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Improbidade administrativa

A partir do momento em que os agentes públicos deixam de agir sob a égide e a luz da moral, configura-se no plano material a improbidade administrativa, que traz prejuízos à ordem pública e social. Pretende-se, ainda, abordar a importância da distinção entre moralidade administrativa e probidade administrativa, ambos conceitos indeterminados, bem como os conceitos de ilegalidade e improbidade. Far-se-á uma breve análise acerca dos atos de improbidade, bem como de possíveis inconstitucionalidades da Lei nº 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

A administração estatal é exercida por atores sociais denominados de servidores públicos, bem como por agentes políticos. No entanto, no estado de direito, o Estado também é incumbido de direitos e deveres. As leis são do Estado para o povo e para o Estado. Com isso, os atos da administração pública que acarretem em danos a sociedade devem ser punidos e ressarcidos. Daí surge o conceito de improbidade administrativa. Tendo em vista que todos os atos devem estar em consonância com a legalidade, quando foge desta (probidade) recai na improbidade. Todos os atos da administração devem ser motivados, voltados para o interesse público, sob pena de nulidade. Devem ter como fundamento a legalidade e a moralidade para não recair na improbidade. Esta é combatida através da lei 8429/92, que, apesar de ter sua constitucionalidade questionada, é instrumento de controle dos atos administrativos, para que este esteja em consonância com a legalidade e moralidade. Tem-se em vista que esses dois conceitos não se confundem, mas ambos são norteadores da administração pública. Os atos que configurem improbidade são passíveis de reparação, no entanto o objetivo maior é a punição do agente. Pode-se dar através de ação civil pública, e terá prerrogativa de foro o agente se ainda na posse de suas funções, conforme giza a CF/88.

Este artigo tem em vista as atividades do ente estatal que resultam em improbidade administrativa. A partir desse termo questiona-se a sua real natureza jurídica, devido a discussões doutrinarias, em termos de ser cível, penal ou meramente administrativa, bem como a constitucionalidade da mesma. Em seguida vem traçar um paralelo entre a improbidade e a ilegalidade dos atos.

A pesquisa se baseia em leitura de artigos e textos relacionados ao tema tratado. Não pretende este, esgotar a discussão acerca do tema, mas tão somente levantar alguns questionamentos e traçar paralelos.

Natureza Jurídica

A definição de improbidade administrativa deriva, na verdade, da definição de probidade, que deve ser a regra. Se a probidade administrativa poderia ser a essência da atividade política, passa a ser uma obrigação moral. Por isso é passível apenas de conseqüências jurídicas legalmente previstas. Ou seja, a improbidade administrativa, que do ponto de vista natural, seria todo e qualquer ato em detrimento do bem comum, passa a ser apenas aquelas condutas previstas no direito positivo, o qual, por sua vez, surge exatamente dentro da atividade política, e é fruto de suas virtudes e defeitos.

No entanto, probidade não se confunde com moralidade. Para Fernandes , a improbidade é gênero enquanto a moralidade é espécie. Isto porque a ato de imoralidade afronta tão somente a honestidade, a boa fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta aceitas pelos administrados, o dever de lealdade, a dignidade humana e demais postulados éticos. Sendo que a improbidade significa a má qualidade de uma administração, pela prática de atos que implicam em enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário ou, ainda, em violação aos princípios que orientam a pública administração. Esta tem uma abrangência muito maior que aquela. Pode-se concluir, então, que todo ato contrário à moralidade administrativa é ato configurador de improbidade. Porém, nem todo ato de improbidade administrativa representa violação à moralidade administrativa.

Faz-se necessário evocar a origem da natureza jurídica da improbidade administrativa na Constituição de 88, no que dispõe o artigo que segue:”art. 37…………………………….§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da Ação Penal cabível”.Conforme reza a própria Lei nº 8.429/92, considerando-se a orientação vinda da Constituição Federal (“sem prejuízo da sanção penal cabível”), há evidente afastamento entre improbidade e crime. “Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica”, destaca o caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/92, para depois fixar sanções próprias ao ímprobo.

