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Sobre a recente edição da Lei 10.931, de 10 de agosto de 2004

  • FUNDAMENTO LEGAL
  • FORMAS DE USUCAPIÃO
  • EFEITO DA BOA-FÉ SOBRE O REGISTRO PREDIAL
  • A TEORIA DA APARÊNCIA E A USUCAPIÃO TABULAR
  • A PRESUNÇÃO TABULAR E A USUCAPIÃO TABULAR
  • AS TEORIAS DA APARÊNCIA E BOA-FÉ E O SISTEMA DE NULIDADES DO CÓDIGO CIVIL
  • CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO REGISTRO E A USUCAPIÃO TABULAR
  • CONCLUSÃO

FORMAS DE USUCAPIÃOEFEITO DA BOA-FÉ SOBRE O REGISTRO PREDIALA TEORIA DA APARÊNCIA E A USUCAPIÃO TABULARA PRESUNÇÃO TABULAR E A USUCAPIÃO TABULARAS TEORIAS DA APARÊNCIA E BOA-FÉ E O SISTEMA DE NULIDADES DO CÓDIGO CIVILCANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO REGISTRO E A USUCAPIÃO TABULARCONCLUSÃO

A recente edição da Lei 10.931, de 10 de agosto de 2004, destinada a regular várias matérias relacionadas a direitos reais como patrimônio de afetação ou cédulas de crédito imobiliário e de crédito bancário dentre outras, trouxe mudanças sensíveis nos registros públicos, a exemplo de profunda reforma no processo de retificação do registro predial

FUNDAMENTO LEGAL

A recente edição da Lei 10.931, de 10 de agosto de 2004, destinada a regular várias matérias relacionadas a direitos reais como patrimônio de afetação ou cédulas de crédito imobiliário e de crédito bancário dentre outras, trouxe mudanças sensíveis nos registros públicos, a exemplo de profunda reforma no processo de retificação do registro predial.

No âmbito dessas mudanças no fólio real, insere-se o tema em comento, a positivação do princípio da convalescença registral com a previsão expressa do usucapião tabular, ou da usucapião tabular, substantivo de dois gêneros conforme o Dicionário Houaiss, e nesse gênero adotado pelo Códex Civil de 2002.

O preceito normativo vem expresso na nova redação dada ao art. 214 da Lei nº 6.015, de 1973, Lei de Registro Públicos-LRP, que passa a estatuir em seu § 5º, in litteris :

Art. 214 – As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

§ 1o A nulidade será decretada depois de ouvidos os atingidos.

§ 2o Da decisão tomada no caso do § 1o caberá apelação ou agravo conforme o caso.

…..

§ 5o A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.

O novel Códice Civil de 2002 já trouxe incubada a idéia da convalescença do registro pelo instituto da usucapião. Corrêa de Mello (2002) ao examinar a eficácia do registro imobiliário, sob a ótica de proteção da matriz tabular e de resguardo ao terceiro de boa-fé, denomina os efeitos da usucapião tabular como princípio da convalescença registral, identificando o princípio no parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil, que prevê:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

FORMAS DE USUCAPIÃO

A usucapião, aquisição originária, consumando-se por meio do exercício continuado da posse, apresenta-se nas seguintes modalidades:

1. usucapião extraordinário (art. 1.238 do Código Civil );

2. usucapião ordinário (art. 1.242 do Código Civil );

3. usucapião constitucional urbano (art. 1.240 do Código Civil e art.183 da Constituição Federal), também conhecido como pro moradia;

4 usucapião constitucional rural (art. 1.239 do Código Civil e arat.183 da Constituição Federal), também conhecido como pro labore;

5. usucapião especial coletivo (art. 10 da Lei n. 10.257, de 2001, Estatuto da Cidade);

6. usucapião extraordinário com prazo reduzido (parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil ) e

7. usucapião ordinário com prazo reduzido (parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil ), o denominado usucapião tabular.

