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Inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo do PIS: cabe emenda da CDA?

A contribuição para o PIS por mais de uma vez teve o seu disciplinamento legal julgado inconstitucional. A inconstitucionalidade foi proclamada, por exemplo, no caso dos Decretos-Leis 2445/88 e 2449/88 . Foi reconhecida, ainda, com relação ao parágrafo 1º, do artigo 3º, da Lei n. 9.718/98, que alargou a sua base de cálculo.

Há incontáveis execuções fiscais em curso objetivando cobrar a supramencionada contribuição. Nelas, de acordo com o período em cobrança, a capitulação na CDA está fundada nesses dispositivos acoimados de inconstitucionais.

A Lei de Execução Fiscal permite a emenda da CDA até o momento da prolação da sentença de primeiro grau. Essas premissas conduzem, em exame mais açodado, ao entendimento de que na hipótese a CDA poderia ser emendada.

No entanto, há posicionamento de forte vertente no sentido de que a emenda da CDA até a prolação da sentença de primeiro grau só é possível em caso de erro de fato, não para erro de direito.

Confrontando-se esses posicionamentos indaga-se: a declaração de inconstitucionalidade na hipótese deve ser considerada erro de fato ou erro de direito? Nesses casos é possível a emenda da inicial até prolação da sentença de primeiro grau?Qual o entendimento predominante nos dias atuais?

As respostas às indagações supramencionadas, à luz a legislação, doutrina e jurisprudência é o que se pretende com o presente estudo, bem como a abertura de novos debates acerca do tema.

A legislação que interessa ao estudo

A possibilidade de emenda da inicial até o momento da prolação da sentença de primeiro grau encontra-se disciplinada no artigo Art. 2º, § 8º, da Lei de Execução Fiscal , como se extrai da dicção do mencionado dispositivo:

Art. 2º – Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 8º – Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos.

Encontra-se também disciplinada no Código Tributário Nacional , em seu artigo 202, que tem a seguinte redação:

Art. 203. A omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior ou o erro a eles relativo são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado, o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada.

No que diz respeito à alteração de lançamento ou não, a matéria encontra disciplina no art. 145 e incisos do Código Tributário Nacional, com redação nos seguintes termos:

“Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:I – impugnação do sujeito passivo;II – recurso de ofício;III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149”.

O posicionamento da doutrina favorável à emenda da CDA

Maria Helena Rau de Souza, com a ressalva de posicionamentos em sentido oposto, adota o entendimento de que a substituição da CDA não se restringe à correção de erros materiais, asseverando o seguinte:

“Outras circunstâncias supervenientes à conclusão do processo administrativo tributário e que não se limitam à correção de erros materiais, quer nos parecer podem igualmente ensejar a substituição válida do título executivo da Fazenda Pública. Tal ocorre, por exemplo, quando sobrevém cancelamento parcial de débitos com base em ato administrativo da autoridade competente ou mesmo com base em disposição legal”.

O posicionamento da doutrina contrário à emenda da CDA Em sentido oposto, invocando entendimentos esposados por Rubens Gomes de Souza, as considerações de Samuel Monteiro:

“Não se admite, em princípio, a revisão do erro de direito, porque o direito sempre se presume conhecido, nomeadamente por quem tem o dever e a obrigação funcional de conhecê-lo, não apenas para aplicá-lo contra o sujeito passivo, mas, também para instruir ou orientar este, no estrito e exato cumprimento de suas obrigações.

(…).

Em 1960, o saudoso e grande tributarista – verdadeiro pináculo do “Templo dos Tributos” – Rubens Gomes de Souza, defendia a tese, racional e lógica, de que: sendo o direito conhecido, por expressa determinação da Constituição e da Lei de Introdução ao Código Civil, era inadmissível a revisão do lançamento decorrente ou baseada em erro de direito”. É também, no campo doutrinário, o posicionamento de Misabel Abreu Machado Derzi:

“A doutrina e a jurisprudência têm estabelecido distinção entre erro de fato e erro de direito. O erro de fato é passível de modificação espontânea pela Administração, mas não o erro de direito. Ou seja, o lançamento se torna imutável para a autoridade, exceto por erro de fato. Juristas como Rubens Gomes de Souza e Gilberto de Ulhôa Canto defenderam essa tese, que acabou vitoriosa nos tribunais superiores.

