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Educação superior no Mercosul, harmonização ou homogeneização?

INTRODUÇÃO

A Grande Promessa de progresso Ilimitado – a promessa de sujeição da natureza, de abundância material, da maior felicidade para o maior número de gente, e a liberdade individual sem peias – manteve a fé e as esperanças de gerações após gerações desde o início da era industrial. Certamente, nossa civilização começou quando a espécie humana assumiu o domínio ativo da natureza; mas aquele domínio permaneceu limitado até o advento da era industrial. Com o progresso industrial, mediante a substituição da energia humana e animal pela energia mecânica e depois pela nuclear, e a mente humana pelo computador, percebeu-se que o homem podia tudo, caminhando para a produção ilimitada e, por conseguinte, de consumo ilimitado, tornando-o onipresente e onisciente. Estava a caminho de se tornar deus, ser supremo com o poder de criar um segundo mundo, utilizando o mundo natural apenas como matéria-prima para sua criação original. (Fromm, 1980, p. 23).

A POLARIZAÇÃO SOCIAL

É fato (não contestado sequer pelos partidários da globalização do capitalismo): o agravamento das desigualdades do modo de vida tanto nos países ricos como nos países pobres e a adaptação de todo o planeta ao mercado livre são a conseqüência de uma organização econômica e política que reconhece como fundamento moral os valores gerados pelas necessidades desta globalização. Os prejuízos econômicos e sociais aparecem, portanto, apenas como “disfunções”, enquanto eles são, de fato, produtos de uma nova colonização do mundo pelas forças dominantes dos países ricos. (Paraire, 2000, p. 465).

Compreender a Educação Superior como um valor cultural e tecnológico e não como um produto a produzir conhecimentos é imperioso, em contraposição aos termos da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O CENÁRIO EDUCACIONAL: ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO

O enfrentamento da questão educacional superior no Brasil e no MERCOSUL se faz premente, a partir dos acontecimentos europeus sob a influência da Carta de Bolonha .

Embora regionalmente não tenhamos moral para discutir a problematização além-mar, faz-se mister detectar o fenômeno para somarmos aos questionamentos que enfrentamos. A discussão sobre a padronização da Educação Superior no Mercosul, gestada nos moldes do Banco Mundial, ainda encontra-se no âmbito da Academia, que, de alguma maneira encontra dificuldades em trazê-la para o foro legítimo, que é a Comunidade Acadêmica, composta por docentes e discentes e a Sociedade no entorno destes.

A estrutura educacional na América do Sul é aplicada de acordo com o modelo copista do norte, sem nenhum respeito às variáveis ambientais geofísico-institucionais.

Nossa Educação Superior preocupa-se em formar “serviçais qualificados” para servir ao parque tecnológico implantado pelos povos do norte, seja no novo ou do velho continente, sem o compromisso da utilização do conhecimento para criar tecnologias próprias, que certamente nos desprenderão das amarras do obscurantismo desenvolvimentista.

Os especialistas stricto sensu, seja no Mestrado ou Doutorado Acadêmico, já se formam distorcidamente, pois, sendo os modelos criados para a formação de conhecimento (Acadêmicos), são “empurrados” para a sala de aula com o dever de “multipricar” (sic) informações. Resultado: não formamos geradores de ciência tecnológica, mas “alcagüetes de conhecimentos”, com a missão de repassar e multiplicar tudo que apreenderam na Academia.

Como já disseram: não há risco de dar certo!

O DESVIO ESTRUTURAL DO SISTEMA

O desvio Educacional no Brasil é de origem, pois concentra-se a Educação Superior no Ministério da Educação, quando deveria, (como deverá) estar no Ministério da Ciência e Tecnologia.

No MEC, o modelo aplicado estruturalmente é pedagógico; o centro do saber é o professor, que alimenta o ser sem luz que é o aluno, sendo crível o agasalho dos ensinos pré-escolar (que lá não está), o fundamental e o médio em suas múltiplas variações, incluindo-se aí o “Superior Tecnológico”.

A Educação Superior plena identifica-se com o Ministério da Ciência e Tecnologia, onde a transferência de conhecimentos deve ser horizontalizada, com trocas recíprocas: orientador x orientando.

Não se pode desprezar a interface existente na bagagem experimental de cada graduando, em que, pelo modelo atual, o Professor age eclesiasticamente.

O ambiente andragógico deve ser analisado e respeitado, bem como valorizado na busca e construção de conhecimentos.