Quanto ao tempo para se consolidar a prescrição aquisitiva, Soares Neto (2004) assinala, no exame do Código Civil de 2002, ter sido a redução de prazo uma constante em matéria de prescrição, cuja ratio consiste em valorizar a segurança e estabilidade das relações jurídicas. A função social da propriedade e da posse também fomentou inovações, seguindo diretriz constitucional, fruto da mescla da teoria da utilidade social com a teoria do ato de soberania, permitindo o surgimento da teoria da utilidade social mitigada, que se baseia na preponderância da noção de utilidade social, delimitadora do poder do proprietário, também controlado pelo poder de império do Estado emanado da soberania. A usucapião tabular com prazo reduzido, presente no art. 1.242, parágrafo único, do Código Civil, tem por requisito a aquisição a título oneroso, com base no registro, posteriormente cancelado, somado à moradia ou investimentos de interesse social e econômico, o que nada mais é do que a função social da propriedade.

EFEITO DA BOA-FÉ SOBRE O REGISTRO PREDIAL

A figura da convalescença do registro vê-se agora expressamente prevista na LRP, com a edição da Lei 10.931, de 2004, que, ao dar nova redação ao art. 214, estatui em seu § 5º vedação à decretação da nulidade do registro se verificada a boa-fé do terceiro, desde que preenchidas as condições de usucapião do imóvel.

O registro imobiliário constitui um ato administrativo, suscetível de anulação pela própria Administração Pública, em caso de ilegalidade evidente. Não sendo o vício aparente, mas oculto, evidente não será a ilegalidade, que é exceção à regra e ao princípio da legitimidade dos atos administrativos, tornando suscetível a anulação ou bloqueio do registro apenas em procedimento judicial de ampla cognição, tanto que assegurada a ampla defesa do titular do direito inscrito, em favor de quem milita a presunção do registro, conforme estatuído na LRP, arts. 214 e 216, que assim dispõem:

Art. 214 – As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

Art. 216 – O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução

O cancelamento do registro constitui uma espécie do gênero retificação do registro e a regra prevista no art. 213, §6.º, da LRP, é de que, não sendo evidente o erro, incluído o vício de nulidade, ou não havendo composição entre os interessados, o juiz remete o interessado para as vias ordinárias:

Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:

….

§ 6º Havendo impugnação e se as partes não tiverem formalizado transação amigável para solucioná-la, o oficial remeterá o processo ao juiz competente, que decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo se a controvérsia versar sobre o direito de propriedade de alguma das partes, hipótese em que remeterá o interessado para as vias ordinárias.

A possibilidade de revisão pela Administração de seus atos encontra limites constitucionais na coisa julgada, no ato jurídico perfeito e no direito adquirido. Somadas a essas garantias individuais, que devem ser observadas pelo Estado, há a prescrição para nulidade do vício, em face da qual mesmo a Administração não pode ficar imune. Ainda que se argumente com a imprescritibilidade do negócio jurídico nulo de pleno direito, conforme art. 169 do Código Civil, não ficaria tal nulidade insuscetível de sofrer os efeitos da prescrição aquisitiva extraordinária, como prevista no art. 1.238 do Código Civil, pois para essa independe de ter havido vício na posse.

A TEORIA DA APARÊNCIA E A USUCAPIÃO TABULAR

O novo instituto protege aquele que adquire onerosamente e com boa-fé a propriedade de quem não é dono, aqui resguarda-se a aquisição a non domino, em homenagem à propriedade aparente. Tal proteção à aparência de direito foi recepcionada pelo Código Civil de 2002, no âmbito do direito das sucessões, quando abraçou a teoria da aparência, legitimando a aquisição onerosa e de boa-fé, de imóvel pertencente a herdeiro aparente, ressalvando-se as aquisições gratuitas, nos estritos termos do art. 1.817 do Código Civil de 2002. [01]

A teoria da aparência ampara a boa-fé do adquirente, por vício oculto no registro, podendo autorizar, conforme o caso, a usucapião ordinária, em face de terceiro. É aí que surge a usucapião tabular, se escusável for o erro do adquirente, tanto que demonstrado em procedimento judicial adequado. Já em relação à Administração, o fator de preponderância é a convalidação da situação primitiva pelo decurso do tempo, pois não seria possível ao administrador, nem discricionariamente, averiguar a boa-fé ou o melhor título de eventuais interessados para decidir a quem caberia a manutenção ou a correção do registro.

A PRESUNÇÃO TABULAR E A USUCAPIÃO TABULAR

Tendo em vista nosso ordenamento não ter acolhido o princípio da presunção tabular absoluta, conhecido como princípio da fé pública registral, como se dá na ordem germânica, entre nós, a presunção de veracidade do registro é relativa, podendo ser destruída em determinadas hipóteses.

