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A Irrevogabilidade da Adoção

Diante deste cenário de imensa proteção aos direitos da criança e do adolescente, ocorreu a unificação do instituto da adoção, ou seja, deixaram de existir as duas espécies da adoção – simples e plena – e passou a existir somente a adoção plena, aplicável a qualquer adotando independentemente da sua idade.

Uma das principais características da adoção plena é a irrevogabilidade, isto porque, conforme se verá, trouxe uma maior estabilidade ao referido instituto, na medida em que diminuiu a insegurança existente tanto para o adotante quanto para o adotado, que antes poderiam revogar a adoção existente de forma muito fácil.

Mas a irrevogabilidade da adoção nem sempre existiu no ordenamento jurídico brasileiro e, somente após o ingresso deste efeito em diversas legislações estrangeiras, foi que o Brasil resolveu adotá-lo para impor uma maior efetividade ao instituto aqui estudado.

Pois bem, no Brasil, até a criação da lei de legitimidade adotiva em 1965 , a legislação que regulamentava a adoção era basicamente o Código Civil de 1916. Neste Código, o tradicionalismo do instituto era forte, já que eram exigidos muitos requisitos, às vezes, inadequados e ainda inibidores em relação aos adotantes, que diante de tantas exigências eram desestimulados a adotar.

Com a promulgação da lei de legitimação adotiva, abriu-se uma nova perspectiva para o instituto da adoção. Nesta lei, já se pode ser verificada uma maior preocupação com o adotando e não somente com o desejo do indivíduo que pretende adotar. E, com o intuito de garantir a segurança que não existia anteriormente, criou-se a adoção irrevogável. Ou seja, as crianças com idade igual ou inferior a sete anos de idade poderiam ser adotadas de forma irreversível.

Esta referida lei, ao conceder o efeito da irrevogabilidade à adoção do menor de até sete anos de idade, constitui-se um precedente bastante importante na proteção dos direitos da criança e do adolescente.

De toda forma, apesar da sua revogação expressamente efetuada pelo Código de Menores de 1979 , pode ser entendido que a lei de legitimidade adotiva não foi revogada com relação ao seu conteúdo, pois este foi mantido quase que integralmente pelo citado Código, só que, com uma nova roupagem denominada de “adoção plena”.

Durante a vigência do Código de Menores de 1979, existiam duas espécies de adoção: a adoção simples e a adoção plena. Estas espécies constituíam-se como medidas de assistência e proteção aplicadas somente ao menor em situação irregular pela autoridade judiciária, conforme prevê os artigos 14 e 17 do referido Código.

A título informativo, convém citar que, neste momento histórico, para alguns autores, não existiam apenas a adoção simples e adoção plena. Para Antônio Chaves, por exemplo, existia, além da adoção simples e da plena, a adoção civil. Segundo ele, com a promulgação do Código de Menores

Foram mantidos íntegros os dispositivos do CC relativos à adoção tradicional, nele regulamentada; ficou reservada a adoção simples ao menor em situação irregular, que dependeria de autorização judicial, e foi alterada a denominação da legitimação adotiva, que passou a ser adoção plena.Tivemos, pois, então, três modalidades de adoção:- a adoção do CC e leis complementares;- a adoção simples, de que cuidam os arts 20; 27; 28; 82; 83, III; 96, I; 107-109, da Lei 6679;- a adoção plena, regulada pela mesma Lei nos arts. 29-37 e 107-109 .

Contudo, para este trabalho, será entendida a existência apenas das espécies de adoção simples e plena, haja vista a consideração de que a adoção simples engloba a civil.

Pois bem, a adoção plena prevista no Código de Menores nos seus artigos 29 a 37, tem por objetivo “proporcionar um lar às crianças que não o possuam. Visa dar à criança o calor da afeição e a segurança da vida familiar (…). Propõe-se a formar um clima afetivo e psíquico entre o filho e os pais adotivos, uma ambiência igual à da família biológica “.

Esta adoção era cabível ao menor de até sete anos de idade, que se encontrava em situação irregular, privado das condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, e, em razão de falta, ação ou omissão dos pais ou responsável e da manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las. Somente nestes casos, portanto, poderia o menor ser agraciado com a adoção plena, na qual lhe seria atribuído situação de filho, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes de sangue.

