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O princípio da legalidade na Constituição Federal

O principal desafio deste trabalho será discorrer sobre o princípio da legalidade contido na Constituição Federal. Frisa-se, desde já, que a pesquisa sobre a origem do princípio da legalidade levar-nos-ia longe, fugindo do objetivo do presente trabalho.

Princípio é regra básica implícita ou explícita que, por sua grande generalidade, ocupa posição de destaque no ordenamento jurídico e, por isso, vincula o entendimento e a boa aplicação, seja dos simples atos normativos, seja dos próprios mandamentos constitucionais. É um vetor para as soluções interpretativas.

Dado a importância do tema, que sempre é atual, desenvolvemos este trabalho sempre voltado para a Lei Maior, enfocando a legalidade penal (artigo 5º, inciso XXXIX), a legalidade administrativa (artigo 37, caput) e a legalidade tributária (artigo 150, inciso I).

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade é um dos princípios mais importantes do ordenamento jurídico Pátrio, é um dos sustentáculos do Estado de Direito, e vem consagrado no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, dispondo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, de modo a impedir que toda e qualquer divergência, os conflitos, as lides se resolvam pelo primado da força, mas, sim, pelo império da lei.

Lei é a expressão do direito, emanada sob a forma escrita, de autoridade competente surgida após tramitar por processos previamente traçados pelo Direito, prescrevendo condutas estabelecidas como justas e desejadas, dotada ainda de sanção jurídica da imperatividade.

Noutros dizeres, lei nada mais é do que uma espécie normativa munida de caráter geral e abstrato, normalmente expedida pelo órgão de representação popular, o Legislativo, ou excepcionalmente, pelo Poder Executivo.

Destes apontamentos, concluí-se que a expressão lei possui dois sentidos, um em sentido amplo e outro em sentido formal.

Lei em sentido amplo é toda e qualquer forma de regulamentação, por ato normativo, oriundo do Estado, tais como as leis delegadas, nas medidas provisórias e nos decretos. Lei em sentido formal são apenas os atos normativos provenientes do Poder Legislativo.

Em nosso país, apenas a lei, em seu sentido formal, é apta a inovar, originariamente, na ordem jurídica. Logo, não é possível pensar em direitos e deveres subjetivos sem que, contudo, seja estipulado por lei. É a submissão e o respeito à lei.

Reverencia-se, assim, a autonomia da vontade individual, cuja atuação somente poderá ceder ante os limites pré-estabelecidos pela lei. Neste obstante, tudo aquilo que não está proibido por lei é juridicamente permitido.

O império e a submissão ao princípio da legalidade conduzem a uma situação de segurança jurídica, em virtude da aplicação precisa e exata da lei preestabelecida.

Complementando o raciocínio, o insigne doutrinador Celso Ribeiro Bastos leciona que “o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei”.

De um modo mais simplificado, pode-se afirmar que nenhum brasileiro ou estrangeiro pode ser compelido a fazer, a deixar de fazer ou a tolerar que se faça alguma coisa senão em virtude de lei.

PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

O princípio da reserva legal é decorrente do princípio da legalidade. Por isso, não é errado afirmar que o princípio da legalidade possui uma abrangência mais ampla do que o princípio da reserva legal, este é um aprofundamento daquele.

O princípio da reserva legal é rotulado por uma maior severidade no intento de preservar as garantias individuais e limitar o poder do Estado sobre o cidadão, diz-se isso porque se trata de um princípio de suma importância, especialmente no direito Penal e no Direito Tributário, ramos em que assume a sua força extrema, o da tipicidade.

Assim o é, porquanto tais disciplinas são as que mais afetam, se assim se pode dizer, a vida dos particulares, a primeira por avançar sobre a liberdade, o segundo por atacar o patrimônio.

Reserva legal, também chamado de reserva de lei, significa que determinadas matérias somente podem ser tratadas mediante lei. Sendo vedado o uso de qualquer outra espécie normativa.

Noutros termos, é uma questão de competência, ou seja, todo e qualquer ato que venha a intervir no direito de liberdade ou de propriedade das pessoas carece de lei prévia que o autorize (ADI 2.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27/06/03). Vale dizer: somente a lei pode criar direitos e obrigações.

O doutrinador André Ramos Tavares, ao escrever sobre o tema, ensina que a “reserva de lei reporta-se a divisão de competências no seio do Documento Constitucional. Assim, quando, v. g., no artigo 175, parágrafo único, IV, prescreve-se que compete à lei dispor sobre a obrigação de manter serviço adequado, fica claro que, embora já existindo essa obrigação, vale dizer, já sendo uma realidade jurídica (constitucional), ainda assim pretendeu o legislador constituinte que ela fosse explicitada por lei”. Perfazendo o ensinamento transcrito, citamos, por exemplo, que apenas a lei pode versar sobre as matérias relativas a nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, direito eleitoral, direito penal, processual penal, processual civil, direitos individuais, dentre outros, como muito prescreve o artigo 62, parágrafo 1º, incisos I e II, e o artigo 68, parágrafo 1º, ambos da Carta Magna.