O sistema registral brasileiro, diversamente do tedesco, é de natureza causal. Aqui não temos um juízo predial, em face do qual se firmam transmissões de direitos reais insuscetíveis de invalidação a posteriori, por outro lado, não restringimos os efeitos do registro predial à mera publicidade, como no modelo francês. Em nosso ordenamento, o instrumento do negócio é absolutamente imprescindível para a substância do registro, e seguindo o princípio da sucessividade, numa concepção estreita acerca do ato-condição, podemos considerar a convenção como ato-meio para o registro, e esse como ato-fim.

Todavia, como ocorre na compra e venda a non domino, no plano da eficácia do direito das obrigações, pode a convenção ser válida, ainda que a posse, por ser adquirida numa venda dessa natureza, não seja válida. A posse nessa situação será de má-fé se o adquirente não ignorava o vício. Mas, anulado o registro da compra e venda de quem não era proprietário, ainda assim é possível reconhecer a validade da obrigação ou até suprimir uma posse qualificada ad usucapionem.

Nosso sistema registral é substantivo, ou seja, se baseia num título causal e por isso, se houver invalidade no título aquisitivo, a inscrição será afetada indiretamente. O vício pode ser inerente ao título causal ou ao registro, neste último caso a ação anulatória ou de retificação limitada ao pré-registro, pode ser postulada em face do registrador, que deverá sanar o defeito.

O sistema alemão, no qual impera a presunção de fé pública, é abstrato, as partes comparecem perante o registrador para formalizar a transmissão da propriedade. Portanto, a veracidade do registro pode vacilar quando houver nulidade ou anulabilidade do título causal, defeito da inscrição e fraude à execução, regulado pelo art. 216 da LRP, onde prepondera o interesse público, sendo o ato fraudatório ineficaz para o processo. A aquisição a non domino, para muitos, importaria em presunção absoluta de veracidade do registro, quando realizada a título oneroso e com boa-fé.

A nova espécie de usucapião ordinário visa, exatamente, à proteção da aquisição a non domino e isso é verificado quando exige como requisito legal o cancelamento da inscrição, palavra oculta no texto legal, que na realidade é espécie do gênero registro. Quer dizer que se não houver cancelamento, a prescrição não se consumará? Para responder a essa questão, a Lei 10.931, de 2004, incluiu o § 5º no art. 216 da LRP, dispondo que “A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.”

Como afirma Soares Neto (2004), o princípio da presunção absoluta ficou fortalecido com a eficácia sanatória da inscrição nos casos de transmissão de propriedade aparente cumulada com a boa-fé do adquirente, todavia, é facultado a esse, alternativamente, demandar pela evicção [02], como disposto no art. 457 do Código Civil de 2002:

Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa

O saneamento ocorrido com a inscrição do usucapião é fato, mas não tem a mesma extensão do usucapião tabular ou de livro, previsto no parágrafo 900 do Código Civil alemão – BGB, que disciplina :

§ 900. Quem, como proprietário de um prédio, estiver inscrito no Livro de Imóveis, sem que tenha ele obtido a propriedade, adquirirá a propriedade quando a inscrição durar trinta anos e, durante esse tempo, tiver tido ele a posse do prédio a título de propriedade.

Verificam-se afinidades entre o usucapião tabular alemão e o previsto no parágrafo único do artigo 1.242 de nosso Código, não obstante visualizarem-se diferenças básicas, o prazo do primeiro é bem mais extenso, 30 anos, além disso, não se exige boa-fé do adquirinte e a eficácia sanatória é profunda. Em nosso usucapião ordinário tabular, o prazo é efêmero, 5 anos, e por se tratar de modalidade ordinária de aquisição originária, a noção de justo título deve estar presente, até mesmo pela ocorrência da aquisição a non domino, e portanto não se deve admitir invalidade absoluta do título causal.

