Press "Enter" to skip to content

A Emenda Constitucional n. 45/2004 e seus potenciais reflexos nas causas laborais que envolvam militares

A Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004 demorou mais de 13 anos para ser promulgada e publicada. Apesar disso, é objeto de inúmeras controvérsias acerca de sua eficácia e aplicabilidade.

Neste breve ensaio nos propomos discutir uma de suas incongruências, mais especificadamente a que trata da competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar as causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, caso dos militares que se sujeitam ao Estatuto dos Militares (Lei N° 6.880, de 09 de dezembro de 1980).

I – DA CONTROVÉRSIA E SEUS DESDOBRAMENTOS

A Associação dos Juízes Federais do Brasil, inconformada com o deslocamento da competência para a Justiça Laboral, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A ADIn foi aceita (liminarmente) pelo então Presidente do STF, Ministro Nelson Jobim, a qual transcrevemos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nr. 3395PROCED. : DISTRITO FEDERALRELATOR : MIN. CEZAR PELUSOREQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL – AJUFE ADV.(A/S) : PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE E OUTRO(A/S)REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS ESTADUAIS – ANAMAGES ADV.(A/S) : GUSTAVO ALEXANDRE MAGALHÃES REQDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

DESPACHO:

A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL – AJUFE – propõe a presente ação contra o inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC nº 45/2004.

Sustenta que no processo legislativo, quando da promulgação da emenda constitucional, houve supressão de parte do texto aprovado pelo Senado.

1. CÂMARA DOS DEPUTADOS.

Informa que a Câmara dos Deputados, na PEC nº 96/92, ao apreciar o art. 115,

“aprovou em dois turnos, uma redação … que … ganhou um inciso I…” (fls. 4 e 86).

Teve tal dispositivo a seguinte redação:

“Art. 115. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”

2. SENADO FEDERAL.

A PEC, no Senado Federal, tomou número 29/200.

Naquela Casa, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania manifestou-se pela divisão da “… proposta originária entre (a) texto destinado à promulgação e (b) texto destinado ao retorno para a Câmara dos Deputados” (Parecer 451/04, fls. 4, 177 e 243).

O SF aprovou tal inciso com acréscimo.

O novo texto ficou assim redigido:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, EXCETO OS SERVIDORES OCUPANTES DE CARGOS CRIADOS POR LEI, DE PROVIMENTO EFETIVO OU EM COMISSÃO, INCLUÍDAS AS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS DOS REFERIDOS ENTES DA FEDERAÇÃO”. (fls 4 e 280).

Informa, ainda, que, na redação final do texto para promulgação, nos termos do parecer nº 1.747 (fl. 495), a parte final acima destacada foi suprimida.

Por isso, remanesceu, na promulgação, a redação oriunda da CÂMARA DOS DEPUTADOS, sem o acréscimo.

No texto que voltou à CÂMARA DE DEPUTADOS (PEC. 358/2005), o SF fez constar a redação por ele aprovada, com o referido acréscimo (Parecer 1748/04, fls. 502).

Diz, mais, que a redação da EC nº45/2004, nesse inciso, trouxe dificuldades de interpretação ante a indefinição do que seja “relação de trabalho”.

Alega que há divergência de entendimento entre os juízes trabalhistas e os federais,

“… ausente a precisão ou certeza, sobre a quem coube a competência para processar as ações decorrentes das relações de trabalho que envolvam a União, quando versem sobre servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas.” (fl. 7).

Em face da alegada violação ao processo legislativo constitucional, requer liminar para sustar os efeitos do inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004, com eficácia Em face da alegada violação ao processo legislativo constitucional, requer liminar para sustar os efeitos do inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004, com eficácia ex tunc, ou que se proceda a essa sustação, com interpretação conforme. (fl. 48).

3. DECISÃO.

A CF, em sua redação dispunha:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.”

O SUPREMO, quando dessa redação, declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da L. 8.112/90, pois entendeu que a expressão “relação de trabalho” não autorizava a inclusão, na competência da Justiça trabalhista, dos litígios relativos aos servidores públicos.

Para estes o regime é o “estatutário e não o contratual trabalhista” (CELSO DE MELLO, ADI 492).

Naquela ADI, disse mais CARLOS VELLOSO (Relator):

“…………………………

Não com referência aos servidores de vínculo estatutário regular ou administrativo especial, porque o art. 114, ora comentado, apenas diz respeito aos dissídios pertinentes a trabalhadores, isto é, ao pessoal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, hipótese que, certamente, não é a presente………………………….”

O SF, quando apôs o acréscimo referido acima e não objeto de inclusão no texto promulgado, meramente explicitou, na linha do decidido na ADI 492, o que já se continha na expressão O SF, quando apôs o acréscimo referido acima e não objeto de inclusão no texto promulgado, meramente explicitou, na linha do decidido na ADI 492, o que já se continha na expressão “relação de trabalho”, constante da parte inicial do texto promulgado.

A REQUERENTE, porque o texto promulgado não contém o acréscimo do SF, sustenta a inconstitucionalidade formal.

Entendo não ser o caso.

A não inclusão do enunciado acrescido pelo SF em nada altera a proposição jurídica contida na regra.

Mesmo que se entendesse a ocorrência de inconstitucionalidade formal, remanesceria vigente a redação do caput do art. 114, na parte que atribui à Justiça trabalhista a competência para as “relações de trabalho” não incluídas as relações de direito administrativo.

