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Nem sempre é possível impedir inscrição de devedor em cadastro quando ação está na Justiça

A inscrição do nome do devedor nos cadastros, quando a dívida está sendo discutida judicialmente, só deve ser impedida se demonstrado o efetivo reflexo da ação revisional sobre o valor do débito – e desde que seja depositada ou prestada caução sobre o valor a respeito do qual não há controvérsia. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Turma entende, ainda, que o simples fato de o contrato estipular uma taxa de juros acima de 12% ao ano não significa, por si só, vantagem exagerada ou abusividade. Segundo o relator, ministro Barros Monteiro, se não estiver demonstrado, de modo cabal, o abuso que teria sido cometido pelo banco, é de ser restabelecida a taxa convencionada pelos litigantes.

O correntista entrou na Justiça com ação de revisão contratual contra o Banco Itaú S/A porque, alega, em abril de 2001, firmou um contrato de promessa de concessão de empréstimos (empréstimo pessoal parcelado) no valor R$ 20 mil para pagamento em doze parcelas de R$ 2.085,17. Após pagas quatro parcelas, novo empréstimo foi feito, no valor de R$ 19 mil, para quitar as oito parcelas remanescentes e vencidas. Comprometeu-se a pagar 26 parcelas de R$ 1.147,54, totalizando R$ 29.836,04, das quais quitou sete. Como não conseguiu pagar devido à “exagerada cobrança de juros, taxa de permanência, correção monetária, multa contratual, juros de mora e outros encargos”, requereu a revisão do contrato desde o início. Pediu antecipadamente a não-inscrição do seu nome nos serviços de proteção ao crédito.

Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente. Contudo, a 14ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, à unanimidade, decidiu limitar os juros remuneratórios a 12% ao ano, vedar a capitalização dos juros (juros sobre juros), limitar os juros moratórios a 1% ao ano e a multa a 2% a partir da Lei n. 9.298/96 e afastar a comissão de permanência. Determinou, ainda, que o banco se abstivesse de inscrever o nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito, autorizando a compensação de valores e a repetição simples do indébito.

No STJ

A questão chegou ao STJ em recurso especial do Itaú, no qual afirma que houve omissão no julgado por não ter se manifestado especificamente sobre os dispositivos legais adotados para limitar os juros. Contestou a decisão quanto aos limites dos juros remuneratórios.

Para o banco, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários e não existem requisitos necessários à inversão do ônus da prova. Defende a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios conforme pactuados e da cobrança dos juros moratórios de 12% ao ano conforme avençados e da cobrança da comissão de permanência, a admissibilidade da capitalização mensal dos juros e a impossibilidade de redução da multa contratual em razão da inaplicabilidade do CDC aos contratos firmados pelas instituições financeiras, entre outras.

Para o ministro Barros Monteiro, a instituição financeira não tem razão quanto à aplicação do CDC ao caso. Em julgamento da Segunda Seção, ficou estabelecido aplicar-se o Código aos contratos bancários, determinação que ficou registrada na Súmula 297 do STJ. “De outro lado, (…) não há falar em violação do art. 6º, VIII, do CDC”, afirma o relator. Destaca que o tribunal estadual, de ofício, autorizou a compensação dos valores pagos pelo mutuário a maior, assim como a repetição simples do indébito. E, nesse ponto, acabou afrontando os artigos 128, 460 e 515 do Código Processual Civil, pois, conforme o próprio TJ reconhece, não houve a necessária postulação do devedor. “Assentou-se, por sinal, na Segunda Seção desta Corte ser inadmissível rever-se, de ofício, cláusula considerada abusiva em face do CDC”, ressalta o ministro, entendendo que deve ser cancelada a autorização para se compensarem os valores pagos a mais e para a repetição de indébito (devolução de valor pago indevidamente).

Da abusividade da cláusula

Quanto à abusividade da cláusula, o ministro entendeu que o TJ, ao concluir que os juros remuneratórios devem observar o limite de 12% ao ano, não somente contrariou o artigo 4º, IX, da Lei n. 4.595, de 1964, como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja súmula n. 596 afirma: “As disposições do decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional”.

Em relação à aplicabilidade do CDC, o ministro destaca que a Segunda Seção também já definiu que ele se aplica nos termos do que dispõe o parágrafo 2º do artigo 3º da Lei n. 8.078, de 1990. Considerou-se que a revisão judicial somente pode ocorrer quando demonstrada e reconhecida a abusividade em cada caso, sendo que apenas o fato de o contrato estipular uma taxa de juros acima de 12% a.a. não denota essa vantagem exagerada ou a abusividade. Assim, entende o ministro que, não estando demonstrado, de modo cabal, o abuso que teria sido cometido pelo banco, é de restabelecer-se a taxa convencionada pelos litigantes.

Além disso, não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato. Potestativo é o que se diz da condição que torna a execução contratual dependente de uma convenção que se acha subordinada à vontade ou ao arbítrio de uma ou outra das partes.

Esclarece o relator que essa parcela tem dupla característica: abrange não só a correção monetária como os juros e é cobrada pelas instituições financeiras após o vencimento da avença em hipótese de inadimplemento do devedor. “A comissão de permanência é devida no período de inadimplência, sem cumulação com a correção monetária, com os juros remuneratórios stricto sensu, com os juros moratórios e com a multa contratual, devendo o seu cálculo considerar a variação da taxa de mercado, segundo a espécie de operação, apurada pelo Banco Central do Brasil, em conformidade com o previsto na Circular da Diretoria n. 2.957/99, limitada, no entanto, à taxa estipulada no contrato”, explica. A incidência dos mencionados encargos após o vencimento da dívida, contudo, deve ser afastada, com a manutenção apenas da comissão de permanência.

Também é entendimento do STJ que “a capitalização de juros (juros de juros) é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 4° do Decreto n° 22.626/33 pela Lei n° 4.595/64. O anatocismo, repudiado pela Súmula 121 do STF, não guarda relação com o enunciado n° 596 da mesma Súmula”. Dessa proibição não se acham excluídas nem mesmo as instituições financeiras, sendo admissível a capitalização de juros somente nas hipóteses autorizadas por leis especiais. Nos demais casos, é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei n° 4.595/64 o art. 4° do Decreto n. 22.626/33.

Cautela no impedimento

Ainda segundo o ministro, quanto à possibilidade de inscrição do nome do devedor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, a jurisprudência atual do tribunal entende que o impedimento do registro deve ser aplicado com cautela, considerando-se as especificidades de cada caso. Ainda que a regra constante do artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei n. 9.507/97 deva ser interpretada de forma mais benéfica ao devedor, para que seja impedida a inscrição de seu nome em tais bancos de dados, é imprescindível que ele demonstre o efetivo reflexo da ação revisional sobre o valor do débito e deposite ou preste caução sobre o valor incontroverso.

“Essa regra pode ser interpretada mais benevolamente ao devedor, a impedir a negativação de seu nome nos serviços de restrição ao crédito. Contudo, para tanto, é preciso, penso eu, a presença concomitante desses três elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado, o valor referente à parte tida por incontroversa”, entende. E como isso não consta do processo como tendo sido realizado, considera que o simples ajuizamento de ação revisional não obsta a inscrição do nome do devedor nos cadastros de inadimplência.

A conclusão do ministro é a de cancelar a autorização para compensação ou repetição de indébito, admitir a taxa dos juros remuneratórios tal como convencionada entre as partes; permitir a incidência da comissão de permanência no período de inadimplência do devedor, sem cumulação com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e multa contratual; possibilitar a inclusão do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito e considerar caracterizada a mora do devedor.