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Considerações acerca da aplicação do Princípio da Execução Menos Gravosa no Processo do Trabalho

Neste trabalho verificar-se-á a possibilidade de se assegurar uma execução menos gravosa ao devedor, sem prejudicar a tutela jurisdicional do empregado exeqüente.

Apesar do empregado, de fato ter direito ao crédito, a satisfação deste seu direito não precisa necessariamente gerar danos ao executado, ao simples fundamento de que na Justiça do Trabalho, todas as decisões mesmo em sede de Execução, em que não podemos mais falar em subordinação entre as partes, devem ser prolatadas tomando como base o princípio protetor.

O artigo 620 do CPC, de aplicação subsidiária a CLT, é claro ao afirmar que a execução deve ser promovida da maneira menos gravosa ao devedor.

Acontece que, em contraponto, este mesmo código, estabelece em seu artigo 655, uma ordem de preferência para nomeados de bens pelo devedor à penhora, prevendo o dinheiro como a primeira hipótese a ser indicada.

Em virtude dos fatos supra citados, atualmente não se espera mais que o devedor indique outro bem, ou quando assim este faz, o credor não o aceita, pleiteando de imediato que sejam bloqueados valores nas contas do executado.

Os Juízos e Tribunais têm quase sempre deferido este pedido, ou até mesmo de ofício, vêm solicitando este tipo de operação, via o Convênio existente entre o Poder Judiciário e o Banco Central, mais conhecido como BACEN-JUD.

Com isso, a constrição patrimonial das Empresas que antes era tida apenas em caráter excepcional, passou a ser rotineira, aparentemente eficaz, e usual.

Entretanto, apesar da efetividade deste procedimento, há de se atentar para o fato que o interesse público, será muitas vezes violado e atingido em vias indiretas, apenas em respeito ao interesse/direito de um particular, em ver o seu crédito solvido de imediato.

Diante da previsão constitucional da função social que possuem as empresas, como por exemplo, de fonte geradora de emprego, de movimentação de capital, etc., somada a realidade de que a própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) resguarda no seu artigo 8o, a supremacia do interesse público em face do particular, deve ser revista esta postura adotada pela Justiça do Trabalho, uma vez que a aplicação inadequada e extemporânea deste tipo de execução pode significar a satisfação de um crédito trabalhista em detrimento de um interesse maior, o interesse público, afetado com a extinção de uma empresa, por exemplo, caso o dinheiro objeto da penhora seja o capital de giro desta.

Diante disto, surge o seguinte questionamento: Até que ponto é legítima e válida a execução trabalhista da maneira como vem sendo procedida na atualidade, em face do Princípio da execução menos gravosa?

O objetivo maior deste trabalho é demonstrar que, em que pese à existência de um crédito trabalhista, a execução em face do dinheiro da empresa deve ser feita com uma maior moderação, dando ensejo à possibilidade da empresa solver a sua dívida por uma das outras vias, previstas legalmente. Atuando assim, a Justiça do Trabalho estará em compatibilidade com o Princípio da execução menos gravosa, em favor dos devedores trabalhistas, sem que isso represente uma afronta ao Princípio protetor que rege o Direito do Trabalho, uma vez que o empregado não deixará de ter o seu direito garantido pela tutela jurisdicional.Para tanto, far-se-á breve estudo a respeito da execução trabalhista e os princípios que a regem, seguida de uma visão crítica em relação ao princípio protetor na atual conjuntura da sociedade, enfatizando a questão da função social da empresa, e da incidência de princípios constitucionais como da proporcionalidade e razoabilidade nas decisões trabalhistas.

Portanto, há de se reconhecer a tamanha relevância do tema que comento, dado ao fato de que a utilização generalizada e desmedida deste tipo de procedimento na execução trabalhista, em curto prazo, pode causar uma grave conturbação social, uma vez que o patrimônio atingido pode ser voltado para a manutenção da empresa e ao pagamento dos empregados que ali ainda trabalham.

Com a conscientização dos futuros operadores do direito e a propagação deste tema entre os que já atuam na área, benefícios serão trazidos tanto para a iniciativa privada como para os trabalhadores, uma vez que estando estes intimamente ligados a ela, serão com toda certeza, atingidos por via reflexa, pela desestruturação do empresário.

EFETIVA APLICAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA

De início, a fim de desenvolver um estudo mais completo, torna-se necessário averiguar qual o significado do vocábulo princípios dentro do ordenamento jurídico, para que somente assim, se possa adentrar e discorrer a respeito dos pontos cruciais de pesquisa deste trabalho.

