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Deixar de apresentar original de atestado não dá justa causa

Afastar-se habitualmente para tratamento médico não configura abandono de emprego, assim como deixar de entregar atestados médicos originais não é motivo para demissão por justa causa.

Baseados neste entendimento, os juízes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP) descaracterizaram a justa causa na demissão de uma ex-funcionária da NET São Paulo Ltda. e NET Serviços de Comunicação S/A (atual Globo Cabo S/A).

Ela foi demitida por abandono de emprego. Como motivo, a empresa alegou que a ex-empregada não ter apresentou o original dos atestados médicos que lhe afastavam para tratar-se de uma tenussinuvite,

A ex-empregada ingressou com reclamação trabalhista na 52ª Vara do Trabalho de São Paulo buscando reverter a demissão por justa causa.

A vara afastou a hipótese de abandono do emprego, já que a empregada submetia-se a tratamento médico, mas considerou que o fato dela não ter apresentado os originais dos atestados médicos justificaria a demissão por justa causa. Inconformada com a decisão, a ex-empregada recorreu ao TRT-SP.

Analisando a documentação reunida no processo, o juiz Rovirso Boldo, relator do recurso no tribunal, constatou que a empregada ausentou-se por longos períodos do trabalho, mas “a empresa tinha ciência dos problemas de saúde da trabalhadora, baseado em exame periódico realizado por ela própria”.

Por outro aspecto, entendeu o juiz Rovirso, “a mera juntada de atestados originais aos autos não denota o desconhecimento pela empresa das dispensas médicas obtidas pela reclamante no curso do contrato. Destarte, comprovado que havia outro meio de a autora enviar a justificativa, permanecendo de posse dos atestados”.

Por unanimidade, os juízes da 3ª Turma acompanharam o voto do juiz Rovirso Boldo e descaracterizaram a demissão por justa causa, determinando o pagamento das verbas rescisórias devidas (aviso prévio, 13º salário proporcional, férias + 1/3, depósitos do FGTS + 40%) e a devolução de todos os descontos realizados a título de faltas injustificadas.

Processo TRT-SP Nº 01240200305202000Recurso Ordinário

Recorrente: Eliane de Jesus Freguglia

Recorrido: NET São Paulo Ltda e NET Serviços de Comunicação S/A (atual Globo Cabo S/A)

Origem: 52ª Vara do Trabalho de São Paulo

EMENTA: ABANDONO DE EMPREGO – CARACTERIZAÇÃO: Diante dos efeitos extremamente deletérios que a justa causa imprime ao contrato de trabalho, mostra-se relevante a inequívoca comprovação dos motivos ensejadores da punição imposta. Na hipótese de abandono de emprego, impõe-se a constatação tanto do requisito subjetivo (animus abandonandi), quanto do objetivo, caracterizado pela ausência injustificada ao trabalho por período superior a 30 dias consecutivos. Os habituais afastamentos por motivo de saúde repelem a idéia do abandono, sobretudo na pendência de tratamento médico. Dada a inexistência de controle rigoroso por parte da empresa dos dias em que efetivamente houve justificativa para as faltas, não resta outra alternativa ao juízo senão reverter a justa causa aplicada, reconhecendo todos os direitos inerentes à rescisão desmotivada.

Da sentença de fls.118/123, que julgou improcedentes os pedidos, recorre a reclamante às fls.135/147. Aduz não ter havido abandono de emprego a justificar a ruptura motivada do liame laboral, e que lhe era devida estabilidade provisória por ser membro suplente da CIPA.

Requer o reconhecimento do dano moral e das diferenças de comissões; postula indenização pelos descontos indevidos, horas extras e reflexos, bem como a exclusão da multa imposta por embargos protelatórios.

Isenção de custas à fl. 123.

Contra-razões da reclamada às fls.151/157.

Manifestação do Ministério Público do Trabalho à fl. 158.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Abandono de emprego

Ressalto a relevância da comprovação inequívoca dos motivos ensejadores da justa causa, diante dos efeitos extremamente deletérios que imprime ao contrato de trabalho. Daí porque, na hipótese de abandono de emprego, impõe-se a constatação tanto do requisito subjetivo (animus abandonandi do empregado), quanto do objetivo, caracterizado pela ausência injustificada por período superior a 30 dias consecutivos.