Nesse sentido, exemplo nos é dado por Soares Neto (2004) ao afirmar que:

“A verificação do melhor interesse é viável quando houver sobreposição de vícios na matrícula do imóvel; imaginem que alguém adquira um imóvel a non domino, agindo de boa-fé, sendo depois surpreendido com alegações de nulidade do título causal por ser o vendedor absolutamente incapaz. De repente aparece alguém se dizendo herdeiro preterido, bem como um credor alegando fraude à execução e fraude a credores. Ora, o Registro Imobiliário, sem dúvida, difere do Registro Civil de Pessoas Naturais, onde a presunção do registro é essencialmente relativa, mas é entendimento predominante que a veracidade do Registro Predial é relativa, sendo a evicção, a anulação e a nulidade da inscrição uma realidade prevista no Código Civil e na LRP, portanto em muitos casos concretos a solução do litígio deverá ser pautada na razoabilidade.”

AS TEORIAS DA APARÊNCIA E BOA-FÉ E O SISTEMA DE NULIDADES DO CÓDIGO CIVIL

Correia de Mello (2002:46) nos traz inúmeros acórdãos do Supremo Tribunal Federal – STF quanto à questão de convalidação de ato nulo pela superveniência de prescrição vintenária. [03]

O art. 169 do Código Civil de 2002 parece contrariar a jurisprudência majoritária acima citada:

Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Nos tribunais tem-se reconhecido em várias ocasiões e situações o convalescer do negócio ainda que nulo, sob o pálio da proteção à boa-fé, configurada pela aparência do direito.

Ressalve-se que a lei civil não cuidou de estabelecer, nem era seu propósito, idêntico tratamento ao registro – ato jurídico stricto sensu. O Código Civil de 2002 se ocupa com o negócio causal contaminado de nulidade de pleno direito, como, por exemplo, escritura de compra e venda firmada por absolutamente incapaz. Ainda assim, deixou expressa a eficácia do negócio em relação ao terceiro de boa-fé, em determinadas circunstâncias, a exemplo dos arts. 1.268 e 1.827, parágrafo único. [04]

A nulidade é um vício, uma exceção. Há a presunção de legalidade e de legitimidade do ato registrário, como ocorre com os atos administrativos de um modo geral. Todavia, a fé pública de um ato é efeito não apenas da aparência do que possa revestir esse ato no meio social, mas também da eficácia e do conceito que o ato possa merecer numa sociedade.

A teoria da aparência deve ser prestigiada no sistema registrário, mesmo nas hipóteses de nulidade absoluta do registro, não é de se descartar a boa-fé do adquirente do direito inscrito, pautada na aparência e na presunção de legitimidade do registro. Por outro lado, quanto maior a segurança do registro, menor a necessidade da aplicação da teoria da aparência.

Afrânio de Carvalho (1998:177) expõe que “se o alienante não é o verdadeiro proprietário e a lei legitima a aquisição pelo terceiro de boa-fé, fá-lo no intuito de proteger a boa-fé do adquirente, a bem da circulação imobiliária, em cujo interesse não cogita de indagar se o imóvel pertencia à parte contrária ou a terceiro”.

Em vários arestos reconhece o STJ o princípio da aparência, em proteção ao terceiro de boa-fé, mas o erro deve ser escusável, conforme se infere de seus julgados. [05]

Um dos fundamentos da convalescença do registro nulo, mas titularizado na boa fé, está que a propriedade atenderá sua função social, como prevê o art. 5.º, XXIII, da Constituição Federal, desde que efetivamente haja uso racional do domínio. A transferência da propriedade do proprietário verdadeiro e displicente para o proprietário aparente e diligente configura uma espécie de expropriação forçada. Dentre as obrigações inerentes à propriedade está seu zelo e guarda.

Ao analisar a questão, no tocante às sucessivas transmissões de propriedade a non domino em uma incorporação imobiliária com venda de inúmeras unidades autônomas, Corrêa de Mello se pergunta (2002) : “Seria possível, em prol de um sistema pura e simplesmente formalista e ortodoxo, nulificar-se toda uma gama de registros de propriedades autônomas que serviriam de habitação e moradia para um grande número de proprietários aparentes, em benefício de um único proprietário verdadeiro?” Ele responde ser difícil o retorno ao status quo ante, tornando írritas todas essas transmissões pelo vício da propriedade inicial do terreno incorporado e assim tem entendido a jurisprudência. Vem essa privilegiando a posse de boa-fé do compromissário comprador, titular de promessa de compra e venda, irrevogável e quitada, em detrimento do credor hipotecário.