Matéria de improbidade, portanto, é matéria não-penal. Improbidade administrativa não será crime pela simples razão de se revestir de uma tipificação própria, compartimentada em uma lei própria, absolutamente afastada do contexto criminal. Há uma e outra definição e incidência das respectivas sanções e exercício da persecução judicial através dos respectivos veículos processuais (no crime, a Ação Penal, na improbidade, a ação civil pública). Sendo assim, a natureza jurídica propícia à improbidade administrativa é de responsabilidade civil, responsabilidade que é administrativa em sentido amplo e responsabilidade que tem nítido traço constitucional. Dir-se-ia cogitar de uma figura especializada, que é administrativo-constitucional em essência.

2. Constitucionalidade do art 11o da Lei 8429/92.

A lei em si já vem dotada de certa inconstitucionalidade, haja vista que é formalmente inconstitucional porque não foi aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional, tendo havido, assim, desobediência à norma do art. 65 da Constituição. A conseqüência disso é a invalidade formal dos atos legislativos editados pelo Poder Legislativo.

A Lei 8.429/92, na verdade, classifica, definindo, os atos de improbidade administrativa em três tipos:I) enriquecimento ilícito;II) prejuízo ao erário;III) atentam contra os princípios da administração pública.Os artigos (caput) que definem o que sejam improbidade são dotados de genericidade, em contrapartida fixando-se nos incisos algumas hipóteses concretas específicas, sendo, ainda assim, eles próprios, o tipificador de condutas não esgotadas na exemplificação.

O art 11o se focaliza tão somente o atentado contra os princípios reitores da administração pública, havendo ou não prejuízo monetário, é uma exceção à regra. O elemento subjetivo necessário é exclusivamente o dolo, que se concebe como o direcionamento à violação dos princípios.

“art 11 Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições ”

Esse artigo repreende a má-fé do agente e não condutas propriamente ímprobas. Como devidamente exposto, há uma diferença entre uma conduta imoral e ímproba. Além disso, esse princípios já tem previsão Constitucional, e a isto se deve a obrigação da obediência, por ser aquela, o vetor de toda legislação infraconstitucional bem como dos atos incumbidos á administração pública. Além disso, os princípios constitucionais são impostos e direcionados a Administração direta .

Questiona-se a constitucionalidade de tal dispositivo uma vez que possibilita que se qualifique como ato de improbidade qualquer ilegalidade praticada por agente público, gerando assim uma verdadeira confusão na ordem jurídica, ou seja, um mero fato administrativo passível de advertência e sanção disciplinar na esfera interna, poderia ser interpretado exageradamente como um ato de improbidade administrativa por violação ao art. 11. No entanto, como se vê mais adiante, a improbidade não se confunde com mera imoralidade nem tampouco com a ilegalidade. São institutos diferentes, cada um com sua previsão legal, seja normativa ou principiológica.

“O referido dispositivo (artigo 11) abre o precedente da interpretação, pois em seu caput define, genericamente, os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, e isto exige que se observe, para a caracterização do ato ímprobo, a existência de ação ou omissão dolosa do agente pública, e que esta ação ou omissão importe em perigo de dano ao patrimônio público, a fim de que um mero ato punível por sanção disciplinar na esfera interna da Administração não venha a ser considerado como crime de improbidade.”

Ilegalidade X Improbidade

É comum confundir ato de improbidade administrativa com ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, pressuposto básico da ação popular. A improbidade tem conceito definido em lei (Lei n º 8.429/92, arts. 9°, 10 e 11), e por isso não pode se confundir com mera ilegalidade. O conceito de improbidade é bem mais amplo do que o de ato lesivo ou ilegal em si. Neste sentido, pode-se conceituar o ato de improbidade administrativa como sendo todo aquele praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, com visível falta de honradez e de retidão de conduta no modo de agir perante a administração pública .

Por ser a questão da improbidade uma questão jurídica positiva, o direito administrativo, como direito público, é pautado pelo princípio da legalidade.

