá o fato dano, podendo este até manifestar-se quando já extinto o contrato, mas ainda em conseqüência deste, “por causa dele” e, mais precisamente, por causa do agente contratante que agiu intencionalmente de má-fé no momento da negociação, devendo ser este responsabilizado. Como veremos ainda adiante, no amparo ao consumidor, nosso Código Consumerista prevê o ilícito da oferta enganosa por parte do fornecedor, ou até mesmo preposto seu, que enseja ao consumidor lesado direito à restituição do valor pago ou cumprimento do quanto contratado na forma ofertada antes da contratação.

A oferta, quando enganosa ou inexata, visando levar a erro o consumidor, é caso de responsabilidade pré-contratual positivada, exemplificada, com relação ao parágrafo anterior, no seguinte caso: oferta publicitária de mercadoria cuja foto não demonstra as reais características do produto, mas tão somente induz o cliente comprador a, imaginando ser real o que vê, deseje o produto que, na realidade, não proporcionará os benefícios subjetivamente criados e desejados pelo consumidor. Atualmente, fruto de inúmeras derrotas jurisdicionais sofridas por fornecedores que utilizavam inidoneamente a oferta via publicidade, praticamente toda propaganda visual dirigida ao consumidor, tem letras claras informando que “estas imagens são exclusivamente a título ilustrativo” ou, “as fotos não são necessariamente as dos bens oferecidos” ou ainda, “fotos meramente ilustrativas”. Bem, ensinou a jurisprudência consumerista, a estes fornecedores de má-fé, estar o Direito numa nova tendência de responsabilização contratual, além do normativismo aonterior que limitava tais hipóteses, à fase da execução contratual.

3-Contratação em massa:

Ainda sob o jugo do mercado, hoje infelizmente ainda fundamento maior de nossa ética social e, mais infelizmente ainda, muitas vezes norteador de nossa ética jurisdicional e jurisprudencial, também a ciência jurídica da contratação evolui ao longo do último século, visando atender juridicamente uma necessidade prática de fornecer serviços e/ou produtos a uma população cada vez maior de consumidores capazes, num número elevado de ocorrências simultâneas, que tornava economicamente inviável a discussão prévia, caso a caso, de cada contratação. Pensar juridicamente a solução de uma demanda econômica, porém, era ainda à época pensar sob a ótica do capital mais do que do trabalho, do fornecedor mais do que do consumidor, dos macro-interesses mais do que dos interesses individuais. Construções jurídicas se fizeram sobre uma base legal positivada que, lida de maneira extremamente normativista, como convinha ao poderio industrial e comercial dominante, atendia aos interesses desta ética de mercado, sob a égide de indiscutível legalidade. Uma legalidade formal, visto que a materialidade da lei não era prioridade nem da doutrina, nem do legislativo, nem do judiciário de então e, sob a cultura germânica, surgiram maneiras de se possibilitar (legalmente) que o consumidor contratasse passivamente, sobre um instrumento legal previamente elaborado pela parte economicamente mais forte, através do que aderia este consumidor às chamadas condições gerais dos contratos.Conforme mais uma vez a ilustre doutrinadora Cláudia Lima Marques, podemos entender do que se trata o intrumento:

Entendem-se como contratos submetidos a condições gerais aqueles contratos, escritos ou não escritos, em que o comprador aceita, (…), que cláusulas pré-elaboradas pelo fornecedor (…) venham a disciplinar o seu contrato específico. (MARQUES, 2005 p 79).

Paralelamente, com forte influência franco-germânica, surgiu semelhante instrumento de inserção do consumidor, passivamente, numa situação jurídica pré-definida, alheia à então nominal vigência de sua autonomia de vontade (não manifesta) este de maior aceitabilidade e expansão nas economias nascentes e de desenvolvimento retardado, numa cultura de modernismo incipiente como a Latino Americana e, particularmente, a brasileira: o contrato de adesão. Para esta compreensão, para a apreensão ma maturidade atual deste conceito, intercalaremos às considerações de Cláudia Marques os dizeres de Zenedin Glitz que, especializado em Direito Eletrônico e Virtual, Contratação Virtual e ramos afins, mesmo em sua seara define o caráter leonino original do instrumento:

O elemento essencial do contrato de adesão, portanto, é a ausência de uma fase pré-negocial decisiva, a falta de um debate prévio das cláusulas contratuais e, sim, a sua predisposição unilateral, restando ao outro parceiro a mera alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. (MARQUES, 2005 p 71-72).

