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A crise da instituições e os mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos

Hodiernamente, muito se discute, na seara da filosofia política, a construção da nação universal, bem como a simplificação dos meios de relacionamento entre os Estados, uma vez que o exemplo da União Européia salta-nos aos olhos. O globalização e a tendência ao universalismo trouxe aos Estados, de um lado, a primordial preocupação com a soberania e sua auto determinação; de outro a terrífica constatação de que tal tendência caminha evolutivamente à medida que a civilização cresce. Trata-se do ponto vital da crise que vivenciamos: ou caminhamos no sentido da evolução ou nos fechamos dentro de nossas concepções individualistas, ficando, porém, atrasados perante aos demais povos.

Ao analisarmos nosso país de modo imparcial, verificamos que, em razão da convivência harmônica das diversidades racias, é da natureza de nosso povo a tendência ao universalismo. Entretanto, nosso Ethos está completamente impregnado de concepções dogmáticas que, conjugando-se ao medo do dinamismo daquilo que é novo, erigi-se como um grande obstáculo à nossa evolução.

Fácil é verificar a veracidade de tais circunstâncias quando avaliamos o nosso grau de politização, que poderíamos dizer ser muito pouco. Usando nossa história como exemplo, constatamos que, à despeito dos diversos movimentos políticos e culturais desenrolados em nosso país, nenhum foi propulsionado e conduzido unicamente pelo povo, quase sempre alheio a tudo. Por conseguinte, a cultura de nosso país prima pelo acomodamento dos problemas ante ao princípio da resignação, o que hostiliza todo e qualquer empreendedorismo.

A caótica situação em que encontra-se o Poder Judiciário brasileiro é um reflexo de tal postura de acomodamento. Muito embora a tendência evolutiva caminha ao lado da simplificação e humanização do Direito e dos seus mecanismos de pacificação, a cultura brasileira mostra-se relutante a tais mudanças, o que trouxe como conseqüência a deficiência na prestação da tutela jurisdicional e alto custo na movimentação processual, sendo que tais problemas são ainda mais agravados pela insuficiência de recursos humanos.

Muito embora tal realidade encontra-se em nosso cotidiano a décadas, debateu-se muito e fez-se pouco no sentido de buscar alternativas para a solução de tais problemas. Todavia, no ano de 1996 entra em vigor no Ordenamento Jurídico pátrio a Lei 9.307, que regulamentou o instituto da arbitragem no Brasil, como meio extrajudicial de solução de conflitos. Trata-se de uma modalidade de MESCs (Meios Extrajudicias de Solução de Conflitos) que contém, ainda, como espécies a conciliação e a mediação, estando estes últimos desprovidos de regulamentação legal no Brasil.

Os MESCs são instrumentos alternativos, utilizados na resolução dos conflitos surgidos entre partes, sem a necessidade da intervenção do Poder Judiciário Estatal, quando o bem-interesse envolvido diz respeito a direito patrimonial disponível. A arbitragem hoje, como já mencionado, é prevista em nosso Ordenamento, consistindo num meio através do qual as partes elegem um terceiro, estranho à desavença, para decidir sobre a questão, possuindo, tal decisão, o caráter de sentença. No caso da conciliação, as partes elegem um terceiro para interferir no conflito, mediante a apresentação de sugestões ou propostas, dirimindo a controvérsia, pois as próprias partes decidem a questão, haja vista não haver a possibilidade do conciliador impor suas sugestões. Já na mediação, o terceiro intervém apenas como um facilitador que busca aproximar as partes a fim de que solucionem suas divergências.

Entretanto, não são institutos novos, uma vez que tanto na história da humanidade, como na particular história de nosso país, tais mecanismos sempre existiram e foram utilizados. Tanto que a arbitragem, a mediação e a conciliação, são largamente utilizadas na seara das relações internacionais, bem como em Ordenamentos Jurídicos alienígenas. A novidade, em nosso país, encontra-se na necessidade de adoção de tais mecanismos, de modo urgente, como ferramentas de apoio à Jurisdição Estatal.

Nesse sentido, o reconhecimento da necessidade de se buscar alternativas para a resolver os problemas que a morosidade do Poder Judiciário Estatal ocasiona na esfera social, abre uma estreita brecha para que o paradigma brasileiro evolua no sentido da desburocratização com a conseqüente simplificação não somente do processo, como meio jurídico de solução de conflitos, mas também do próprio Ordenamento Jurídico, como um todo. Não se trata de idealismos, mas sim de necessidade urgente, haja vista que a não adoção de tais medidas contribui ainda mais para o atraso cultural que permeia nosso Ethos.

Ao analisarmos a atual civilização, constatamos que a generalidade de nossas instituições, bem como nosso senso comum, encontram-se mergulhados numa profunda crise, conseqüência inata de centenas de anos vividos numa cultura de valorização de formalismos, que transformou a nós todos em seres materialistas e burocráticos.

Dos primórdios de sua existência até nossos tempos o homem tem um único objetivo, que é a meta e preparo de toda sua existência: a felicidade. É inegável que através dessa busca constante a humanidade evoluiu ao ponto que nós conhecemos, mas é inquestionável a afirmação de que a felicidade ainda não foi encontrada. Isto fica claro ao verificarmos que não existe ser humano no mundo que tenha garantia de viver sem temer as doenças, a pobreza e os conflitos.