Já a adoção simples estava prevista no referido Código de Menores e também no Código Civil vigente. Como a adoção plena apenas abrangia os menores até sete anos de idade em situação irregular, consequentemente, os menores com idade a partir de sete até os dezoito anos e ainda, os maiores de dezoito anos, submeter-se-iam a espécie da adoção simples.

Esta adoção, como já mencionado, limita-se a criar parentesco apenas entre o adotante e o adotado, não extinguindo os laços com a família de sangue e ainda prevê a possibilidade de revogação.

De acordo com determinação expressa do próprio Código de Menores, a adoção simples do menor entre sete e dezoito anos era regida basicamente pelo Código Civil. As únicas diferenças existentes entre as adoções do Código Civil e do Código de Menores era que nesta última havia previsão da necessidade de autorização judicial, ao invés de somente ser efetuado o registro em cartório público e ainda, do estágio de convivência do adotando com o adotante.

Dentre as principais características, a que aqui interessa é a revogabilidade da adoção prevista de forma expressa nos artigos 373 e 374.

Com efeito, a adoção simples, aplicada tanto aos menores quanto aos maiores de dezoito anos, poderia ser revogada no ano imediato ao que cessar a menoridade ou a interdição, quando as duas partes conviessem, havendo, portanto, um distrato e ainda, nos casos em fosse permitida a deserdação.

Assim, com esta previsão do Código Civil, a adoção poderia ser revogada de forma muito simples, por quaisquer motivos, ínfimos, fúteis, etc. Ou seja, a adoção poderia ser revogada sem serem observados as necessidades do menor. Em verdade, o menor e suas necessidades básicas, às vezes, nem eram colocados como o objeto principal para manutenção da adoção, quando deveria ser de forma obrigatória.

Devido a esta instabilidade existente neste tipo de adoção havia

uma posição temerosa de muitos casais sem filhos que têm desejo incontido de receberem em sua vida a criatura que a natureza lhes negou, mas vacilam e não raro desanimam por faltar a garantia legal de que não lhes venha a ser tomada, depois de se fortalecerem os laços de afeição .

Nesse mesmo sentido, assevera Clóvis Beviláqua que

muitos casais ricos gostariam de adotar uma criança, que se transformasse num verdadeiro filho, mas têm medo de futuramente aparecerem os pais naturais reclamando o filho, de não poderem lhe dar somente o nome, de não ser equiparada inteiramente a um filho legítimo. Uns desistem, outros enveredam, embora com fins altruísticos, para a seara dos registros fraudulentos.

Com isso, resta claro que a adoção, com a possibilidade de ser revogada por determinados motivos regida pelo Código de Menores e pelo Código Civil, não atendia às perspectivas de proteção da criança e do adolescente.

Por isso, existia uma necessidade de transformação do instituto da adoção, num instituto capaz de efetivar os direitos destes indivíduos em condição especial de desenvolvimento, qual seja, a adoção plena.

Porém, ao se iniciar uma trajetória crescente em favor da adoção plena como única e eficaz forma de proteção dos direitos da criança e do adolescente, muitos foram os inconvenientes apresentados. Dentre estes, houve as alegações de que,

implicando na publicidade da inexistência do vínculo de sangue com a família originária, pode ocasionar prejuízo, quando menos seja, psicológico, erigindo, em última instância, em instituição jurídica, lícita e fomentada, a falsidade do estado civil; que, retirando o adotado pleno de sua família de sangue, podem-se-lhe ocasionar prejuízos, por exemplo, em matéria de direitos sucessórios, invoca-se ainda a posição dos parentes do legitimante, que, sem o seu consentimento, veriam insinuar-se um elemento estranho na família, preterindo eventuais direitos sucessórios; surgiria a situação vexatória decorrentes da não aparência de impedimentos matrimoniais na realidade existentes .

Tais inconvenientes apontados, contudo, não passavam de insinuações de ordem utópica, como o próprio Antônio Chaves indica, em contrapartida das vantagens trazidas pela adoção plena, que são reais, ou seja, podem ser percebidas facilmente na realidade social .