Compara-se esta predisposição a um poder paralelo de fazer leis (lawmaking power), legitimadas pela Economia e reconhecido pelo Direito. Esse poder paralelo desequilibra a sociedade quando a divide em aqueles que possuem tal poder e os que se submetem. O exemplo típico dessa nova técnica é o contrato de adesão. (ZENEDIN GLITZ, 2002 p 213).

Contrato de adesão: Realmente, no contrato de adesão nã há liberdade contratual…(MARQUES, 2005 p 73).

Ora, tão comum que são hoje estas contratações passivas e submissas à vontade “maior” do fornecedor que atende, como que a pedido suplicante, ao consumidor hiposuficiente, que fica hilário imaginar-se a atendente da telefônica interpelando o Sr José sobre a linha que pretende adquirir: – Então, Sr José, como o senhor gostaria de contratar, que cláusulas prefere, que direito gostaria de ver nas cláusulas que nos obrigarão depois?

Telefonia, serviços públicos como água, saneamento, energia elétrica, gás encanado, adesão a cartões de crédito, contas bancárias, cheques especiais e tantas outras necessidades usuais da população consumidora, que difícil imaginar que parcela das contratações habituais da população (tratemos aqui de nossa população brasileira, sobre a qual nossa ignorância é menor), ocorreria fora da esfera onipresente dos contratos de adesão. 4-Mais uma vez, como proteger este consumidor carente?

Admitamos (somos otimistas, como quer o Direito e a Doutrina atuais) que a tendência do Direito, em todas as suas manifestações sociais (insistimos do Direito como fato e fenômeno social dinâmico, historicamente mutável e sistemicamente heteropoiético) seja uma tendência de centrar-se no humano social que lhe deu origem, conflitando seus princípios em preservar-se o bem individual e o bem coletivo, de maneira harmoniosa, mais do que em travar-se batalhas hermenêutico-ideológicas sobre prevalência circunstancial do princípio específico ao caso concreto.

Não vamos discutir aqui (nem é sede para isto) razoabilidade, proporcionalidade, necessidade e tantas outras vertentes doutrinárias de discussão principiológica. Vamos sim, de maneira simples, esclarecer o parágrafo anterior, para que nem só os juristas o entendam. Aceitamos otimistamente o fato de que o direito muda, ainda que “cavalo manco atrás da história que voa”, como insistimos sempre em nossos escritos anteriores, e acreditamos que este direito muda em direção à proteção do indivíduo e da sociedade, objetivando uma felicidade social que, até há poucos anos atrás, seria tratada como objeto de riso. Com estes olhos, recebemos uma Constituição Federal em 1988 que recebeu até o apelido de Constituição Cidadã, preocupada com o ser humano, que se materializou pétrea na proteção dos direito fundamentais e na dignidade do ser humano. Influencia Dela (a maiúscula foi intencional), “ganhamos” um novo Código Civil (que nasceu velho pela gestação demorada) em 2.002 que, fugindo do patrimonialismo e normativismo extremos que vigiam no codex anterior (Código Civil de 1916), passou a centrar-se mais no indivíduo que nas coisas e, ineditamente, positivou um critério hermenêutico para a análise posterior das relações jurídicas: rt. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

A partir deste momento legislativo, coube ao judiciário, ainda que influenciado pela doutrina, a entender o contrato não mais como ente rígido, exclusivo às partes contratantes, por vezes uma tornada escrava da outra, alheio aos seus efeitos sociais. Tornaram-se relativos os princípios que norteavam a interpretação dos contratos (sim, princípios também se relativizam ao longo da história!) e, sob o bojo da boa-fé necessária, revelou-se prioritária a preocupação com o respeito à dignidade humana quando lesada contratualmente, bem como à dignidade humana social, à qual deveria sempre se submeter a vontade autônoma e manifesta do contratante. Inúmeros são os doutrinadores que “comemoram” conosco esta visão positiva de mudança, explicitando a nova tutela de nosso direito contratual:

O preceito de igualdade poderá incidir sobre a individuação do conteúdo das mesmas cláusulas gerais que contribuem para a definição dos institutos fundamentais do direito civil, como a função social para a propriedade e a; utilidade social para a iniciativa econômica privada, de maneira a realizar uma eqüitativa harmonização entre o interesse individual e aquele geral. (PERLINGIERI, 2002 p 49).

…percebe-se que é através do contrato privado que o contrato social, utilizando desse instrumento, tem a intenção (ou o efeito) de falizar, regulamentar, dirigir e controlar grande parte desse poder disperso e diluído na sociedade, pois, o contrato privado é, também, uma forma de poder atribuído e controlado pelo contrato social. (p 279).

