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Bancos: Ser ou não ser fornecedor, eis a questão

I. Considerações iniciais

As instituições financeiras e bancos1 estão submissos aos comandos da legislaçãoconsumeristas. Esse foi, em outras palavras, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal.Com ele, a recalcitrância desses fornecedores que atuam no Sistema Financeiro em fugir àsreferidas regras, espera-se, não mais se justifica.

II. O posicionamento da doutrinaA doutrina especializada já acenara, desde os idos tempos, com essa submissão dosbancos e instituições financeiras ao CDC, e sem os limites que, sem sucesso, essas entidadestentaram impor.

Nessa linha de entendimento, as antigas considerações Arnaldo Rizzardo, massempre com o sabor de novas:

“Não há dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor,introduzido pela Lei 8.078, de 11.09.1990, aos contratos bancários.

Como ébastante comum, as entidades financeiras, cuja mercadoria é a moeda, usam nas suasatividades negociais uma série de contratos, em geral de adesão, a eles aderindoaqueles que necessitam de crédito para as suas atividades. Proliferam as cláusulasabusivas e leoninas, previamente estabelecidas, imodificáveis e indiscutíveis quandoda assinatura dos contratos”. 2

III. O posicionamento do Superior Tribunal de JustiçaA matéria em debate, a despeito da costumeira resistência desses fornecedores emnegar sua condição e submissão ao CDC, já era surrada no Superior Tribunal de Justiça.

Naquela Corte, uma vez cristalizado o entendimento, foi editada a Súmula n. 297, com oseguinte enunciado: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituiçõesfinanceiras”.3

IV. O questionamento da matéria no Supremo Tribunal Federal

Insatisfeitos, os bancos e instituições financeiras, por meio da Consif, questionaram,pela via do controle direto4, a constitucionalidade da legislação consumerista5, alegando,dentre outros argumentos, a existência de vício formal. É que, de acordo com a tese defendidana ação de inconstitucionalidade, o Código de Proteção ao Consumidor foi criado porintermédio de lei ordinária, porém a matéria deveria ser disciplinada por lei complementar.

IV.1. O posicionamento doutrinário com relação a ADI n. 2591

Com relação ao tema, em artigo elaborado antes do julgamento pelo Supremo TribunalFederal, mas pugnando pelo resultado favorável aos consumidores, sem desmerecer, contudo,o posicionamento dos notáveis juristas Ives Gandra da Silva Martins, Arnoldo Wald e FátimaFernandes Rodrigues de Souza, que adotavam posicionamento diverso, Flori AntonioTasca, com acerto, já asseverava que:

“Mesmo após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter editado o Verbete n° 297 desua Súmula de Jurisprudência Predominante – “o Código de Defesa do Consumidoré aplicável às instituições financeiras” -, essas instituições resistem aos ditames daLei n° 8.078, de 15/09/1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No último “round” da luta das instituições financeiras contra o CDC, aConfederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) ajuizou no SupremoTribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) n° 2.591, natentativa de excluir as relações dos bancos e seguradoras com seus clientes daaplicação do CDC”.

(…).

A manobra das instituições financeiras, com o ajuizamento da indigitada Adin, éperniciosa (maléfica mesmo), pois o “CDCB”, além de ignorar importantes direitosconsagrados pelo CDC, ainda dá azo a que as casas bancárias sequer cumpram seusditames. Explica-se: é comum em ações judiciais contra instituições financeiras aalegação pela qual “resolução não tem força de lei”, como justificativa para o nãocumprimento de normas emanadas do Bacen.Isso ocorreu, por exemplo, em processos nos quais se discutia a responsabilidadecivil de bancos decorrente de prejuízos sofridos por quem recebeu cheques de contasencerradas, nos termos da Resolução n° 2.025 (24/11/1993) do Bacen.

(…).

É preciso reagir contra tal situação, pois a sociedade não merece sofrer mais essegolpe aplicado pelas instituições financeiras. Cabe ao Poder Judiciário,nomeadamente ao STF enquanto guardião da Constituição da República, repelir apretensão da Consif, reconhecendo a aplicabilidade plena e irrestrita do CDC àsinstituições financeiras, como já o fez o STJ reiteradas vezes, consolidando oentendimento pela Súmula n° 297″. 6Sobre a importância do julgamento, levando em conta o número de ações revisionaisajuizadas em face das referidas instituições e bancos, a manifestação de Jansen Fialho deAlmeida:

“O Supremo Tribunal Federal está na iminência de julgar ADI proposta pelos bancosque visam não lhes ser aplicável às regras do Código de Defesa do Consumidor, sobo fundamento de que só podem ser regidos por leis complementares (artigo 192, CF).Cuida-se de momento ímpar na história do Direito brasileiro, aliás, premente, devidoao ajuizamento milhares de ações revisionais que desaguaram nos tribunais. De vitalimportância um posicionamento definitivo, inclusive quanto à limitação ou não dosjuros reais nas relações de consumo”. 7