Seguindo o mesmo entendimento, o ínclito doutrinador José Afonso da Silva leciona que “quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei, encontramo-nos diante do princípio da reserva legal”. Por isso o entendimento de que o princípio em estudo envolve uma questão de competência, incidindo tão-somente nas matérias especificadas pela Constituição da República.

Necessário se faz explanar que o princípio da reserva legal comporta, ainda, duas subdivisões, a primeira, reserva de lei absoluta, e a segunda, a reserva de lei relativa.

A reserva de lei será absoluta quando uma determinada matéria só pode ser disciplinada por ato emanado pelo Poder Legislativo, mediante adoção do processo legislativo, ou seja, somente pela lei, em seu sentido mais estrito, poderá regular determina matéria prevista na Constituição Federal, sem a participação normativa do Poder Executivo.

Estribando a matéria, Simone Lahorge Nunes ensina que o princípio da reserva legal absoluta “significa a sujeição e a subordinação do comportamento dos indivíduos às normas e prescrições editadas pelo Poder Legislativo – apenas a lei em sentido formal, portanto, poderia impor às pessoas um dever de prestação ou de abstenção”.

Em outra vertente está a reserva legal relativa, estabelecendo que uma determinada matéria poderá ser disciplinada por atos normativos que, embora não emanados diretamente pelo Poder Legislativo, tem força de lei.

Ou melhor, haverá reserva de lei relativa quando a matéria a ser estatuída pode ser regulamentada por atos emanados pelo Poder Executivo, desde que observados os ditames constantes em lei. São inúmeros os exemplos desses tipos de atos, tais como os decretos, as leis delegadas e as medidas provisórias.

Para melhor elucidar o explanado, citamos os dizeres de Yonne Dolacio de Oliveira, in Curso de direito tributário:

“A reserva relativa de lei formal possibilita uma certa partilha de competência legislativa, para inovar o direito vigente, entre lei e o regulamento. Se a reserva é absoluta, inexiste a partilha de competência, sendo a lei a única fonte, que se estrutura no Poder Legislativo, podendo legitimamente constituir direito novo”.

Ressalta-se, que a Constituição Federal prevê a prática de atos infralegais sobre determinadas matérias, contudo, impõe a tais atos obediência a requisitos ou condições reservados à lei.

LEGALIDADE PENAL

O princípio da legalidade penal está previsto no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição da República, no qual estatui que “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Como já sobredito, trata-se de um limite para a atuação do Estado, agora no aspecto penal, na medida em que somente poderá tipificar situações como caracterizadoras como crime, instituir sanções ou penalidades se for por meio de lei. Ainda que o fato seja imoral, anti-social ou danoso, não há possibilidade de se imputar a qualquer pessoa a prática de um crime ou aplicar-lhe uma sanção penal pela conduta praticada.

No âmbito penal, o princípio da legalidade é rotulado pela reserva absoluta de lei, onde apenas a lei em sentido formal pode tipificar condutas e impor sanções. Logo, é uma função precípua do Poder Legislativo.

O doutrinador Fernando Capez, com muita maestria, ensina que “nenhuma outra fonte subalterna pode gerar a norma penal, uma vez que a reserva de lei proposta pela Constituição é absoluta, e não meramente relativa (…) somente a lei, na sua concepção formal e estrita, emanada e aprovada pelo Poder Legislativo, por meio de procedimento adequado, pode criar tipos e impor penas”.

A reserva legal no Direito Penal está implícita no conceito de tipicidade, ou seja, somente haverá um crime quando ocorrer um fato descrito em lei como tal.

Apenas a título de complementação, citamos o julgado da “Justiça Bandeirante”:

“Em Direito Penal, o princípio da reserva legal exige que os textos sejam interpretados sem ampliações ou equiparações por analogia, salvo quando in bonam parte. Ainda vige o aforismo poenalia sunt restringenda, ou seja, interpretam-se estritamente as disposições cominadoras de pena” (RT 594/365).

Pode-se concluir, portanto, que o princípio em estudo tem o condão de proteger o cidadão contra a ação do Estado, impondo limites para a repressão de condutas penalmente típicas, para a fixação da responsabilidade penal, quanto à natureza da sanção penal e o regime de cumprimento da sanção, dentre outros.

LEGALIDADE ADMINISTRATIVA

O princípio em estudo possui no direito público uma significação especial, diferindo do princípio da legalidade no direito privado.

No direito privado os particulares podem fazer tudo aquilo o que a lei não proíbe, prevalecendo a autonomia de vontade. Em outras palavras, qualquer ação ou omissão só poderá ser exigida se estiver consagrada em lei.

Essa autonomia de vontade está prescrita na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 4º, in verbis:

“A liberdade consiste em fazer tudo aquilo o que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram os membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei”.