Os princípios seriam definidos, de acordo com Reale (1991, p. 300) como “certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.

Em seus ensinamentos, os estudiosos dos vocábulos jurídicos, afirmam, a exemplo de Silva (1991, p. 447) que “os princípios são o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica”.

Ainda neste sentido, segundo BANDEIRA DE MELLO (1991), princípios são, por definição, mandamentos nucleares de um sistema, verdadeiros alicerces dele, disposições fundamentais que se irradiam sobre diferentes normas, dando a estas o seu verdadeiro espírito e exata compreensão e inteligência, exatamente por definirem a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe conferem a tônica e lhe dão sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que possibilita a compreensão das diferentes partes componentes do todo unitário que é o sistema jurídico positivo.

Resta, portanto, concluir que os princípios constituem o fundamento maior de uma ciência jurídica, possuindo fundamental importância dentro de um ramo do direito, seja na elaboração da norma legal ou na aplicação em face dos casos concretos.Com relação ao Direito do Trabalho, como forma de conhecimento científico, também possui princípios próprios à formação e aplicação de suas normas.

Passa-se, doravante, a analisar um dos mais importantes princípios peculiares do Direito do Trabalho, qual seja, o princípio da proteção.

Ao contrário do que ocorre no Direito Comum, em que se busca a todo custo a igualdade das partes, o legislador trabalhista teve grande preocupação em estabelecer maior amparo a uma das partes, ou seja, objetivou a proteção do trabalhador.

O fundamento da existência deste princípio é o alcance a igualdade substancial entre as partes, ainda que para isso seja necessária a criação de normas protetivas a apenas uma delas, primado este que se desdobra em regras como tais: in dúbio pro operário, norma mais favorável e condição mais benéfica.Acontece que, como bem salienta José Augusto Rodrigues Pinto, o Direito do Trabalho, como ramo da ciência jurídica, também se servirá obrigatoriamente de outros princípios peculiares a determinados ramos, princípios gerais, como o princípio da razoabilidade de conduta, da proporcionalidade, princípio da boa-fé nos contratos, princípio do não locupletamento com a própria malícia, dentre outros inúmeros, conforme autoriza de forma expressa o artigo 8o da Consolidação das Leis Trabalhistas. (PINTO, 2003, p.80).

Frise-se que, o próprio artigo 8o da CLT, ainda preceitua de maneira inequívoca que, quando da aplicação dos princípios, há de se atentar para que esta ocorra sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Ou seja, na aplicação da legislação trabalhista, não se poderá prestigiar o interesse de classe ou particular em detrimento do interesse público. Nota-se aqui que, em que pese à existência do princípio protetor, o que sempre deve importa é o interesse coletivo. Se o interesse público estiver em jogo, não serão utilizadas as regras.

O parágrafo único deste mesmo artigo declara a aplicação subsidiária do Direito Comum, consoante também faz o artigo 769 da CLT, quanto às leis processuais.

A execução é, sem sombra de dúvidas, a fase processual do Direito do Trabalho, que envolve mais complexidade e desafio à função judicante, quanto à aplicação dos princípios, já que é nela que se vislumbra verdadeiramente a prestação jurisdicional, com a entrega do bem da vida perseguido no processo.

Não bastasse a complexidade peculiar desta fase processual, o legislador demonstra seu descaso com essa fundamental fase de procedimento trabalhista na abordagem tímida e superficial que empresta à matéria, regulada por apenas 17 artigos, os artigos 876 a 892 da CLT. Agrava o quadro com a remissão a quase desconhecida Lei nº. 6.830/80 que, por não preencher todas as lacunas da CLT, exige à aplicação do Código de Processo Civil.

A execução trabalhista, como é de se esperar, também possui princípios próprios a sua fase, que costumam seguir a mesma lógica dos princípios do Direito Material do Trabalho, mas precisamente o princípio da proteção; dando origem a princípios como o da Superioridade do Exeqüente Trabalhista, “axioma” segundo o qual a execução se faz no interesse e benefício unicamente do Exeqüente.

Preocupados com o tratamento ministrado à execução trabalhista por Juízos e Tribunais, nem sempre atentos ao escopo dos princípios norteadores da Ciência Jurídica como um todo, limitando-se apenas aos do ramo do Direito do Trabalho, embora a própria CLT determine o contrário, tenta-se demonstrar que o surgimento de inúmeros problemas seria facilmente sanável, caso atuassem identificando e analisando corretamente os princípios de aplicação possível, sem prejuízo a efetividade da prestação jurisdicional e sem, no entanto, causar danos ao devedor, ao Executado.