Na Educação Superior, não se tratará de “descobrir” conhecimentos, cabendo ao Docente apenas a orientação lógica e ordenada dos fenômenos, respeitadas a diversidade e variáveis ambientais de cada região.

A busca do conhecimento é somente um meio (encarada por muitos como o fim), objetivando o aperfeiçoamento tecnológico.

A ATRAÇÃO DO CONHECIMENTO: O EUROCENTRISMO Para Aníbal Quijano , enquanto a maioria das populações da América não conquistarem a igualdade básica e a descolonialidade do poder, parece difícil que a integração da América Latina possa avançar e se consolidar. A construção de uma sociedade mais justa no continente passa, necessariamente, por uma superação, na própria esquerda, de uma visão eurocêntrica. A derrota mundial entre meados dos anos 70 e final dos anos 80 no século XX foi, antes de tudo, uma conseqüência do domínio do eurocentrismo.

O Tratado de Bolonha é a referência para o MERCOSUL, pois influenciará sobremaneira todo o processo regional.

A Declaração de Bolonha, embora não obrigue seus signatários, reveste-se de caráter imposicionista e hegemônico aos países periféricos, clientes colaterais do Sistema Europeu de Ensino Superior.

O impacto a ser causado até 2010, no Ensino Superior Europeu, ordenará o ciclo de mudanças tanto na Europa, como no resto do mundo.

A intenção de fortalecimento do bloco econômico a partir da Educação Superior visa a construção de uma economia mais competitiva, fora dos parâmetros naturais, que é a produção, mas com conhecimento. A estratégia de unificação esbarra nas variáveis ambientais de cada um dos vinte e nove Estados Nacionais subscritores do Tratado, o que nos faz repensar o título deste artigo: PADRONIZAÇÃO OU HARMONIZAÇÃO? Eis a questão.

Ampliar a estratégia de competitividade da União Européia, através do mecanismo da massificação da Educação em busca do conhecimento, gerará um estereótipo construcional do futuro, com conseqüências sem precedentes na história da Humanidade.

A União Européia, premida entre a Índia, China e os Estados Unidos, está dividida entre a competição global e a queda significativa do número de jovens qualificados para se tornar bons profissionais, nas palavras de Renato Marques . Maria Clara Corrêa Tenório analisando a obra de Aldous Huxley , questiona se o cientificamente possível é eticamente viável. O Admirável Mundo Novo, escrito em 1931 é uma “fábula” futurista relatando uma sociedade completamente organizada sob um sistema científico de castas. Não haveria vontade livre, abolida pelo condicionamento; a servidão seria aceitável devido a doses regulares de felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam ministradas em cursos durante o sono. Olhando o presente, podemos imaginar um futuro semelhante em termos de avanços tecnológicos.

UNIFICAR, PADRONIZAR, significará a construção de modelo exclusivo nos moldes europeus, que, embora resulte numa circulação mais universalizada e rápida de conhecimentos, poderá não conseguir estende-la além-mar.

Vislumbrar-se-á o isolacionismo do CONHECIMENTO, voltando a Humanidade aos primórdios de sua história, tendo a fragmentação como fator de novas guerras e conquistas, agora na busca do produto que é a TECNOLOGIA. Estrategicamente, a União Européia, se conduz em processo centrípeto de desenvolvimento, a exemplo da China. Mas não se pode desprezar a oxigenação evolucional do conhecimento entre os diversos povos. Através da Educação Seletizada, certamente a profecia de Aldous Huxley, se concretizará, a despeito da impossibilidade de contenção dos movimentos migratórios e imigratórios, como ocorreu na Índia, onde, segundo dados do Banco Mundial, 1.000.000 de cérebros indianos foram acolhidos pelas Universidades Européias em mais de trinta países, principalmente na Inglaterra, componentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A Associação Européia das Universidades (EUA, na sigla inglesa) é a principal representante da comunidade de ensino superior da Europa, e sua missão é fomentar o desenvolvimento de um sistema europeu de ensino superior e pesquisa, que seja coerente (mais UNIFICADO) e baseado em valores comuns, para promover e fortalecer o papel das instituições na criação do Espaço Europeu de Ensino Superior e Pesquisa, através de um apoio ativo e de orientação dos seus membros, enquanto instituições autônomas no desenvolvimento da sua qualidade de ensino, aprendizagem e investigação, realçando as suas contribuições para a sociedade.