Sem entrar na questão da duplicidade de entendimentos levantada, insisto no fato de que o acréscimo não implica alteração de sentido da regra.

A este respeito o SUPREMO tem precedente.

Destaco do voto por mim proferido no julgamento da ADC 4, da qual fui relator:

“O retorno do projeto emendado à Casa iniciadora não decorre do fato de ter sido simplesmente emendado.

Só retornará se, e somente se, a emenda tenha produzido modificação de sentido na proposição jurídica.

Ou seja, se a emenda produzir proposição jurídica diversa da proposição emendada. Tal ocorrerá quando a modificação produzir alterações em qualquer dos âmbitos de aplicação do texto emendado: material, pessoal, temporal ou espacial.

Não basta a simples modificação do enunciado pela qual se expressa a proposição jurídica.

O comando jurídico – a proposição – tem que ter sofrido alteração………………………….” Não há que se entender que justiça trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos.Não há que se entender que justiça trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos.

Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos que são pela Lei 8.112/90 e pelo direito administrativo, são diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT.

Leio GILMAR MENDES, há

“Oportunidade para interpretação conforme à Constituição … sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição. … Um importante argumento que confere validade à interpretação conforme à Constituição é o princípio da unidade da ordem jurídica …” (Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1998, págs. 222/223).

É o caso.

A alegação é fortemente plausível.

Há risco.

Poderá, como afirma a inicial, estabelecerem-se conflitos entre a Justiça Federal e a Justiça Trabalhista, quanto à competência desta ou daquela.

Em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e ausência de prejuízo, concedo a liminar, com efeito ex tunc.

Dou interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004.

Suspendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a

“… apreciação … de causas que … sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”.

Publique-se.

Brasília, 27 de janeiro de 2005.

Ministro NELSON JOBIM

Presidente

Posteriormente, o Plenário do STF confirmou, por maioria, a liminar reproduzida acima, suspendendo qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal (redação da EC 45/04) que confira à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar ações decorrentes de relações estatutárias (entre entes da administração pública direta e indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e respectivos servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da Federação).

Analisando a decisão do Ministro Nelson Jobim, se pode perceber que a argumentação segue duas vertentes:

a) O inciso I do novo artigo 114 da Constituição padece de inconstitucionalidade formal;

b) O inciso I do novo artigo 114 da Constituição merece interpretação conforme a Constituição pelo Supremo, a fim de estancar a contrariedade surgida, uma vez que ambas são possíveis diante da dubiedade do texto adotado ao final do processo legislativo da Emenda Constitucional 45/04.

Em síntese é o que se está discutindo.

II – ENTÃO COMO FICA OU COMO PODE FICAR

Até pronunciamento de mérito pelo STF fica tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Assim, em relação às causas laborais que envolvam militares (e os outros servidores estatutários), pelo menos até o julgamento do mérito da ADIn 3.395-6 pelo STF, a Justiça do trabalho é incompetente para conciliar e julgar ações decorrentes deste tipo de relação jurídica.

Outra questão, plenamente equivocada, mas que pode ser motivo de dúvidas é, caso o STF, no mérito, não acate a ADIn, os servidores estatutários passaram a ser regidos pela CLT

Evidentemente que não. A ampliação da competência da Justiça do Trabalho promovida pela Emenda Constitucional em tela, não pretendeu equiparar a relação de serviço público (Direito Público) com a relação de emprego (Direito Privado).O intuito foi o de trazer para o processo do trabalho questões que, pelo seu significado econômico e social, precisam de julgamentos céleres, rápidos e imediatos.

Ao conhecer causas de servidores estatutários, a Justiça do Trabalho não vai utilizar a CLT em detrimento das respectivas leis. O servidor público vai continuar sendo regido pela lei própria, mas terá as vantagens do processo.

III – LENHA NA FOGUEIRA

Deixando de lado as questões legislativas, jurídicas e doutrinárias, está cristalino que o novo inciso I do artigo 114 atraiu para a competência da Justiça laboral as lides oriundas das relações estatutárias [Só os magistrados federais que não querem perder competência/poder e os políticos, digo, doutores do STF não concordam (ainda)].

A Emenda Constitucional nº 45, promove a da unificação da jurisdição trabalhista, fazendo com que deixe de ser a Justiça do Emprego (sic), para se tornar à verdadeira Justiça do Trabalho, especializada, como sempre deveria ter sido, em atividades profissionais.

Basta que uma verificação superficial nos conceitos de trabalho e emprego para pacificar o assunto:

Trabalho é o esforço humano dotado de um propósito e envolve a transformação da natureza através do dispêndio de capacidades físicas e mentais. Notemos a amplitude deste conceito.

Emprego é a relação, estável, e mais ou menos duradoura, que existe entre quem organiza o trabalho e quem realiza o trabalho. É uma espécie de contrato no qual o possuidor dos meios de produção paga pelo trabalho de outros, que não são possuidores do meio de produção.

Nos tempos atuais, não mais se justifica uma Justiça “Celetista”, que abrange apenas a CLT e algumas poucas legislações esparsas.

Cabe aqui uma pergunta. Se as vantagens da unificação de todas as espécies de relações profissionais sob a mesma jurisdição são indiscutíveis, por quê não fazê-la.

Com a palavra o Supremo Tribunal Federal.