Esta linha de raciocínio pretende reconhecer a possibilidade de se assegurar uma execução menos gravosa ao devedor, sem prejudicar o empregado, baseada em princípios constitucionais como da razoabilidade e proporcionalidade, da existência real de compatibilidade com o processo do trabalho com base no artigo oitavo da CLT, do princípio da execução menos gravosa, previsto no artigo 620 do CPC, pela relativização da ordem preferencial prevista no artigo 655 do mesmo código, além da proteção ao primado maior que é o da proteção ao interesse público, diante da função social das empresas. Ponto crucial a ser abordado neste sentido é o da conveniência da penhora relativa ao capital de giro da empresa executada, para o início da Execução Trabalhista.

Diversas são as opiniões a respeito deste assunto, a grande maioria com enfoque conservador, afirmando que a fase de execução se dá no interesse do credor, diante de dívida inconteste e que o artigo 620 do CPC é costumeiramente invocado pelos devedores numa interpretação diversa. Asseverando que o interesse do credor tem total prevalência na fase executória, e somente com total respeito a ele, deve o juiz buscar a maneira menos gravosa para o devedor, mesmo assim, devendo essa ser entendida de forma restritiva, no sentido de não aumentar desnecessariamente as despesas da execução.

Em contrapartida, como bem ressalva José Eduardo Duarte Saad,

na Justiça do Trabalho, até época recente, era exceção a penhora de dinheiro no início da execução com o conseqüente depósito seu em banco oficial. A regra era que a penhora fosse realizada sobre outros bens ou direitos ofertados pela Reclamada, pois havia o entendimento de que era preferível que o dinheiro continuasse a ser aplicado, como seu capital de giro, na produção de bens e riquezas. Somente quando todos os incidentes processuais eram sanados, e antes dos bens ou outros direitos penhorados fossem para o leilão, havia a iniciativa de que a Reclamada efetuasse o pagamento em dinheiro ou então, a penhora imediata de dinheiro, ocorrendo, portanto, a substituição do bem penhorado. (SAAD, 2005, p. 02)

Com a instituição em normas administrativas da chamada penhora on-line, passou a ser regra a penhora de dinheiro logo no início do processo de execução, ficando a Reclamada privada dessa quantia em dinheiro necessário para seu capital de giro, por todo o tempo em que perdurasse o processo. O fundamento utilizado para tanto é a ordem de preferência para nomeação dos bens pelo devedor, estipulada no artigo 655 do CPC, que prevê o dinheiro como o primeiro que a ser nomeado.

Em que pese a existência dessa ordem para nomeação de bens pelo devedor a penhora, prevista no artigo 655 do CPC, os Tribunais Superiores, notadamente o Superior Tribunal de Justiça, têm tido jurisprudência no sentido de que:

“A ordem legal estabelecida para a nomeação de bens à penhora não tem caráter rígido, devendo sua aplicação atender às circunstâncias do caso concreto, à potencialidade de satisfazer o crédito e à forma menos onerosa para o devedor” (RSTJ 127/343; e no mesmo sentido temos o RSTJ 150/405).

Como se vê, esta rigidez de que o dinheiro, em primeiro lugar, deve ser penhorado, teve que ser atenuada por essa jurisprudência, em respeito e atenção a ressalva prevista em uma norma cogente, imperativa contida no já mencionado artigo 620 do CPC, veja-se:

“Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 1973)

Assim, como também afirma Saad (2005, p.05), na forma do art. 620, do CPC, “se houver vários meios através dos quais a execução possa ser promovida, deverá (não poderá, porque é dever e não faculdade) o juiz determinar que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

Ademais, este princípio já constava no artigo 903, do velho CPC de 1939. E seu fundamento é de ordem pública, de forma que a não observância dele acarreta sanções para o credor (e porque não dizer para o próprio Estado) que responderá, mesmo que de forma indireta, pelas custas de onerosidade e danos que causar ao devedor – executado.