Da farta documentação acostada ao volume I de docs., constata-se que a autora efetivamente ausentou-se por longos períodos do trabalho, com a justificativa de estar acometida de tenossinuvite dos flexores do quirodáctilo direito, tendo, inclusive, sido emitida CAT em diversas ocasiões (doc. 163; doc. 176; doc. 177 e doc. 236, volume I em apartado).

A empresa tinha ciência dos problemas de saúde experimentados pela reclamante, decorrentes dos riscos que as atividades repetitivas lhe impunham, consoante exame periódico realizado pela própria reclamada, um mês antes da rescisão, no qual consignou-se “riscos de exposição ergonômica – movimentos de repetição” (doc. 19 – vol. II). Destarte, não se pode concluir pelo abandono enquanto pendente tratamento médico, como bem observou a 1ª instância.

No entanto, equivocou-se o juízo ao reconhecer a justa causa, pautando-se no fato de a autora deter originais dos atestados médicos, “o que leva à conclusão de que efetivamente não foram entregues.” (fl. 120, grifamos).

A mera juntada de atestados originais aos autos não denota o desconhecimento pela empresa das dispensas médicas obtidas pela reclamante no curso do contrato, haja vista os docs. 218 e 229, vol. I, idênticos, emitidos em 15/02/2002, determinando afastamento por 15 dias. Tratam-se de documentos originais, mas as ausências foram devidamente justificadas pela empresa, consoante doc. 60 do volume II.

Destarte, comprovado que havia outro meio de a autora enviar a justificativa, permanecendo de posse dos atestados, não se confirmando as premissas, e, tampouco, as conclusões a que chegou a 1ª instância.

Ademais, a assertiva do preposto de “que o médico também comunica para a empresa que o funcionário está afastado.” (fl. 113), demonstra que a empregadora não tinha efetivo controle dos períodos em que as ausências eram devidamente justificadas ou não. Tome-se como exemplo o dia 01/02/02, atestado médico trazido pela própria empresa (doc. 20), descontado conforme doc. 59, ambos do vol. II de docs. Mostram-se, portanto, corriqueiras no ambiente empresarial tanto a inexistência de controle rigoroso dessas ausências justificadas, quanto a prática dos descontos. Tanto é assim que em fevereiro de 2001, um ano antes da rescisão, a autora consignou, de próprio punho, irregularidades no doc. 47 (vol. II).

Como já observado, a prova documental não condiz com a justa causa aplicada. Conclusão idêntica se extrai do exame da prova oral .

Sobreleva notar a ciência patronal do afastamento médico a que foi submetida a autora até 02/03/2002 (fl. 97, item 3, terceiro parágrafo). O preposto vai além, declarando: “que nesse período de janeiro a abril a reclamante recebeu atestados médicos para afastar-se, mas dois períodos de 10 a 14 dias a reclamante ficou sem atestado e não teve como justificar esse período; que a última vez que a reclamante apresentou atestado, se não se engana, foi em março; que a reclamante tinha atestado médico para permanecer afastada até 03 de março de 2002; que no dia 03 de março de 2002 a reclamante voltou a trabalhar e que a reclamante trabalhou de 03 de março até 12 de abril; que nesse período a reclamante ia trabalhar e fazia seu serviço normal não sabendo se houve algum dia que esta tivesse faltado; que diz que a reclamante trabalhou até dia 11 de abril e que 12 de abril foi a data da demissão (sic) da reclamante; que a reclamante foi demitida no dia 12 de abril pelo histórico precedente que vinha ocorrendo das faltas.”(fl. 113, grifamos).

Diante do conteúdo controvertido das declarações patronais, sem data precisa da entrega do atestado e da constatação de retorno imediato ao labor, contrariando a assertiva autoral de término do labor em janeiro de 2002, não restou configurado o ânimo de rompimento do pacto laboral e, tampouco, a ausência superior a trinta dias, consoante as declarações de que somente por “dois períodos de 10 a 14 dias a reclamante ficou sem atestado.”