A Academia já se move no sentido da sistematizar o processo, sem a necessária audição dos movimentos sociais e da Sociedade Civil Européia em geral, contribuindo para rejeições a exemplo da Carta Européia, pela França e Holanda. Edward Said , rechaça o eurocentrismo como uma visão de mundo, pois importaria num retrocesso à implantação de fórmulas a serem praticadas fora da Europa, como forma de disposição espacial do poder, tendo como produto o conhecimento, o homem como bem de capital e a informação como commodity. Nesse contexto, impõe-se o revisionismo histórico, como faz Said, em O Orientalismo, rejeitando o darwinismo educacional. A LEI DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: UMA UTOPIA POSSÍVEL No Brasil, a tímida Lei de Inovação Tecnológica (10.973/2004), confunde produção com conhecimento, dada a sua natureza economicista. A Lei está calcada em três eixos: a constituição de ambiente propício a parcerias estratégicas entre as universidades, institutos tecnológicos e empresas; o estímulo à participação de instituições de ciência e tecnologia no processo de inovação; e o incentivo à inovação na empresa. Ao estimular a inovação no setor produtivo, a Lei irá incentivar a emancipação tecnológica do País e mudar o quadro atual, em que cerca de 73% dos cientistas estão atuando nas instituições públicas e apenas 11% nas empresas privadas. Este foi o testemunho do então Ministro da C&T Eduardo Campos. Necessário será, para melhor interpretação da natureza da Lei antes mencionada, descortinar a mens legis, isto é, descobrir seus objetivos no âmbito social, aquilo que o Legislador desejou dizer.VII – METAS PARA IMPLANTAÇÃO DO SETOR EDUCACIONAL DO MERCOSUL Foram fixadas as seguintes metas, para a definição dos projetos a serem executados:- Colocar em funcionamento o Mecanismo Experimental de Reconhecimento para as carreiras de graduação em Agronomia, Engenharia e Medicina; – Aumentar a sua aplicação para as outras carreiras; – Aprovar um acordo de reconhecimento de cursos de graduação; – Implementar um programa de capacitação de pares avaliadores; – Aprovar um acordo de mobilidade; – Colocar em funcionamento um Programa de mobilidade de estudantes, docentes, pesquisadores e administradores; – Eliminar as restrições legais que dificultam a implementação do Programa de Mobilidade; – Implementar um programa de pós-graduação em políticas públicas; – Operar um banco de dados de programas de pós-graduação na região; – Consolidar os programas de pós-graduação da região no marco do Protocolo de Integração Educativa para a Formação de Recursos Humanos em nível de Pós-graduação entre os países-membros do Mercosul; – Coordenar junto à Reunião especializada em Ciência e Tecnologia do Mercosul, em desenvolvimento de atividades de interesses comuns; – Implementar ações conjuntas na área de formação docente, com a Comissão Regional Coordenadora de Educação Básica; – Aprovar um acordo de reconhecimento de títulos de nível terciário no universitário para a continuidade de estudos nos países do Mercosul.

Os rumos impingidos às Metas, revelam o total desapego à extensão e a pesquisa, como instrumentos da construção do conhecimento.

Retratam as diretrizes dispostas pelo Banco Mundial e agasalhadas pela OMC, distinguindo os rumos dos países receptores do novel produto europeu, a Educação Superior, sem a mais valia do CONHECIMENTO.

VIII – SUGESTÕES E SOLUÇÕES POSSÍVEIS Imprescindível serão investimentos na massificação da formação, mas não do conhecimento, com aplicação em infra-estrutura logística e educacional, principalmente com o pleno respeito à liberdade de cátedra. O MODELO deve quase sempre ser rejeitado, com a necessária aplicação do PROCESSO DIALÉTICO, com solidificada estrutura estratégica do Sistema Sócio-Educacional, primeiro brasileiro, e posteriormente da sub-região sul. O exercício do Poder é magnífico e atraente, mas somente poderá ser exercido por quem legitimamente o detenha: o POVO; os governos-nacionais são apenas delegatários sazonais da execução cratológica desse processo. Ousar e perseverar na construção de uma Matriz Educacional, na busca do produto final, que é o CONHECIMENTO AUTÊNTICO e dos conceitos futuros da Humanidade, será o grande salto da América do Sul, como contrapartida aos povos do norte, seja do novo ou do velho continentes.