Fulcrando seu raciocínio de que haja a obtenção do fim pretendido na execução, que é a reparação plena, mas com o menor sacrifício possível para o executado, o eminente doutrinador Humberto Theodoro Jr. em seu artigo intitulado de “A impossibilidade da penhora do capital de giro” (conf. RF 340/113. RJ 239/32, www.forense.com.br /ef08a3.htm), diz:

conjuga-se tal princípio com outros, como o da “utilidade”, o da “limitação” e o da “dignidade humana”, de modo que toda execução tem por finalidade apenas a satisfação do direito do credor, devendo atingir senão uma parcela do patrimônio do devedor, ou seja, apenas o indispensável para a realização do crédito exeqüendo. Só se admite, outrossim, a execução que seja ” útil ao credor”, não sendo tolerável o seu emprego para “castigo ou sacrifício do devedor”. E, ainda, não se tolera que o direito de executar possa ser manejado de tal maneira a levar o executado a uma situação incompatível com a dignidade. (JÚNIOR THEODORO, 2005, p.05)

Desse modo, a gradação legal estabelecida pelo artigo 655 do CPC não é absoluta, devendo ser interpretada em consonância com o princípio da menor onerosidade (art. 620 do CPC).

Conclui Pontes de Miranda (1976), em comentários ao código, que “na aplicação do art. 620, o juiz não tem arbítrio, mas sim dever de escolher o modo menos gravoso para o devedor”.

Logo, apesar do dinheiro ocupar o primeiro lugar na escala de preferência para a penhora, não é tolerável sua constrição quando esteja ele representando o capital de giro da empresa devedora e disponha essa de outros bens livres capazes de assegurar o juízo, adequadamente.

Trata-se claramente da necessidade de aplicação do princípio constitucional da razoabilidade, por uma questão de congruência, caso em que a norma, concebida para ser aplicada em determinado contexto sócio-econômico, não mais possui razão para ser aplicada, e também por equivalência, entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.

Além disso, a prática dos atos matérias de execução também se subordina ao princípio da proporcionalidade, já que toda ingerência do Estado na esfera de direitos individuais dos cidadãos deve se dar da forma menos gravosa possível. Tal regra se impõe tanto ao Juiz, como à Fazenda Pública, quando esta for exeqüente. Os atos materiais do processo de execução deverão, ainda, observar a intangibilidade de uma série de bens reconhecidos pela lei como impenhoráveis, a exemplo do bem de família.

A explicação para a aplicação do princípio da execução menos gravosa no processo do trabalho, está intimamente ligada ao fato de que a empresa não é uma figura estática, se resumindo a um mero patrimônio. Trata-se de um organismo vivo, e cuja preservação interessa a toda a sociedade e não apenas a seus associados, pela reconhecida função social que desempenha na geração de empregos, na circulação da riqueza e na produção de bens e serviços úteis e necessários à vida comunitária, sinalizada no artigo 5o, XXIII da Constituição Federal do Brasil de 1988.

Privar uma empresa de seu capital de giro equivale a suprimir-lhe o elemento que lhe assegura a vida. É o mesmo que condena-la à morte.

O que se pretende propagar com este projeto é que haja sensibilização para que, tendo em vista os termos do artigo 620, do CPC (execução menos gravosa do devedor) e os malefícios da “penhora on-line”, ou seja, da execução em dinheiro, realizada logo no início da execução, retirando apreciável quantia de dinheiro formador do Capital de Giro da empresa-reclamada, a Justiça do Trabalho se abstenha de adotar esse tipo de ato pelo menos nesse momento processual, retomando-se à posição histórica anterior.

Que haja, assim, a penhora no início do processo de execução, porém, incidindo ela sobre outros bens, que não seja dinheiro, e outros direitos, observando-se os incisos II e seguintes, do artigo 655, do CPC, recomendação essa totalmente procedente neste momento em que existe pouco dinheiro em circulação para investimento e para o capital de giro das empresas em geral, que poderão, assim, gerar mais empregos, ou até mesmo, manter o quadro de empregados já existente.

Diante da iminente propagação, e do suposto “sucesso” dessa forma de execução na Justiça do Trabalho, torna-se imprescindível à dissipação das ponderações objeto deste projeto, para se evitar problemas maiores a sociedade no futuro, já que por certo, a Justiça dos Estados e até mesmo a Federal, venham a adotar aleatoriamente este mesmo procedimento.

Dessa forma, o que por ora se objetiva não é o direcionamento da fase de execução trabalhista à fraude e abuso do exercício do poder do empresário, diante da responsabilidade emoldurada pela função social da empresa, mas sim, dar vida a uma postura mais correta, isonômica de tratamento entre as partes, já que o princípio mestre do direito do trabalho, qual seja o da proteção, merece ser relativizado nesta fase processual, vez que a subordinação, um dos requisitos principais deste primado, não mais existe no momento da Execução.