Destarte, faz jus a autora às verbas rescisórias suprimidas em decorrência da justa causa que lhe foi imposta (aviso prévio, 13º salário proporcional, férias + 1/3, depósitos do FGTS + 40%. Devida, também, a indenização pelo seguro-desemprego, nos termos do art. 2º, inciso III, da Lei 8.900/94. Indevido o saldo salarial de abril, diante do término da prestação de serviços em janeiro de 2002. Deverá ser observada a média remuneratória dos últimos doze meses de serviço, por aplicação do art. 478, §4º, da CLT.

Estabilidade provisória

Embora a Súmula 339, do C. TST, preveja estabilidade provisória ao membro suplente da CIPA, mister se faz a perquirição do objetivo primordial da norma emanada desse dispositivo.

Mencionada garantia permite ao cipeiro/suplente a manutenção do emprego por um período de um ano após o término do cargo para o qual foi eleito.

Em caso de rescisão imotivada, a reintegração surge como mera conseqüência dessa estabilidade, retornando o empregado ao status quo ante. Entretanto, tal direito não é ilimitado no tempo, estando sujeito ao ajuizamento da ação enquanto ainda vigente a garantia, pois o que a norma visou privilegiar foi a continuidade do liame laboral e, apenas reflexamente, os efeitos financeiros oriundos da manutenção do contrato.

O pedido inicial limitou-se à indenização, sequer mencionando a possibilidade de reintegração. O período estabilitário findaria em 30/09/2002 e a ação só foi proposta em 04/06/2003, demonstrando que a reclamante não pretendia a manutenção do vínculo, mas o beneplácito das vantagens pecuniárias advindas da estabilidade provisória. Como a garantia de emprego é o que se busca primordialmente, ausente essa premissa, não se pode considerar jurídica a pretensão de quem quer receber sem trabalhar.

Dano moral

Evidente que a brusca ruptura decorrente da aplicação da justa causa mostra-se, invariavelmente, como uma situação inesperada para o empregado, privado de seu posto de trabalho. No entanto, não se vislumbra no presente caso lesão à imagem e à moral da reclamante.

Não foram evidenciadas ofensas à sua honra e boa-fama profissional que a sujeitassem aos transtornos emocionais decorrentes da injusta rescisão. O difícil fato de estar desempregado nas atuais circunstâncias econômico-financeiras do país, por si só, não enseja a indenização pretendida, pois o rompimento do liame encontra-se dentro dos limites do poder diretivo da empresa, lembrando que não restou comprovado excesso de punição, constrangimentos ou situações vexatórias às quais teria a reclamante sido submetida.

Descontos indevidos

A recorrente invoca a ilegalidade dos descontos perpetrados habitualmente pela reclamada em seus contracheques. O contrato de trabalho, no entanto, na sua cláusula 4.2 prevê que “fica expressamente contratado que somente serão objeto de comissionamento os negócios efetivamente concluídos, incidindo os percentuais supra ajustados não sobre os negócios em si, mas sobre os valores líquidos decorrentes dos negócios efetuados, já deduzidos os impostos e taxas incidentes sobre os mesmos.” (doc. 2, vol.II). Evidente a aplicação do preceito emanado do art. 466, consolidado.

Destarte, não houve qualquer irregularidade nessa pactuação. Era praxe da empresa a antecipação de 75% do valor total das comissões, sendo que os demais 25% seriam quitados após a concretização da assinatura e pagamento pelo assinante. Uma vez frustrado o negócio, razoável que os valores antecipados fossem estornados, não caracterizando desconto ilícito como pretende fazer crer a recorrente.

No tocante às faltas, a testemunha da reclamante asseverou que se não fossem entregues os atestados até o dia do fechamento da folha, seriam efetuados os descontos, sendo procedido o acerto no mês seguinte (Srª Maria Odete Viveiros Alves, fl. 114). No entanto, a autora teve, a título de amostragem, descontado o dia 01/02/02 (doc 20 x doc 59 – volume II), valor que não foi estornado no mês de março e sequer na rescisão, para efeitos de eventual compensação. Devida, portanto, a devolução de todos os descontos feitos a título de faltas injustificadas, para as quais haja licença comprovada nos autos, e não meros atestados de consultas realizadas no final do expediente ou prescrições de tratamentos, sem determinação de afastamento. Deverá ser observada a média de remuneração dos últimos doze meses, inclusas as respectivas comissões e demais vantagens, nos termos do art. 478, §4º, da CLT. Não há compensação de valores eventualmente pagos a deferir, pois a reclamada descontava os dias ou debitava as ausências do banco de horas.