E, para demonstrar que adoção plena deveria ser unificada, pois a irrevogabilidade tem papel importante na efetivação dos direitos dos menores, faz-se interessante transcrever a justificação utilizada pelo projeto da lei de legitimidade adotiva:

Um dos paradoxos do trabalho de proteção ao menor sem pais é que há milhares de lares sem prole clamando por filhos e centenas de lares cheios de crianças privadas de vida familiar (…).Como medida do tratamento do menor privado de lar, ou lar desajustado, os países civilizados vêm empregando a colocação familiar, o subsídio à família e a legitimação adotiva, uma das formas de adoção. O Serviço Social do Juízo de Menores da comarca de Belo Horizonte tem adotado, a titulo de ensaio, as duas primeiras formas de tratamento.A adoção, como é prevista no Código Civil, é impraticável como medida de proteção ao menor. A pobreza dos erários tem restringido a área de aplicação do subsídio à família necessitada e da colocação familiar remunerada.Para contornarem o óbice, os Juizados de Menores autorizam o trabalho prematuro do menor ou homologam a delegação do pátrio poder.Ambas as providências são desaconselháveis: o trabalho prematuro prejudica a saúde e a formação da criança; e a delegação do pátrio poder enseja a insegurança do menor, que, depois de criado, é retomado pelo pai negligente ou indigno, ou é meio de exploração do menor (…)O que é, porém, mais grave são as praxes ilegítimas suscitadas por essa situação de fato: a inscrição no Registro Civil de filho alheio como próprio, o reconhecimento de filho de mãe solteira pelo casamento com terceiro (…).Ora, a legitimação adotiva, mais do que as duas medidas citadas, dá à criança a ambiência humana de um lar a segurança da vida familiar .

Além da justificativa acima apresentada, ainda pode ser citado, como exemplo dessa preocupação com a proteção dos direitos infanto-juvenis efetivada através da adoção plena, o projeto de lei apresentado pelo deputado Salim Curiati, que buscava alterar o artigo 30, do Código de Menores de 1979, para aumentar a idade de sete para dezesseis anos das crianças em situação irregular beneficiadas pela adoção plena, senão veja-se a relevante justificação do projeto :

Torna-se cada vez mais alarmante a situação do menor em nosso país. Dispensável se o recurso às estatísticas para comprovar este estado alarmante, pois nas ruas, diariamente somos assaltados pela realidade do abandono e da delinqüência que tomam conta dos menores.O Código de Menores (…), ao invés de constituir uma solução para tal problema, é, na realidade, uma declaração de intenções, (…) naqueles poucos princípios daquele estatuto que funcionam relativamente bem, ocorrem falhas e lacunas que devem ser corrigidas ou supridas no mais breve tempo.É o caso, por exemplo, de só se admitir a adoção plena – desenvolvimento do instituto da legitimação – a menores em situação irregular que contém, no máximo, sete anos de idade.Essa limitação está completamente divorciada de nossa realidade. A legião de menores abandonados compreende uma faixa etária muito ampla (…). Por que não se estender a adoção plena até, pelo menos, a idade considerada, para fins civis, de incapacidade absoluta?Dir-se-á que a função do legislador foi de proteger a infância abandonada e que até os sete anos há possibilidade de moldar o adotante o caráter do adotando, sendo improvável que o faça em relação aos que tiverem idade superior. Este raciocínio seria plausível se estes (…) tivessem real assistência do Estado, o que não acontece.De mais a mais, a lei não precisará obrigar, como nunca obriga ninguém a adotar. Se existem pessoas dispostas a assumir o enorme encargo da adoção, cabe a elas, na sua ampla apreciação subjetiva, decidirem sobre acolher um menor em tal ou qual idade.

Assim, perceba-se que a necessidade de implantar a adoção plena e irrevogável para dar mais segurança ao instituto e aumentar a proteção aos direitos da criança e do adolescente não é preocupação recente na doutrina, jurisprudência, enfim, na sociedade brasileira, porém, faltava boa vontade do Congresso Nacional em aprovar legislações com medidas mais eficazes de proteção dos direitos infanto-juvenis e, consequentemente, uma maior aplicação dessas medidas.

Foi somente com o advento da Constituição Federal de 1988 que, ao introduzir, através do artigo 227, a co-responsabilidade existente entre o Estado, a família e a sociedade no que toca aos direitos da criança e do adolescente, o problema passou a ser tratado com maior seriedade dentro das legislações nacionais que regulamentavam o instituto da adoção como forma de suprir as necessidades não exercidas pela família natural através da família substituta. Isto já pode ser notado, logo após, com a promulgação do tão esperado Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.