O princípio da legalidade informa que um órgão estatal não pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, pelo fato de ser o próprio Estado fruto da ficção jurídica.Não basta a legalidade formal, mas que essa legalidade esteja pautada pelo princípio da moralidade, que se traduz inexoravelmente em interesse público.

A própria Constituição, como idéia representativa da garantia do cidadão através da limitação do poder estatal visa exatamente defender o cidadão da volúpia de poder por parte do agente público, restando a proibição da improbidade administrativa no art. 37, § 4º da atual Constituição Federal.

Enfim, ato administrativo probo é aquele que cumpre fielmente a lei, não só formalmente, mas, ainda no seu desiderato último de promover o bem comum e o interesse público .

Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meirelles que a natureza da administração caracteriza de múnus público quem a exerce, fixando como finalidade sua o bem comum da coletividade administrada, sob pena de desvio de finalidade, ou seja, a sua corrupção, quando não atende os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da finalidade, o que deve ser garantido pelo princípio da publicidade.

Desse modo a legalidade está sempre associada à moralidade, dando-se a ilegalidade do ato administrativo quanto à competência, à finalidade, à forma, ao objeto e ao motivo e, dá-se a improbidade administrativa quando o ato administrativo não atende a finalidade de bem comum, sendo fruto do mero interesse particular, seja pessoal ou de determinados grupos.

Prerrogativa de Foro

O ato administrativo deve ser motivado, com base no principio da legalidade, objetivando maior controle da atividade estatal. Tem-se como certo que a validade dos atos administrativos vincula-se aos motivos indicados pelo administrador como seu fundamento, sob pena de nulidade.

A lei 8429/92 não prevê a competência para a apreciação das ações contra atos de improbidade administrativa. É inegável o cunho civil da ação de improbidade administrativa, como já abordado anteriormente, ressalvados os aspectos criminais com Ação Penal própria, ainda que muitos ilícitos civis correspondam a tipos penais definidos (crimes de responsabilidade).

A Sumula 394 do STF, que garantia o foro especial por prerrogativa de função a ex-detentores de cargos públicos, por crime cometidos durante o exercício da função, foi cancelada. No entanto, é de discussão a possibilidade de extensão do privilegio de foro para essas autoridades, em casos de causas cíveis de improbidade administrativa.

Oras, a CF/88, em seus artigos 102, I, c e 105, I, a, estabelece a competência originaria para julgados com foro especial por prerrogativa de função. Em conseqüência disso, tem-se a incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar autoridades submetidas à competência original dos tribunais, em ações de improbidade. Não se pode olvidar, contudo, da competência da Justiça Federal, em ações de improbidade opostas pelo Ministério Público em se tratando de ato de improbidade realizado por agente de sociedade de economia mista federal (art 109, I, CF/88).

Conclusão

Vale ressaltar que este trabalho não tem o escopo de findar a discussão acerca do ema, o que requer um aprofundamento em conceitos como agentes públicos, Estado de direito, princípios constitucionais, etc. Visa tão somente abordar algumas questões controversas. Há de convir que a lei 8.429/92 representa valioso instrumento para assegurar-se a probidade administrativa.

Com isso, conclui-se que:

1. A improbidade administrativa tem natureza civil/administrativa, que objetiva a punição do agente, uma vez que já existe previsão legal na esfera penal para crimes de responsabilidade.

2. A lei de improbidade administrativa é dotada de uma inconstitucionalidade formal. E tendo em vista somente o art 11 do mesmo ordenamento legislativo, este pode ser tido como controverso a constituição uma vez que dá margem à uma interpretação extensiva do que seria ato de improbidade, confundindo-o com imoralidade e ilegalidade. Ora, sabe-se que estes dois institutos tem previsão legal, inclusive constitucional, seja de forma normativa ou principiologica e não se confundem com o ato de improbidade administrativa.

3. Ilegalidade não se confunde com improbidade. Aquela é principio norteador das ações administrativas, enquanto a improbidade é violação em termos ético/morais.

4. Entende-se que o foro por prerrogativa tem previsão constitucional e só pode ser concedido nos termos da CF/88, uma vez que não é mais aplicada a sumula 394 STF.