A função social do contrato, reconhecida na nova teoria contratual, transforma o contrato de consumo, de simples instrumento jurídico para o movimento das riquezas do mercado, em instrumento jurídico para a realização dos legítimos interesses do consumidor, exigindo, então, um regramento legal rigoroso e imperativo de seus efeitos. (MARQUES, 2005 p 1142).

Eis aí o contorno primeiro, genérico e básico da função social do contrato. Sua relevância esta, antes de tudo, na promoção daqueles objetivos do Estado Social, na eficácia dos valores básicos do ordenamento, repita-se, o que, em nossa Constituição, constitui preceito expresso, a colocar a discussão fora de qualquer contexto que não seja jurídico, que seja puramente ideológico e, por isso, necessariamente parcial. (GODOY, 2004 p 116).

Poderíamos, realmente, inundar o presente artigo com citações de doutrinadores das mais variadas escolas e correntes, uníssonos em afirmar e louvar, ainda que sob diapasões diversos, e por vezes antagônicos, nossa vertente jurídica pró-consumidor. O que importa, no momento, é a “descoberta” no estágio atual de nossa reflexão que, entre nossa Constituição “Cidadã” de 1.988 e nosso Código “Despatrimonializado” de 2.002, exatamente em 11 de setembro de 1.990 entrou em vigor a Lei 8.078, o Código de Defesa do Consumidor.Era então, positivamente claro, doze anos antes da atualização do Código Civil, a quem protegeria o direito moderno, com que prioridades e intensidades seriam tutelados os homens e suas coisas, bem como as relações jurídicas que se estabeleceriam (contratualmente ou não) entre os mercados de produção e de consumo da riqueza econômica.

Somou-se então, na verdade, a esta nova lei e ao impulso por ela gerado na doutrina vigente e na tendência legislativa, a tendência re-humanizadora da legislação civil, agora sob um prisma constitucional e com uma legislação especial para a proteção do consumidor e, mais do que a letra impressa que se produziu com as novas normas escritas, estabeleceu-se uma nova forma de ver e interpretar o contrato, suas origens e seus efeitos finais. Objetiva ou subjetivamente, a responsabilidade pelo dano oriundo da contratação ampliou-se a níveis até então inimaginados e, timidamente a princípio, mas velozmente nos dias atuais, criou-se um novo “capítulo” na enciclopédia viva do Direito, no qual se concretizou a forma atual de admitir-se que a responsabilidade contratual advém do fato de contratar e, sendo este fato fruto de uma vontade e oportunidades anteriores à contratação, visando obviamente benefícios mais duradouros que o ato jurídico em si (do contrato), esta mesma responsabilidade se liga aos efeitos pré e pós-contratuais.

5-Responsabilidade pré-contratual: em que momento se constitui um vício? (Culpa in Contrahendo)

O consentimento livre e espontâneo, entretanto, é essencial à formação do vínculo contratual. Sem a exteriorização da vontade de contratar (proposta e aceitação) isenta de vícios não se pode reputar formado o contrato. (RAMOS, 2002 p 221) . (negrito nosso)

A aproximação pré-contratual entre as partes advém ou da vontade, ou da necessidade, esta última afetando intensamente a “pureza” com que se forma e se manifesta a primeira. Entendendo-se a necessidade constitucional e teleológica de que o contrato atenda expectativas sociais concomitantemente à viabilização dos benefícios contratuais esperados pelas partes, a vontade manifesta no ato jurídico deverá, também necessariamente, ser norteada pela boa-fé que, entendida subjetivamente, determina intenção real e efetiva deste alcance social do contrato.

Uma pré-conduta lesiva, e, portanto, na ótica vigente, anticonstitucional, seja com ares de simulação, dolo, desequilíbrio contratual ou qualquer outra intenção “oculta” a um dos contratantes, se resulta em dano, ainda que posterior mas em função dela, caracteriza subjetivamente uma responsabilidade pré-contratual.

Uma pré-conduta irresponsável quanto aos riscos a que se expõem as partes, omissa no cuidado devido, gerando dano posterior, caracteriza esta responsabilidade pré-contratual objetivamente.

Esta possibilidade em dupla ótica de caracterizar-se o comportamento prévio como responsável, implica em informar o contrato com os princípios máximos e sempre presentes da boa-fé (objetiva e subjetiva) e do respeito à dignidade da pessoa humana. Uma relação contratual que implique em enriquecimento sem causa a uma das partes, ainda que na outra não implique uma onerosidade excessiva, é conduta pré-contratual a nosso ver ilícita, que caracterizaríamos como responsabilizável via dano moral imposto à parte desfavorecida. Entendemos que, ainda que à parte prejudicada não se faça de imediato presente a percepção do dano, o desrespeito àquela dignidade humana contratual é agressão moral à sociedade que ampara a relação contratual. Nada significaria, a nosso ver, discutir-se a função social do contrato, se a responsabilização sobre a “desobediência a este comando” só se pudesse materializar através do dano efetivo ao contratante individual.