Diferenças de comissões

A recorrente aduz ter sido contratada como operadora receptiva, tendo sido transferida para operação ativa em maio de 2001. Naquela circunstância, aguardava a ligação de clientes em potencial, interessados em adquirir as cestas de canais e planos acessórios, motivo pelo qual suas vendas eram maiores, e, conseqüentemente, também as comissões sobre as mesmas incidentes.

As tabelas de comissões elaboradas às fls. 29/30 desconsideraram os longos períodos de afastamento a que a autora esteve submetida, hipótese em que, evidentemente, seus ganhos com vendas de planos e tv´s por assinatura foram sensivelmente reduzidos. A pretendida alteração contratual in pejus, vedada pelo art. 468, consolidado, não restou comprovada, pois não houve cabal demonstração de alteração na base de cálculo das comissões, nem tampouco, da falta de pleno pagamento do valor acordado.

Tome-se como exemplo, os meses de novembro/dezembro de 2001, nos quais a reclamante manteve-se afastada de suas atividades por 48 dias (doc. 1, p. 4 – vol. II docs.). Essa licença repercutiu negativamente nas vendas efetivadas, mas não houve cabal demonstração de alteração na sistemática do pagamento das comissões. Comparam-se períodos anteriores à alteração – nov/dez/99 com o mesmo período do ano seguinte. Percebe-se que a oscilação no valor das comissões está diretamente relacionada ao esforço de vendas, e não à eventual mudança da estratégia de ligações. Ademais, a reclamada informou que as operadoras de “telemarketing” eram contratadas tanto para realizar quanto para receber ligações, tudo em conformidade com o contrato de trabalho, no qual não houve qualquer distinção entre receptiva/ativa, consignando apenas função de operadora de telemarketing (doc. 2, cláusula 3 – vol. doc. recda).

Horas extras e reflexos

A prova oral elucida a controvérsia. Malgrado a testemunha da reclamante ateste a existência de sobrejornada, assevera também que não era permitido marcar extraordinárias no cartão de ponto, e raras foram as vezes em que chegou a consigná-las no controle de jornada (fl. 114). No entanto, essa versão foi desmentida pela própria autora: “que a depoente inobstante houvesse determinação de que anotasse apenas 6 horas de trabalho, fazia a sua anotação de forma correta, com toda a jornada trabalhada; que somente 5 ou 6 vezes passou o cartão e voltou a trabalhar.” (fls. 112/113, grifamos).

Consultando os controles de ponto (docs. 30/61 – vol. II) constata-se que as horas extras eram comuns, como, por exemplo, os meses de dezembro/98 e janeiro/99, devidamente pagas no doc. 22. Ao admitir a regularidade das anotações, a autora contrariou a tese da inicial, motivo pelo qual deveria, ao menos por amostragem, demonstrar diferenças a seu favor, ônus que lhe competia e do qual não se desincumbiu. Mantenho.

Multa por embargos protelatórios

A aplicação da multa por embargos protelatórios faz sentido quando a parte tenta retardar injustificadamente o feito, o que não é o caso, pois a reclamante buscou esclarecimento sobre o indeferimento de horas extras, sem intuito de procrastinar a execução que lhe beneficiaria. Reformo.

Critérios de liquidação

Juros desde o ajuizamento da ação. Correção monetária do mês subseqüente ao trabalhado (Súmula 381, do C. TST). Descontos previdenciários e fiscais consoante a Súmula 368, do TST, permitida a dedução da cota parte da empregada.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso, para deferir à autora aviso prévio, 13º salário proporcional, férias + 1/3, depósitos do FGTS + 40%. Devida, também, a indenização pelo seguro-desemprego e a devolução de todos os descontos realizados a título de faltas injustificadas, nos exatos termos da fundamentação, observados os parâmetros traçados à correção monetária, juros e descontos previdenciários e fiscais; e para excluir da condenação a multa por embargos protelatórios. Custas pela reclamada no importe de R$100,00, sobre o valor ora arbitrado à condenação de R$5.000,00.

Rovirso A. Boldo

Juiz Relator