Simplificando, aos administrados é conferida a possibilidade de fazerem, na defesa dos seus interesses, tudo aquilo o que a lei não proíbe.

No direito público, princípio da legalidade está disposto no caput do artigo 37 da Carta Magna, assumindo uma feição diversa da já estudada. Ao contrário dos particulares, que agem por vontade própria, à Administração Pública somente é facultada agir por imposição ou autorização legal. Ou seja, inexistindo lei, não haverá atuação administrativa legítima.

Citando as sábias palavras de Hely Lopes Meirelles, “a legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeitos aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”.

No princípio da legalidade a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina, trata-se de uma relação de subordinação para com a lei. Pois se assim não o fosse, poderiam as autoridades administrativas impor obrigações e proibições aos administrados, independente de lei. Daí decorre que nessa relação só pode fazer aquilo que está expresso na lei.

Analisando o princípio da legalidade na seara do Direito Administrativo, se conclui que toda a ação do Estado, em todos os níveis de atuação, que implique na obrigação de alguém fazer ou deixar de fazer alguma coisa, deve necessariamente ser precedido de uma lei que delineie os poderes-deveres do Estado, bem como os deveres relativos a um fazer ou a uma abstenção a que cada indivíduo está sujeito.

Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que “a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir um regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar”.

O princípio da legalidade representa uma garantia para os administrados, pois, qualquer ato da Administração Pública somente terá validade se respaldado em lei, em sua acepção ampla. Representa um limite para a atuação do Estado, visando à proteção do administrado em relação ao abuso de poder.

Complementando o raciocínio, o doutrinador Roque Antonio Carrazza afirma que “a aplicação do princípio da legalidade conduz a uma situação de segurança jurídica, em virtude da aplicação precisa e exata das leis preestabelecidas”.

LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio da legalidade tributária vem disposto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, e prescreve que apenas as situações descritas em lei são tributáveis, ou seja, nenhum tributo pode ser criado, aumentado, reduzido ou extinto sem que seja por lei. Ressalta-se, que a lei deve ser editada pela pessoa política competente.

Logo, a União é competente para a edição de leis tributárias federais, instituindo, assim, tributos federais; aos Estados, compete instituir tributos estaduais; aos Municípios, tributos municipais; e, ao Distrito Federal cabe a edição de leis tributárias distritais.

Somente a lei poderá diminuir e isentar tributos, parcelar e perdoar débitos tributários, criar obrigações acessórias, e não é só isso, é necessário que haja competência do ente tributante para que seja válida sua criação.

A Constituição Federal, no intento de conferir caráter mais rígido às normas tributárias, instituiu o princípio da estrita legalidade, impossibilitando qualquer margem de discricionariedade em face aos tributos. “A vista de todo o exposto, o princípio da legalidade, no que permite à instituição ou aumento de tributos, manifesta-se entre nós, como princípio da reserva absoluta de lei” (Roque Antonio Carrazza, Princípios Constitucionais Tributários, Editora Revista dos Tribunais).

O princípio da reserva legal é uma limitação ao poder de tributar, o Estado tem sua atividade tributária limitada àquilo que estiver previsto em lei.

A lei, ainda, deve descrever todos os elementos essenciais do tributo, ou seja, deve estipular a sua hipótese de incidência, sujeito ativo e passivo, base de cálculo e alíquota. Noutros dizeres, deve fixar os elementos essenciais do tributo, os fatores que influam no an debeatur (quem deve) e no quantum debeatur (quanto deve).

Outro ponto importante que deve ser elucidado é que o princípio da legalidade tributária traz implícito no seu conteúdo o princípio da irretroatividade dos tributos, onde este é corolário daquele, já que todo tributo deve ser previamente autorizado por lei. “Daí se extrai que a lei precisa ser anterior àquela situação jurídica ensejadora do tributo. É nesse particular que legalidade tributária também significa irretroatividade das leis tributárias” (Maria das Graças Strapasson, Princípio constitucional da legalidade tributária, editora Juruá, 2003).

Arrematando o assunto, citamos os ensinamentos do doutrinador Roque Antonio Carrazza:

“O princípio da legalidade garante, decisivamente, a segurança das pessoas, diante da tributação. De fato, de pouco valeria a Constituição proteger a propriedade privada (arts. 5º, XXII, e 170, II) se inexistisse a garantia cabal e solene de que os tributos não seriam fixados ou alterados pelo Poder Executivo, mas só pela lei”.

CONCLUSÃO

Não há como se olvidar que o princípio da legalidade é uma garantia de todos nós, cidadãos, pois qualquer ato do Estado somente terá validade se respaldado em lei. Representa um limite para a atuação do Estado, visando à proteção do administrado em relação ao abuso de poder.

Diante da elevada disposição da Carta Constitucional para o ordenamento jurídico, torna-se incontestável a suprema importância do princípio da legalidade, seja para o mundo penalista, administrativista ou tributarista, mormente para nós, cidadãos, sendo, indubitavelmente, uma viga mestra do Estado Democrático de Direito.