Quando discutimos direitos tutelados constitucionalmente, informados por princípios pétreos orientadores de toda hermenêutica de prisma constitucional, discutimos uma interação entre o ato jurídico, no qual se tutela as partes, sem ignorar a tutela à sociedade. Quando falamos em direitos indisponíveis, inalienáveis e inderrogáveis, a ofensa a um indivíduo, é a ofensa à coletividade. Quando estendemos esta ótica ao mercado e sua sombra jurídica, a contratação adquire novo escopo, transcendendo em muito uma visão antiga, que entendia o contrato como autonomia entrópica, de efeito limitado aos contratantes e ao período contratual.

Logo, há que se preservar sempre a idoneidade volitiva das partes, que a vontade seja livre e o consentimento preciso, na consciência de todas as possibilidades futuras de ganhos e prejuízos advindos desta contratação. Sobre a importância atual, na doutrina e na jurisprudência desta ótica que nos parece acertada e inevitável, nos orienta mais uma vez Cláudia Marques:

A tendência atual é de examinar a qualidade a vontade manifestada pelo contratante mais fraco, mais do que a sua simples manifestação: somente a vontade racional, a vontade realmente livre (autônoma) e informada, legitima, isto é, tem o poder de ditar a formação e, por conseqüência, os efeitos dos contratos entre consumidor e fornecedor. A tendência atual é de examinar também a conduta negocial do fornecedor, valorando-a e controlando-a, dependendo da conduta (abusiva ou não) a formação do vínculo (informações prévias, acesso ao contrato, envio de mercadorias não requeridas, etc.) e a interpretação sobre quais as obrigações a que o consumidor está vinculado (cláusulas, promessas dos vendedores, prospectos, publicidades, sites etc.) (MARQUES, 2005 p 712-713).

Conclusão natural, ainda que se respeite a vontade declarada e manifesta dos contraentes, em função da qualidade desta vontade, submete-se esta, já não mais como premissa primeira da validade contratual, aos interesses sociais e aos valores fundamentais da pessoa humana, como assevera Mattieto quando diz:

O rigor do pacta sunt servanda é afastado, para que, mais do que o respeito à vontade das partes, possa a relação jurídica ser o espaço de realização de direitos fundamentais, tais como, segundo exemplos da jurisprudência, os direitos à vida e à saúde e o direito à liberdade de locomoção. (MATTIETO, 2002 p 33).

Esta mudança na ótica hermenêutica com que se analisam os atos jurídicos civis contratuais, fruto desta limitação de eficácia pelos valores que fundam princípios que norteiam as leis e seus usos, é ainda incipiente na realidade brasileira neste ano de 2.006. Como dissemos antes, a história voa na velocidade que requer a economia e a política, o direito manca na velocidade que lhe permitem as pernas curtas e desiguais com que interage com o sistema maior social. Assim como num passado mais remoto ainda, o próprio corpo do devedor satisfazia o credor, face ao inadimplemento, passando-se a seguir à expropriação patrimonial executiva, “proibido” que se tornou a sanção corporal e até capital ao indivíduo, também nossa geração, privilegiada que tem sido, pode acompanhar “ao vivo e a cores” uma mudança um pouco mais sutil e gradual, mas tão revolucionária e importante como aquela. Revoluções requerem sempre quebras e substituições de paradigmas, oportunamente quando sua zona de conforto se reduz a níveis insuportáveis, de modo que este período que vai do pacta sunt servanda absoluto e exclusivo às partes, para relações regidas por princípios novos, fundados em valores intrínsecos à natureza social humana (logo não tão antigos) é um período que nos permite apreciar concretamente a mudança paradigmática que ocorre. Olvídio Batista da Silva, em sua obra processo e ideologia, didaticamente esclarece:

As revoluções científicas ocorreram esporadicamente quando um dado paradigma deixa de oferecer solução para um número apreciável de problemas, provocado pelas novas condições históricas e pelo próprio desenvolvimento da ciência. (BATISTA DA SILVA, 2004 p 31).

Exemplo de novo paradigma é a forma como a nova legislação consumerista (nova em intensidade de uso, não em vigência formal) impõe ao fornecedor o dever de informar. Este dever pressupõe que ao consumidor serão prestadas todas as informações necessárias para que decida manifestar conscientemente, uma vontade conscientemente formada. A falta de informação que vicie a vontade e o consentimento do contraente mais fraco é vício que incide diretamente na validade contratual, além de fundamentador da responsabilidade civil pelo dano advindo, seja ele moral ou material, ocorra ele no curso normal de execução contratual ou mesmo depois de concluída a relação.