Nesse diapasão, tem-se o privilégio da hipoteca outorgada em favor do construtor ou da incorporadora, gravando o terreno sobre o qual será construído um prédio de apartamentos não repercute na esfera patrimonial do promissário-comprador de boa-fé, que adquire, paga a totalidade da dívida relativa à compra de sua unidade e dela se utiliza, isenta essa do gravame original, ainda que dele conhecido formalmente.

Tal interpretação tem sido reiteradamente aceita pela jurisprudência pátria, no caso paradigmático da ENCOL S.A., o STJ tem em inúmeras oportunidades se manifestado no sentido de proteger o registro dos compromissários compradores em face dos credores hipotecários exeqüentes em imóveis gravados com a anuência dos próprios compromissários. [06]

CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO REGISTRO E A USUCAPIÃO TABULAR

Embora a usucapião não possa ser formalmente declarada na via administrativa, com a eficácia de ato de inerência ao próprio registro – sentença declaratória, com efeito erga omnes –, nada impede e tudo recomenda seja indiretamente aferida, incidenter tantum, no próprio procedimento administrativo. Aos interessados competirá, se caso, com base em outras provas, rediscutir a questão na esfera jurisdicional.

Questão interessante trazida à lume por Afranio de Carvalho (1998:169), quando da análise dos princípios da presunção e da fé pública, diz respeito à constitucionalidade da Lei 6.739/79, declarada pelo STF, cujo voto vencedor prolatado pelo relator Ministro Moreira Alves, permitindo o cancelamento administrativo do registro, muito acrescenta ao tema. [07]

Ainda que presente o axioma Roma locuta causa finita, ou seja, o STF se pronunciou, causa finda, certo é que parcela considerável da doutrina considera de discutível constitucionalidade a permissão dada pela Lei 6.739/79: “a requerimento de pessoa jurídica de direito público ao Corregedor-Geral da Justiça, são declarados inexistentes e cancelados a matrícula e o registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito, ou feitos em desacordo com o art. 221 e seguintes da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada pela Lei 6.216, de 30 de junho de 1975”. Para o cancelamento do registro faz-se necessário o devido processo legal, administrativo ou judicial, desde que revestido de contraditório amplo.

CONCLUSÃO

Indubitavelmente, a nulidade absoluta não se purifica nem se convalida com as transmissões seguidamente efetuadas a terceiros, se não expurgada do vício original. Todavia, em homenagem à necessidade de fixarem-se marcos que permitam o convívio social, não se pode ignorar ser o direito um reflexo da realidade social.

Ainda que o ato absolutamente nulo não encontre convalidação em nosso ordenamento, outros princípios paralelos à legalidade, em especial a boa-fé e a aparência, repercutem no sistema de nulidades fixado pelo Código Civil, e por ele mesmo excepcionado, a exemplo do adquirente de boa-fé do proprietário aparente previsto em seus arts. 968 e 1.600. Tais preceitos excepcionalizadores do sistema respondem diretamente à função constitucional e social da propriedade e à própria finalidade social da norma, nos termos do art. 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Com a usucapião tabular protege-se o adquirente de boa-fé sob o pálio do transcurso temporal, preservando-se o trânsito jurídico como presente na máxima romana: Bona fides est primum mobice et spiritus vivificans commercii (A boa-fé é o primeiro móvel e o espírito vivificador do comércio).

Essa convalidação fática protege o registro constante do fólio real, agora expressamente estatuída no art. 214, § 5º, da LRP, tornando a situação jurídica precedente ineficaz de alterar o novo status proprietatis.

Desse modo, a teoria da aparência, associada ao tempo, permite ao terceiro de boa-fé, desde que o erro seja escusável, convalidar sua propriedade registrada pelo advento da prescrição aquisitiva.

CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Forense. Rio de Janeiro, 4ª edição, 1998.

CORRÊA DE MELLO, Henrique Ferraz C. de. O Princípio da Convalescença Registral e a Boa-Fé – IN: Revista de Direito Imobiliário 53, IRIB: São Paulo, julho-dezembro 2002.

SOARES NETO, Júlio. O Novo Código civil e o registro de imóveis – Usucapião Tabular. Anoreg/BR, acesso http://www.anoregbr.org.br /?action=doutrina &iddoutrina=106 em 06.06.2004.