Na mesma linha, em trabalho publicado após a decisão do STF, as considerações deDaniella Augusto Thomaz:

“Uma longa e complicada batalha jurídica entre bancos e consumidores teve seudesfecho na sessão plena do STF. E dessa vez o Supremo decidiu em favor dosconsumidores. O julgamento envolveu a ADIN dos bancos, ajuizada em abril de2002 pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras, com o objetivo de tera atividade bancária excluída do rol de aplicação do Código de Defesa doConsumidor, CDC. A questão, embora já decidida pelo STJ, que havia editado aSúmula 297 desde setembro de 2004, aguardava desfecho, que só aconteceu com amanifestação do STF.(…).O resultado, 9 votos a 2, pela improcedência da ação, resulta numa decisão queprotege o objetivo traçado pelo constituinte, de proteção do bem comum dasociedade, com a sobreposição deste quando confrontado com os interesses dasinstituições financeiras”. 8

V. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, ao contrário do que imaginavam as mencionadasentidades, deu à causa a adequada solução. Entendeu que as “Instituições financeiras sesubmetem sim às regras do Código de Defesa do Consumidor”, como se extrai de trecho donoticiário daquela Corte sobre o julgamento:

“As relações de consumo de natureza bancária ou financeira devem serprotegidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC)”. Esse foi oentendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por maioria,(nove votos a dois) julgou improcedente o pedido formulado pela ConfederaçãoNacional das Instituições Financeiras (Consif) na Ação Direta deInconstitucionalidade (ADI) 2591.

A entidade pedia a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 3º do Código deDefesa do Consumidor (CDC) na parte em que inclui, no conceito de serviçoabrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira,de crédito e securitária.

O julgamento havia sido adiado no início de maio em razão do pedido de vista doministro Cezar Peluso que hoje (07/06) seguiu a divergência aberta pelo ministroNéri da Silveira (aposentado) e julgou improcedente a ação.Cezar Peluso afirmou que o CDC não veio para regular as relações entre asinstituições do Sistema Financeiro Nacional e os clientes sob o ângulo estritamentefinanceiro, mas sim para dispor sobre as relações de consumo entre bancos e clientes.Nesse sentido o ministro argumentou que “não há como nem por onde sustentar,convincentemente, que o CDC teria derrogado, de forma inconstitucional a Lei nº.4.595/64 [norma sobre o sistema financeiro]”.

Em seguida votou o ministro Marco Aurélio que também acompanhou a divergência.Marco Aurélio afirmou que o CDC não representa nenhum risco ao SistemaFinanceiro Nacional (SFN) e destacou a crescente lucratividade dos estabelecimentosbancários para afastar o pensamento de que o CDC repercutiu de forma danosa emrelação aos bancos.

Celso de Mello seguiu o entendimento da maioria pela improcedência do pedido naação e ressaltou que a proteção ao consumidor qualifica-se como valorconstitucional.

Para o ministro, as atividades econômicas estão sujeitas à ação defiscalização e normativa do Poder Público, pois o Estado é agente regulador daatividade negocial e tem o dever de evitar práticas abusivas por parte dasinstituições bancárias.

Nesse sentido, Celso de Mello entende que o Código de Defesa do Consumidor(CDC) cumpre esse papel ao regulamentar as relações de consumo entre bancos eclientes. O ministro acrescentou que o Sistema Financeiro Nacional (SFN) sujeita-seao princípio constitucional de defesa do consumidor e que o CDC limita-se aproteger e defender o consumidor “o que não implica interferência no SFN”. Assim,concluiu que as regras do CDC aplicam-se às atividades bancárias.A última a votar, a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, também entendeu queas relações de consumo nas atividades bancárias devem ser protegidas pelo CDC. Oplacar do julgamento definitivo da ADI ficou assim: votaram pela improcedência dopedido formulado pela Consif os ministros Néri da Silveira (aposentado), Eros Grau,Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso, MarcoAurélio, Celso de Mello e Ellen Gracie. Ficaram parcialmente vencidos os ministrosCarlos Velloso (aposentado), relator, e Nelson Jobim (aposentado)”. 9

VI. Considerações finais

Pelo exposto, não é difícil de se concluir que a decisão do Supremo Tribunal Federal,reconhecendo que a relação entre cliente e banco ou instituição financeira deve serdisciplinada pelo Código de Proteção ao Consumidor, corrobora o entendimento já esposadopela doutrina e por farta jurisprudência, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, quecristalizou a matéria por meio de Súmula. Por isso, a provável persistência dessas entidadesem negar a sua condição de fornecedores, deve ser reprimida em temperatura alta pelo PoderJudiciário, pois o tema não comporta maiores debates após o histórico pronunciamento doSupremo Tribunal Federal.