Como a origem do vício induzido pelo descumprimento do dever de informar, caracterizador e má-fé, ocorreu em negociações prévias, antes que se consumasse formalmente a contratação, caberia longa discussão sobre a denominação desta responsabilidade, que muitos denominam de contratual ou pré-contratual.

Para nós, neste momento, importante realmente é entender que o ilícito, se assim o quisermos denominar, ocorreu realmente antes de qualquer contrato firmado e assinado, e materializou-se no ato da assinatura ou formalização do contrato, independentemente de que, em função deste ilícito, ocorram ou não os danos futuros, as situações potencialmente danosas. Esta nova forma de enxergar o contrato é também apontada por Cláudia Marques, quando afirma:

Assim, a idéia de erro, como falsa visão da realidade, que leva uma pessoa a contratar em circunstâncias em que normalmente – se tivesse a verdadeira visão da realidade – não contrataria, será uma das fontes da nova figura do direito do consumidor, o dever de informar, que foi imposto de maneira abrangente aos fornecedores de bens e serviços pelo novo Código brasileiro (MARQUES, 2002 p 281).

Além de, e relacionado ao princípio que informa o dever de informar, temos princípio da transparência, imprescindível à fase pré-contratual quando realizada de boa-fé. Ainda na obra referência do presente trabalho (MARQUES, 2005) a autora relaciona estes importantes princípios ao CDC, abordando exaustivamente a publicidade e oferta pré-contratuais , o princípio da transparência e as “expectativas legítimas” necessárias à boa validade contratual. 6-E depois de concluído ou extinto o contrato? (Culpa Post Pactum Finitum)

Carlos Alberto Bittar, em sua obra Responsabilidade Civil: Teoria e Prática, sobre as modalidades de responsabilidade contratual vigentes, preleciona:

Daí, as modalidades de responsabilidade neste campo: a a) pré-contratual, a b) contratual propriamente dita e a c) pós-contratual; a primeira, quando as partes estejam em negociações, com manifestação de intenção e execução de medidas compatíveis; a segunda, quando já firmado o contrato e no curso de sua execução; a terceira, com a subsistência de efeitos após a cessação da relação (como respectivamente, nos seguintes casos: na não celebração do ajuste com a pessoa com quem se negociava, que, no entanto, fizera despesas para ajustar-se aos interesses da outra parte no contrato; no não pagamento de quantia vencida; e nos efeitos após a entrega do prédio, de vícios que, por falta de conservação, vem aparecer, e outros) (BITTAR, 2005 p 45).

Como ensina DONNINI , o objetivo prático de determinar se a responsabilidade é pré, contratual ou pós-contratual, está ligado diretamente ao ressarcimento do dano causado, sendo esta a tendência de boa parte da doutrina nacional. Esta mesma doutrina, pacificou o entendimento de que, extinto o contrato, mas sujeita a sociedade aos efeitos oriundos desta contratação, uma das partes há de permanecer responsável por danos inerentes a estes efeitos. Na mesma obra, em desacordo com a nossa concepção a respeito da responsabilidade oriunda de má-fé negocial (pré-contratual) que reputamos ser extracontratual, preceitua que o vínculo entre consumidor e fornecedor, sendo legal, tornaria contratual dita responsabilidade. Independente, porém, de classificarmos temporalmente estas responsabilidades, concordamos todos quanto à essência da responsabilidade surgida por vínculo contratual, em face de danos causados pelo ato jurídico a qualquer das partes, a terceiro de boa-fé ou à própria coletividade. Entrando agora na seara dos danos pós-contratuais, havidos ou percebidos tão somente após o término da relação, mas ao contrato vinculados, entendemos que não dependerá de classificação doutrinária, a existência da responsabilidade objetiva ou subjetiva, baseada na teoria do risco ou na culpa e/ou dolo. Mesmo extinto o contrato, persistem os chamados deveres anexos das partes, ainda vinculados à boa-fé com que se presumiu feita a contratação. Diferentemente da responsabilidade pré-contratual, nosso ordenamento ainda não oferece normas positivadas e claras dobre a responsabilidade pós-contratual, cabendo àquela hermenêutica constitucional teleológica já discutida, a tarefa de adequar jurisdicionalmente o fato concreto à norma-texto vigente. Há um “esforço” modesto no CDC de tutelar o assunto, exemplificativamente nos artigos que seguem:

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade …

Art. 12. O fabricante, o produtor, … respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos …, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade …

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

Art. 32. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.

Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza …

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.

