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A nova competência da justiça laboral, a cidadania e os direitos fundamentais dos trabalhadores

Inicialmente, faz-se necessário esclarecer que o alargamento da competência da Justiça do Trabalho ocorreu depois de muitos anos de debate no Congresso Nacional e na própria sociedade civil.

Foi empreendido em decorrência do surgimento da Emenda Constitucional nº 45, o que acarretou diversas inovações para o mundo jurídico trabalhista, destacando-se, para fins de elaboração deste trabalho, a significativa ampliação da gama de matérias de competência desta Especializada.

Notadamente, torna-se evidente a ocorrência de um elastecimento da competência da Justiça do Trabalho, quando houve a determinação constitucional de que qualquer relação de trabalho seria objeto de análise desta Justiça, pouco importando a natureza jurídica do aludido feito, pois este pode ser respaldado em Normas de Direito Civil ou de Direito do Trabalho.

Nesta trilha, surge a necessidade de se analisar os critérios de determinação desta novel competência, preconizando a relação de trabalho, já que a esta alteração tem por escopo a busca por uma maior efetividade da tutela jurisdicional.

A Emenda nº 45 alterou o art. 114, da Constituição Federal, o qual passou a dispor do seguinte modo, note-se:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

§ 1º – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º – Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. § 3º – Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

Como se pode ver através da transcrição acima do artigo 114, a Justiça Laboral alterou seu objeto de regulamentação da relação de emprego para a relação de trabalho latu sensu, ou seja, deixou-se de albergar unicamente as relações que versassem sobre o contrato de emprego formal, passando a compreender toda relação jurídica que tenha por finalidade a prestação de serviços, ou seja, sempre que houver trabalho humano para outrem, o qual dele se beneficia, mediante retribuição pecuniária.

A renomada Maria Helena Diniz conceitua com simplicidade o que significaria o termo trabalho, perceba-se: “o conjunto de atividades humanas, intelectuais ou braçais que geram uma utilidade” .

De toda sorte, pode-se apontar alguns elementos intrínsecos à relação de trabalho latu sensu, tais como a existência de alguém que presta um determinado serviço, a existência de alguém que recebe esta prestação de serviço e uma relação jurídica mantida entre os mesmos que é denominada de relação de trabalho.

Demais disso, torna-se imperioso transcrever também os ensinamentos do doutrinador Maurício Godinho Delgado acerca da distinção entre relação de emprego e relação de trabalho, in verbis:

A Ciência do Direito enxerga clara distinção entre relação de trabalho e relação de emprego.

A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estagiário, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico.A relação de emprego, entretanto, é, do ponto de vista técnico-jurídico, apenas uma das modalidades específicas de relação de trabalho juridicamente configuradas. Corresponde a um tipo legal próprio e específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes.

Faz-se necessário esclarecer, em contrapartida, que existem certas relações que envolvem prestação de serviço, mas que não serão reguladas pela Justiça do Trabalho, quais sejam: as relações de consumo, haja vista a existência de legislação específica e especial, consubstanciada através do Código de Defesa do Consumidor (CDC), com base no entendimento do renomado Carlos Henrique Bezerra Leite, veja-se:

É preciso advertir, porém, que não são da competência da Justiça do Trabalho as ações oriundas da relação de consumo. Vale dizer, quando o trabalhador autônomo se apresentar como fornecedor de serviços e como tal, pretender receber honorários do seu cliente, a competência para a demanda será da Justiça Comum, e não da Justiça do Trabalho, pois a matéria diz respeito à relação de consumo, e não à de trabalho. Do mesmo modo, se o tomador do serviço se apresentar como consumidor e pretende devolução do valor pago pelo serviço prestado, a competência também será da Justiça Comum.

[…]Urge, pois, distinguir consumidor de tomador de serviços. Para tanto, devemos aplicar a definição do art. 2º do CDC, segundo o qual consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Já o tomador, para os fins da relação de trabalho, é a pessoa física ou jurídica que utiliza os serviços prestados por um trabalhador autônomo não como destinatário final, mas sim como intermediário. Afinal, a gênese do direito do trabalho e do direito processual do trabalho é a proteção do trabalhador, isto é, do prestador do serviço, e não do tomador do serviço, enquanto a gênese do direito das relações de consumo repousa sempre, na proteção do consumidor e nunca do prestador ou fornecedor de serviços.

Resta absolutamente claro que o citado alargamento da competência da Justiça do Trabalho apresenta pontos positivos e negativos para os trabalhadores, conforme seguem abaixo explicitados.