Somos um produto elaborado pelas idéias do século XVIII. De Hobbes herdamos a idéia de que o grande Leviatã (Estado) resolveria todos os nossos problemas através da garantia de segurança. Já Rosseau nos delegou o postulado retórico de que nossas leis são instituídas por nós mesmos e que, portanto, desobedecer às leis, é desobedecer a si mesmo. Outrossim, coube a Montesquieu lançar as sementes da estruturação tripla do Poder Estatal, restando-se delegado ao Poder Judiciário a veneranda tarefa da pacificação social através da aplicação das leis.

Permeando tais postulados há o individualismo e o culto às formas legais que acabaram por burocratizar e tornar complexa todas as estruturas do Poder Estatal. É inegável que o movimento marxista contribuiu e muito para o aprimoramento de nossas instituições, buscando a derrubada de tais estruturas, uma vez que tudo em nossos dias assumiu um aspecto mais socializante e democrático, mas fracassou quando idealizou a necessidade de eliminação do Estado e de suas estruturas, como entes responsáveis pela infelicidade humana.

Porém, ante a situação atual da condição do homem é preciso nos despir tais roupagens e partir para uma análise verdadeira e real dos fatos sociais. O individualismo e formalismo do século XVIII, delegou ao nossos tempos um Ordenamento Jurídico composto de um emaranhado inutilizável de proposições abstratas e um Poder Judiciário inoperante. Já o marxismo nos deixou a idéia de que todos os infortúnios dos homens encontram sua razão de ser em algo extrínseco.

Ora, são formas de visão incoerentes pois todos os problemas do homem encontram sua razão de ser no próprio homem. Não são as Leis, a cada dia mais abstratas e distantes da realidade, que poderão contribuir para a felicidade do homem; tão pouco uma mudança nas estruturas sociais terá o condão de tornar o homem mais próximo de tal supremo bem. Tudo que existe em nosso exterior, ou foram dados pela Natureza ou construídas e modificadas por nós, não havendo razão para projetar nossas frustrações sobre elas.

A humanidade somente encontrará sua felicidade no momento em que cada um de nós, imbuídos do verdadeiro espírito de justiça, convergirmos nossos pensamentos, palavras e ações no sentido de eliminar os três maiores infortúnios do ser humano: a doença, a pobreza e os conflitos.

Por conseguinte, devemos, de primeiro lanço, romper o paradigma de que tais problemas de vital importância são inerentes à humanidade. Tal posicionamento ao longo de toda a nossa evolução, trouxe como conseqüência a resignação, ao invés de buscarmos centralizar nossas energias na solução de questões tão vitais.

Também devemos banir de nossa mentalidade o dogmatismo que sustenta nosso Sistema Jurídico e a crença de que a civilização é mais evoluída à medida que mais leis são sancionadas. Trata-se de incongruência pois afinal de contas, uma vez que progresso encerra uma conotação de atingir um estágio melhor, o aumento das leis significam o aumento dos males sociais e o atestado da falha dos abstratismos legais.

Outrossim, a inoperabilidade do Poder Judiciário é pública e notória, não havendo sequer motivos para comentários. Devemos atentar, no entanto, que tal modo de resolução de conflitos, desde o início trouxe consigo as sementes de sua falibilidade. O verdadeiro motivo do surgimento dos conflitos decorre de problemas individuais que, projetados para o exterior, são as razões diretas e indiretas para todas as desavenças existentes em nossa sociedade.

Por conseguinte, buscar a resolução das controvérsias pautando-se única e exclusivamente em legislação é um procedimento falho, pois parte de uma abstração genérica para solucionar um conflito que tem sua origem no indivíduo em si.

Toda e qualquer solução deverá ser buscada através da análise e estudo do ser humano, porque todos os problemas, bem como tudo que existe em nosso exterior, têm sua razão de ser na existência do homem. Somente assim será possível conceber uma verdadeira pacificação social.

Nesse contexto é incabível a sustentação da necessidade dos formalismos legais para salvaguarda social, quando a prática mostra com clareza que o culto à legislação tornou-se, há muito, um apanágio à burocracia e à insensibilidade, afastando o homem, paulatinamente do estudo de si mesmo e do meio que o cerca.

Assim, é inevitável o reconhecimento da insuficiência dos mecanismos Estatais na solução das controvérsias. O princípio da Democracia deve ter como embasamento primeiro o espírito de justiça, e ao falarmos em justiça devemos ter em mente o ser humano como ponto de partida para analise do problema.

Com o universalismo e cosmopolitismo cada vez mais crescente é inegável que a sustentação das formalidades inibem o Poder Judiciário em cumprir sua missão inata de resolução dos conflitos. Como já dito acima, a conseqüência desse cenário é a busca de adoção de mecanismos que supram e/ou colaborem com a atividade estatal na solução das controvérsias.

Assim, a utilização dos Mecanismos Extrajudiciais de Solução de Conflitos é tendência global, uma vez que tudo atualmente torna-se global. Nesse diapasão, a simplificação de todo e qualquer processo, dos mais corriqueiros ao mais complexos, são medidas imperativas e que atendem a tendência à internacionalização de todos nós.

Acreditamos que a difusão e utilização dos chamados MESCs vem contribuir para a resolução de um problema crucial em nosso país no tocante à prestação da tutela jurisdicional efetiva, o que, consequentemente, conduzirá nosso povo pelo caminho cada vez mais célere da globalização.

Numa análise planetária, os MESCs constituirão a alternativa necessária e idônea na solução de conflitos que nos conduzirá à valorização do ser humano, à tolerância das diferenças, à superação de fronteiras, pois tem como supedâneo o respeito aos homens e seus elos sociais. Tal proceder, portanto, nos conduzirá à construção, paulatina de uma sociedade mais sadia, igualitária, harmoniosa e digna.