Alguns doutrinadores, (p ex DONNINI, 2005) classificam a responsabilidade pós-contratual em aparente e strictu sensu, conforme seu grau de previsão legal, sendo aparente quando minimanente prevista em lei ou contrato (que ainda, em certo grau, é lei para as partes), e strictu sensu, quando oriunda dos princípios com que se aprecie a relação contratual quando ao dano havido, em função do dever de boa-fé objetiva:

“É mister esclarecer, contudo, que se o dever de informação, proteção ou lealdade estiver previsto em lei de maneira específica e que se enquadre no caso concreto, ou ainda contratualmente, não será hipótese de responsabilidade pós-contratual, mas exato cumprimento de determinação legal que estende os efeitos do contrato, ou disposição contratual que estabelece uma certa produção de efeitos”.(DONNINI, 2002 p 94)

Qualquer possível responsabilidade pós-contratual, seja ou não entendida como contratual ou extra-contratual, advém do descumprimento dos deveres de lealdade de conduta, de informação e transparência e outros deveres acessórios que, se desrespeitados, colocam em risco os benefícios fundamentadores das expectativas pré-contratuais, reduzindo potencial ou faticamente, as vantagens originalmente contratadas. Deveres de garantia ao consumidor ou adquirente, dever de responsabilidade social da conduta pós-contratante, são deveres inerente à boa-fé com que se negocia e contrata. Em nosso entender, a desinformação inicial sobre riscos futuros, a má informação na formação de expectativas, a omissão quanto aos cuidados exigidos na execução e na garantia pós-contratual, podem manifestar-se e serem analisados subjetivamente, quando por culpa ou dolo (intenção volitiva) ocorrer manipulação da formação da vontade contratante ou potencialidade de dano intencionalmente oculta; por outro lado, independente da culpa ou dolo, assim como à boa-fé se atribui objetividade por força de lei (Art 422 Código Civil), também objetivamente há que se responsabilizar o contratante que ao outro ou à sociedade gerar dano. Mesmo doutrinadores que nos parecem excessivamente normativistas, como o mestre Sílvio de Salvo Venosa, asseveram a obrigação de que os contratantes assegurem “à outra parte “a tranqüilidade na execução do contrato” (VENOSA, 2004 p 500). Esta tranqüilidade necessária, obrigação das partes, pressupõe intenção prévia de se a proporcionar, intenção esta, portanto, mais uma vez consubstanciada na boa-fé em todas as fases da contratação. O Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal, em suas “Jornadas de Direito Civil”, estabelece enunciados para melhor interpretação das normas cíveis. Alguns destes enunciados referem-se diretamente as responsabilidades contratuais em estudo: 167 – Arts. 421 a 424: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos. 168 – Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva importa no reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação.

169 – Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.

170 – Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato.

171 – Art. 423: O contrato de adesão, mencionado nos arts. 423 e 424 do novo Código Civil, não se confunde com o contrato de consumo.

172 – Art. 424: As cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações jurídicas de consumo. Dessa forma, é possível a identificação de cláusulas abusivas em contratos civis comuns, como, por exemplo, aquela estampada no art. 424 do Código Civil de 2002.

Importante notar que, tanto o CDC como a legislação cível em geral, nesta nova positivação e mais nova ainda interpretação concreta da lei, alinharam os serviços públicos aos privados no que concerne às responsabilidades contratuais, equiparando o fornecedor público ao particular, inclusive quanto à responsabilidade pós-contratual, em função da importância econômica atual dos contratos referentes a serviços de lona duração, tipicamente os serviços públicos e os prestados mediante concessão.

Em resumo, concluías as obrigações contratuais executórias das partes, permanecerão seus deveres de conduta posterior de boa-fé, bem como sua responsabilidade por conseqüências posteriores de suas condutas anteriores. O advogado, por exemplo, é responsável pela guarda de documentos e sigilo das informações do cliente e mantém o dever de cooperação com o cliente no que respeita aos efeitos posteriores do processo, esclarecimentos adicionais que se façam necessários, etc. O Código de Ética e Disciplina na OAB prevê:

Art. 8º O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto aeventuais riscos da sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda.

Art. 9º A conclusão ou desistência da causa, com ou sem a extinção do mandato,obriga o advogado à devolução de bens, valores e documentos recebidos no exercício domandato, e à pormenorizada prestação de contas, não excluindo outras prestaçõessolicitadas, pelo cliente, a qualquer momento.