No que tange aos pontos positivos, deve-se destacar que as demandas que versem sobre as várias formas de trabalho serão julgadas por um juiz mais preparado para analisar os feitos e proferir decisões mais bem fundamentadas, bem como da maior transparência e do controle democrático da atividade jurisdicional, o que garante de modo mais equânime a manutenção dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Além disso, não se pode deixar de comentar que os processos de competência desta Justiça Especializada costumam ser mais céleres, tanto em seus julgamentos, quanto em todo o seu trâmite processual, o que possibilita também maior efetividade na satisfação dos créditos não pagos aos obreiros durante a vigência de seus contratos de trabalho.

Urge frisar, ainda, que a celeridade processual foi elevada ao nível de Direitos e Garantias Fundamentais dos Trabalhadores, na medida em que a Emenda Constitucional nº 45 inseriu no art. 5º, da Carta Magna, através do inciso LXXVIII, o Princípio da Duração Razoável do Processo, estabelecendo que a todos são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação em procedimentos administrativos e judiciais.

Por outro lado, esse alargamento transfere a esta Justiça um volume de processos bastante elevado, o que acaba por tornar mais lento o andamento dos feitos trabalhistas, em razão das precárias condições físicas desta Justiça, na medida que há necessidade de maior aparelhamento das varas e maior número de servidores para uma melhor absorção deste novo rol de competências que a alteração constitucional lhe conferiu.

Tais dificuldades podem ser interpretadas como sendo um retardamento dos direito fundamentais destes trabalhadores e da cidadania, posto que a Justiça do Trabalho pode perder uma de suas características primordiais que se constitui na celeridade de seus julgados.

Percebe-se, portanto, que estas adaptações ocorridas nas normas trabalhistas visam a assegurar as regras mínimas aos trabalhadores e, ao mesmo tempo, propiciar a sua sobrevivência, tendo em vista que a Justiça do Trabalho já é reconhecida pela maior rapidez em seus julgados, além de estar mais bem preparada para analisar estas relações de trabalho.

Como bem é da sabença pública, a base das relações trabalhistas encontra-se atrelada diretamente aos Princípios Constitucionais Fundamentais, uma vez que lá estão contidos os Valores Sociais do Trabalho, com previsão no art. 1º, inciso IV da Carta Magna, bem como os Direitos Sociais a que os obreiros fazem jus.

Os direitos fundamentais constituem-se em diversos direitos a que os cidadãos fazem jus, estando divididos em primeira geração, que englobam os direitos civis e políticos, preconizando o Princípio da Liberdade, em segunda geração que abordam os direitos econômicos, sociais e culturais, albergando o Princípio da Igualdade, bem como em terceira geração que materializam poderes atribuídos à sociedade, incluindo-se o Princípio da Solidariedade.

Com o fito de demonstrar com maior simplicidade o acima exposto, deve-se destacar que consubstanciam-se no direito dos cidadãos de exigir dos poderes públicos a proteção de seus direitos.

O renomado Alexandre de Moraes explicita o significado destes Direitos Sociais que tratam em seu âmago das relações trabalhistas de modo geral, note-se:

Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades políticas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do estado democrático, pelo art. 1º, IV da Constituição Federal.

Estes direitos sociais são normas de ordem pública, sendo portanto, invioláveis, inalienáveis e irrenunciáveis, sendo vedada qualquer transação que acarrete uma privação dos mesmos, devendo ser garantidos a todos os trabalhadores.

Para se compreender o reflexo deste alargamento de competência na Cidadania dos trabalhadores, deve-se primeiramente apresentar seu conceito.

Entende-se por cidadania como sendo a consciência de que o indivíduo tem o direito a ter direitos, ou seja, o exercício de direitos e deveres. A prática da cidadania vincula-se à instauração da democracia, em conformidade com o direito e a vontade expressa na Constituição Federal.

Notadamente, há de se perceber que estas mudanças estão servindo para uma maior concretização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da própria Cidadania, ambos explicitamente contidos na Carta Magna de 1988, porquanto está se primando pela garantia da satisfação mais célere dos créditos não pagos aos trabalhadores, tendo em vista que tais créditos possuem caráter alimentar, o que os torna extremamente necessários, além de possibilitar, também, a ampliação do acesso à Justiça a estes jurisdicionados.

Isto posto, percebe-se que esse alargamento da gama de matérias de competência da Justiça do Trabalho trouxe pontos positivos e negativos que se refletem na perpetuação e manutenção da Cidadania e dos Direitos Fundamentais dos obreiros, na medida em que será proporcionado maior grau de zelo, transparência e conhecimento na apreciação dos julgados, porém, em contrapartida, poderá servir como obstáculo para a celeridade que caracteriza a Justiça do Trabalho, caso não ocorra uma reorganização estrutural.