Segundo essa corrente dominante, erro de fato resulta da inexatidão ou incorreção dos dados fáticos, situações, atos ou negócios que dão origem à obrigação. Erro de direito é concernente à incorreção dos critérios e conceitos jurídicos que fundamentar a prática do ato. Não pode a Administração alegar a ignorância da lei, nem venire contra factum proprium e, após notificado o sujeito passivo do lançamento, onerá-lo com novo lançamento”. Assim se manifesta Gilberto de Ulhôa Canto: Justamente em razão da mesma necessidade de se considerar que os atos administrativos têm caráter peculiar, é que avulta a circunstância de erro de direito não ensejar a anulação espontânea pela própria administração, porque esta, ao revés dos indivíduos, é governo, é poder, faz aplicação da lei, não pode ignora-la ou pretender, a posteriori, ter dela feito errôneo uso. O mesmo não ocorre se há falta de fidelidade do indivíduo ao levar-lhe o seu contingente de fato. (Cf. op. cit. P. 178).

……………….

“Ao apreciar o erro como um dos motivos que justificam o desfazimento ou a revisão do lançamento, distingue a melhor doutrina, e já hoje, também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as duas espécies em que o mesmo se pode revestir – erro de fato e erro de direito -, para só autorizar a revisão nos casos em que a autoridade lançadora tenha incorrido no primeiro (erro material de cálculo, por exemplo), mas não quando se trate de erro de direito. Tal entendimento está absolutamente conforme o sistema jurídico que nos rege, que não admite defesa baseada em erro de direito, pois a ignorância da lei não escusa a ninguém. Se assim é para os particulares, com maior soma de razoes sê-lo-á para a própria administração pública, que não poderá alegar a nulidade de ato seu por haver mal interpretado o direito, fazendo errônea aplicação sua ao fato”.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

Em sede jurisprudencial, outro não é, em caso específico da contribuição para o PIS, o entendimento de Superior Tribunal de Justiça, o que se constata de precedente da relatoria da Ministra Eliana Calmon, nos seguintes termos:

“Embargos à execução fiscal – substituição de certidão de dívida ativa – inexistência de simples erro material – impossibilidade – Entendimento desta Corte no sentido de que a substituição da CDA até a decisão de primeira instância só é possível em se tratando de erro material ou formal”.

À mesma linha filia-se o Ministro Francisco Falcão, em precedente de sua relatoria, ementado nos seguintes termos:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. recurso especial. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PIS. DECRETOS-LEI 2.445 E 2.449/88. COISA JULGADA. LEI Nº 10.522/02. CANCELAMENTO. I – O artigo 18, inciso VIII, da Lei nº 10.522/02, ordenou a não constituição, impediu novos ajuizamentos de ações de cobranças e determinou o cancelamento de lançamentos e inscrições de dívidas oriundas dos Decretos-leis nºs 2.445 e 2.449/88, desta feita, se determinou o cancelamento, a CDA que instrui a execução fiscal em julgamento está cancelada, o que leva à extinção da execução.II – A coisa julgada mantém intacta a exação, mas o título em cobrança, por força de lei, não mais pode sobreviver, diante do que dispôs o legislador no art. 18 da Lei 10.022/2002. Precedente: Resp nº 530.229/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 30/05/05. III – recurso especial improvido”. É também o entendimento do Ministro José Delgado, o que se constata de precedente de sua relatoria assim ementado:

“TRIBUTÁRIO. PIS. EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA ATIVA. INSCRIÇÃO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 202, CTN. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DO TÍTULO. INFRINGÊNCIA AOS ARTS. 2º, § 8º, E 3º, DA LEI 6.830/80, E ARTS. 203 E 204, CTN. recurso especial PROVIDO. 1. Admite-se recurso especial quando a decisão recorrida afronta dispositivos infraconstitucionais de forma implícita. 2. A substituição de título executivo só é permitida até a decisão de primeira instância.3. Impossibilidade de substituição de Título Executivo quando não se tratar de mera correção de erro material ou formal e, sim, de modificação do próprio lançamento, o que não possui tutela na Lei 6.830/80 e no CTN.4. recurso especial provido para determinar a nulidade da Certidão da Dívida Ativa e a execução dela decorrente”.

Considerações finais

Nos posicionamentos analisados neste estudo constatou-se que a doutrina, quer o debate envolva contribuição para o PIS ou não, sempre foi contrária à emenda da CDA quando presente erro de direito. A jurisprudência, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, e em especial no caso do PIS, afina-se com os entendimentos esposados pela doutrina. Nos julgados do Superior Tribunal de Justiça evidenciou-se que nos casos já ocorridos de declaração de inconstitucionalidade do PIS (Decretos-Leis números 2.445/88 e 2.449/88) o tema foi considerado como de erro de direito, o que por certo se repetirá com relação a recente declaração de inconstitucionalidade (Lei 9718/98, art. 3º, parágrafo 1º). Nesses casos a jurisprudência entendeu que não era admissível a substituição ou emenda da CDA, pois não se tratava de mero erro de fato ou material. Por fim, outra conclusão não existe senão a de que predomina o entendimento em sede jurisprudencial, principalmente no Superior Tribunal de Justiça, de que não é possível a emenda ou substituição de CDA até sentença de primeiro grau quando presente a hipótese de erro de direito.