Este dever de indenizar por dano moral ou material oriundo de conduta pós-contratual ilícita do advogado, conforme seu próprio código regulador, permanece por cinco anos depois de concluídos os serviços ao cliente. Já nas questões trabalhistas, de há muito se reconhece a responsabilidade posterior ao contrato de trabalho, notadamente nas questões ligadas ao sigilo sobre informações técnicas frente a concorrentes, informações sigilosas quando ao mercado de capitais ( crimes de inside information ) e demais deveres de conduta de ambas as partes pela preservação moral e patrimonial dos então ex-parceiros. Exemplo pacificado pela jurisprudência pátria, citamos os casos de “listas negras” mantidas por algumas empresas contra ex-colaboradores:

07/08/2006 – Empresa de RH paga dano moral por manter lista negra (Notícias TST)

A Justiça do Trabalho condenou uma empresa de recursos humanos. ao pagamento de indenização por dano moral a um trabalhador que teve seu nome incluído numa “lista negra”. A condenação, decidida pela Vara do Trabalho de Campo Mourão (PR) e mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná), manteve sua validade após a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conhecer (rejeitar) o recurso de revista de ambas as partes.

A reclamação trabalhista foi inicialmente ajuizada por um trabalhador rural contra a empresa e uma cooperativa, para quem tinha prestado serviços, como mão-de-obra contratada pela primeira, em três ocasiões. Segundo afirmou na inicial, o mercado de trabalho de Campo Mourão e dos municípios adjacentes é dominado pelas duas empresas. Depois do último contrato, em 1997, o trabalhador não conseguiu mais emprego e passou a vender sorvetes para sustentar a família.

Pouco depois, ficou sabendo da existência de uma lista, preparada pela empresa com a colaboração da cooperativa, com o nome de ex-empregados “que, segundo seu ponto de vista, de uma forma ou de outra tivessem causado ou pudessem causar qualquer tipo de problema para elas – em especial aqueles que tivessem ação ou participassem como testemunha na Justiça do Trabalho ou tivessem qualquer tipo de demanda judicial”. (…)

Este não foi o primeiro caso de dano moral envolvendo a empresa de recursos humanos e a cooperativa e sua lista negra. Em junho, a mesma Quarta Turma julgou processo idêntico. Na ocasião, porém, foi mantida decisão regional que considerou prescrito o direito do trabalhador, uma vez que a ação só foi ajuizada em 2004, e a lista elaborada em 2001.

(RR 335/2003-091-09-00.1)

Interessante o comentário de Manuel Cuiñas Rodriguez, civilista argentino especializado em franchising, sobre a obrigação de sigilo pós-contratual de ex-franqueados, com base na boa-fé, com base em leitura feita da obra Franchising, de Jaime L. Kleidermacher (Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995):

Una de esas notas es el carácter fiduciario o de confianza que presenta el contrato en sí (14). Es que dada la estrechez de múltiples relaciones que vincularán a las partes o centros de interés económica y jurídicamente, de no existir tal confianza no se involucrarían al grado que deben hacerlo para aspirar al éxito en el emprendimiento común. Y esta nota tendrá inclusive relevância en la etapa poscontractual, una vez extinguidos los efectos principales de la relación convencional vinculante – verbigracia, no develación por parte del franquiciado del know how al que hipotéticamente haya tenido acceso.

Verificando que não se trata de exclusividade brasileira ( ou até pelo contrário! ) a preocupação jurisprudencial e doutrinária pela nova forma de entender a tutela contratual pelo direito civil, preferimos encerrar insistindo que não podemos limitar a responsabilidade pós-contratual aos poucos casos previstos formalmente em lei ou às mais recentes interpretações principiológicas dos textos legais, exclusivamente no seu escopo objetivo.A responsabilidade pelo dano contratual, que poderá ter tanto sua origem quanto sua percepção ou efeito material antes, durante ou após o contrato, quando objetiva é proteção adicional da lei ao contratante lesado, mas não poderá jamais servir de ao obscurecimento da culpa e do dolo, por vezes não raras, presentes nas intenções contratantes do poderio econômico.

7-Jurisprudências:

Seguem alguns momentos jurisprudenciais de nossas cortes, para que se possa perceber a importância concreta da boa-fé, como pressuposto básico validador de atos jurídicos e como escopo maior de interpretação contratual:

133103631 – CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE TERCEIROS – CONTRATO DE MÚTUO CELEBRADO ENTRE A CONSTRUTORA E A CEF – PROMESSA DE COMPRA E VENDA – PROMITENTES COMPRADORES – LEGITIMIDADE – HIPOTECA – INEFICÁCIA DA PENHORA – FRAUDE À EXECUÇÃO – INOCORRÊNCIA – HONORÁRIOS DE ADVOGADO – REDUÇÃO – (…) 3. Prevalece o princípio da boa-fé contratual, segundo o qual as partes devem guardar a boa-fé, tanto na fase pré-contratual, das tratativas preliminares, como durante a execução do contrato e, ainda, depois de executado o contrato, razão pela qual os entabulantes (ainda não contratantes) podem responder por fatos que tenham ocorrido antes da celebração e da formação do contrato (responsabilidade pré-contratual) e os ex-contratantes também, por fatos que decorram do contrato findo. 4(…) (TRF 1ª R. – AC 200001000006622 – MG – 3ª T.Supl. – Rel. Juiz Fed. Wilson Alves de Souza – DJU 11.11.2004 – p. 121) JCPC.20.