Com efeito, o ECA, de forma muito expressa, determinou a concessão da adoção plena à todos os menores, independente de idade e situação em que se encontrasse. Dessa forma, como assevera Régis de Sousa

não só ampliou o próprio campo de abrangência da adoção, ao acolher a teoria da proteção integral em lugar da mera proteção do menor em situação irregular, como, também, unificou as formas de adoção previstas no Código de Menores, cuidando agora de apenas de uma só: adoção.

A partir de então, não haveria mais a possibilidade de revogação da adoção do menor, tendo esta eficácia definitiva, “para que a família substituta coincida cabalmente com a família biológica, no cumprimento de igual interesse de ambas: oferecer à criança o meio de formar e desenvolver a sua personalidade “. Ressalte-se que esta unificação da adoção ocorreu apenas em relação ao menor. Isto porque, o Código Civil de 1916 ainda continuava em vigor, apesar de apresentar-se contrário ao princípio da proteção integral trazido pelo ECA, principalmente em relação à revogabilidade da adoção.

A adoção simples e a plena, portanto, ainda continuavam a conviver dentro do ordenamento jurídico brasileiro, como pode ser comprovado através do Acórdão do Tribunal do Rio Grande do Sul a seguir transcrito:

REVOGACAO DE ADOCAO. A Constituição federal de 1988, trouxe, insculpido no parágrafo 6º, do artigo 227, a regra da igualdade entre os filhos, proibindo quaisquer discriminações relativas à filiação. Após, o Estatuto da criança e do adolescente (lei n. 8069), que regula a adoção dos menores de dezoito anos (art. 40), referiu, expressamente, a irrevogabilidade da adoção (art. 48). Diante da disposição constitucional, inserida no capitulo VII, que trata da família, da criança, do adolescente e do idoso, e frente às regras do estatuto da criança e do adolescente, a doutrina e a jurisprudência tem defendido a existência de duas espécies de adoção: uma, regida pelo Código civil, aplicável aos nascituros e aos maiores de dezoito anos, e a outra, pelo Estatuto da criança e do adolescente, a que se submetem os menores de dezoito anos. Aquelas regidas pelo código civil, aplicam-se as normas referentes ao desligamento e a dissolução da adoção, enquanto que, nas adoções submetidas ao estatuto da criança e do adolescente, vige o principio da irrevogabilidade. A adoção do menor de dezoito anos obedece ao estatuto da criança e do adolescente (art. 40) e é irrevogável. Os efeitos dessa legislação são imediatos, ou seja, atingem as adoções que foram constituídas preteritamente. Portanto, com o advento da Constituição federal de 1988 e do Estatuto da criança e do adolescente surgiu o principio da igualdade da filiação, que informou a regra da irrevogabilidade da adoção, incidente no caso dos autos. Apelação provida .

Com a promulgação do Código Civil de 2002, a adoção plena passou definitivamente a ser a única forma de adoção. A partir de então a adoção de qualquer indivíduo, seja ele criança, adolescente ou adulto será plena, abrindo-se – não só a crianças abandonadas, mas a todos os que precisem,

“o caminho cada vez mais a concepção que considera do ponto de vista primordialmente social, destinado a proporcionar não só assistência material e espiritual, como, principalmente, afeto, calor humano, ambiente familiar ” Como demonstração de que, atualmente, a adoção está mais fácil e segura, cite-se a reportagem de capa do dia 15 de novembro de 2006 da revista “Isto é”, de grande circulação no Brasil, a qual vem informar à população sobre o crescimento da adoção, suas facilidades e entraves, demonstrando, ao fim, como o processo está mais seguro.

Ademais, convém esclarecer que, para o caso da adoção plena não atingir o seu objetivo precípuo de fazer a criança crescer no seio da sua família de forma saudável e tranqüila, em respeito a todos os seus direitos previstos constitucionalmente, a adoção não será revogada, ficando demonstrado que “a adoção plena corresponde a uma verdadeira filiação, com quase todos os deveres e direitos que lhe são inerentes “. O que poderá ocorrer é somente a destituição do poder familiar e posteriormente, ser efetuada uma nova adoção desse menor.

Portanto, a adoção mostra-se um mecanismo importante, pois, o interesse maior do menor é resguardado, ao mesmo tempo em que permite que pessoas impossibilitadas de terem filhos legítimos ou não, adotem uma criança ou adolescente de forma segura, sem possibilidade de revogação.