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Analisando “O Processo” de Kafka

O livro de Kafka, transformado no filme O Processo denuncia a sociedade burocrática e hipócrita e queria demonstrara as injustiças da época, as farsas dos regimes totalitários. A história do personagem central mostra-o sendo preso e julgado, sem ter sua denúncia esclarecida e passando por vários absurdos e abusos de poder, sendo o seu fim esperadamente trágico e questionador. Fala da incomunicabilidade da justiça, das barreiras que são postas entre o cidadão comum e a lei.

O personagem principal que nasceu bob o agasalho de uma Constituição que garantia seus direitos individuais se vê diante da autoritária autoridade, uma visão também antecipadora da sujeição humana em relação ao totalitarismo. No filme, a grande preocupação é com o culpado e não com a justificação ou não da causa. O advogado é representado como o corrupto, aquele que torce pela lentidão e dificuldade da justiça.

O livro critica tudo aquilo que acontece opostamente aos objetivos do mundo jurídico. Mostra uma realidade deturpada; torpe, onde a corrupção e o mau caráter das pessoas prevalecem. No texto de Pierre Bordieu, há uma análise do campo jurídico e como seria o seu funcionamento normal. As práticas e os discursos jurídicos são produto do funcionamento de um campo cuja lógica específica está determinada, por um lado, pelas relações de forças específicas e pela lógica interna das obras jurídicas que determinam o universo das soluções propriamente jurídicas. O campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio de dizer o direito.

O Campo judicial é o espaço social organizado no qual e pelo qual se opera a transmutação de um conflito direto entre partes diretamente interessadas no debate juridicamente regulado entre profissionais que atuam por procuração e que têm em comum o conhecer e o reconhecer da regra do jogo jurídico. É um campo que põe em prática procedimentos codificados de resolução de conflitos entre os profissionais da resolução regulada dos conflitos.

Aprofundando-se um pouco mais no tema, Bourdieu fala do efeito de apriorização como aquele que se revela com clareza na língua jurídica, acusando todos os sinais de uma retórica da impessoalidade e da neutralidade. Os efeitos da neutralização são próprios para marcara a impessoalidade do enunciado normativo, e constituir o enunciador em sujeito universal, ao mesmo tempo imparcial e objetivo, Já o efeito da universalização exprime a universalidade e a ominitemporalidade da regra do direito.A autonomia, a neutralidade e a universalidade são a própria expressão de todo o funcionamento do campo jurídico. A elaboração de um corpo de regras e de procedimentos com pretensão universal é produto de uma divisão do trabalho. A significação prática da lei não se determina realmente senão na confrontação entre diferentes corpos animados de interesses específicos divergentes.

Segundo Pierre Bourdieu: “a instituição de um espaço judicial implica na imposição de uma fronteira entre os que estão preparados para entrara no jogo…e os dele excluídos”. Esse fragmento remete ao filme, onde o acesso ao campo jurídico não podia ser feito diretamente pelo personagem principal, necessitando ele do intermédio de um advogado. A maestria, a técnica do saber jurídico, leva á desqualificação do sentido de equidade dos não especialistas. Essa segregação é compreensível, uma vez que o direito tem aspectos peculiares que só são compreendidos por aqueles que estudaram. Essa barreira não deve acabar por virar um abismo entre os não entendedores e o direito. Não podem acontecer os extremos do filme que não permitem a comunicação totalmente do réu com a justiça.O direito é a forma por excelência do discurso atuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condição de se não esquecer que ele é feito por este.

Enfim, o direito possui aspectos caracterizadores que norteiam suas ações. Há alguns procedimentos que têm que ser seguidos sob pena de invalidar o processo. Ele tem suas exigências a exemplo da qualificação das pessoas que o discutem. Entretanto nenhum desses aspectos deve permitir que o direito se distancie dos seus usuários, que se torne um arma de dominação dos regimes totalitários, que seja cruel, injusto ou corrupto. O direito foi feito pela sociedade para servi-la buscando o bem estar de todos e não vantagens para alguns indivíduos.

É muito triste o quadro pintado pelo filme, mas não se pode negar que tal realidade existiu e que parcelas sombrias dela perduram até os dias de hoje. É papel fundamental dos novos operadores do direito transformarem essa realidade em algo mais próximo do ideal, do justo, do humano, como contribuição para o direito que se quer alcançar.