1700411418 – APELAÇÃO CÍVEL – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO CONTRATUAL – POSSIBILIDADE DA REVISÃO DO CONTRATO – O alcance da justiça social, sob o pálio da igualdade de direitos e deveres, tem sua dimensão e peso na institucionalização da defesa do consumidor, como princípio insculpido na ordem econômica da Carta Política de 1988 (art. 170, inc. V). Desse modo, incumbe ao poder judiciário impedir o desequilíbrio na relação de consumo. Aplicabilidade do código de defesa do consumidor. Declaração de nulidade de cláusulas abusivas. A proteção de determinados interesses sociais passa a ser exigência do ordenamento jurídico baseado na relação de consumo, de molde a valorizar a boa-fé contratual e a legítima confiança do consumidor ou, mesmo, a afastar a lesividade como fator do desequilíbrio negocial. Aplicação da Súmula nº 297 do STJ, cuja redação do verbete é a seguinte: “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. “. Nulidades. Reconhecimento de ofício. As nulidades de pleno direito podem ser reconhecidas de ofício, sob o fundamento de que a relação é de consumo e as normas são de ordem pública e de interesse social (art. 1º da Lei nº 8.078/90). Juros remuneratórios. Face à nova concepção social do contrato, cuja extensão alberga a institucionalização da defesa do consumidor, mostra-se possível o afastamento do excesso cobrado a título de juros remuneratórios, haja vista configurar-se a abusividade e a lesividade no contrato revisando, consoanteo disposto no art. 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor. (…) (TJRS – APC 70009315219 – 14ª C.Cív. – Relª Desª Catarina Rita Krieger Martins – J. 15.12.2005) JCF.170 JCF.170.V JCDC.1 JCDC.51 JCDC.51.IV

186058672 – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO – PROTESTO – TEORIA DA APARÊNCIA – BOA-FÉ – PAGAMENTO A CREDOR PUTATIVO – QUITAÇÃO – PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS – VALIDADE – RECURSO PROVIDO – “note-se que a boa-fé do credor é pressuposto para a aplicação da teoria da aparência. A boa-fé daquele baseia-se na confiança em uma situação aparente geradora da obrigação. Não pode o contratante de boa-fé, por isso mesmo, ser prejudicado por um estado de fato que não corresponde à situação jurídica. ” (…) (AP. Cív. Nº 1999.015993-0, de balneário camboriú, Rel. Des. Marcus tulio sartorato, DJ de 30.09.05). (TJSC – AC 2003.027829-0 – São Lourenço do Oeste – 1ª CDCom. – Rel. Des. Ricardo Fontes – J. 01.12.2005) JCCB.935 JNCCB.309 (negritos nossos)

8-Conclusão:

Afinal, de nada valeria todo esforço redacional de até agora, sem um mínimo de pretensão futura, sem um rumo que se nos servisse ao exercício posterior do direito, que na profissão do ensino, quer nas funções judiciais se por ventura neste caminho seguirmos, quer no exercício postulatório livre da advocacia. Parece-nos que entender o presente e suas tendências é vital para que o futuro não nos agrida sistematicamente, mas nos parece ainda, que mais importante como missão, para estes tais “operadores do direito”, alcova polissêmica por excelência, seria uma decisão de ação pró-ativa numa ou noutra posição. Ou tornamo-nos contratualistas-normativistas-positivistas que, aceitando prontas as condições normativas, submetemos o mundo a elas, esperando utopicamente (como se bem, isto fosse) o dia em que o mundo fosse feito de pessoas obedientes as leis; ou insistimos numa também utopia, que procure um mundo que não precise de leis, mas que, as possuindo, que as tenha em menor quantidade, minimante, mas com uma abrangência principiológica e de valo,r que oriente sua aplicação e interpretação, nos bastando isto para fazer do direito vivo, uma ciência interativamente social, ferramenta a mais para a construção de uma sociedade mais justa.

Minha modesta e humilde posição atual? Ainda acredito naquele mundo “bonito”, para cuja construção até o direito colaborará um dia!