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A inviolabilidade da vida da pessoa humana

I – DO ORDENAMENTO JURÌDICO;
II – A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA;
III – ANTEPROJETO DE DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO;
IV – NOSSO PROJETO.

I – DO ORDENAMENTO JURÍDICO.

Muitas vezes, o discernimento jurídico num caso concreto não é fácil (ou claro) porque devemos contrapor e balancear dois ou mais bens jurídicos e decidir numa hierarquia. Não é o caso. Dentre todos os bens que o nosso (e qualquer) ordenamento possa tutelar, a vida está em primeiro lugar, sem concorrentes.

Vamos partir então do ordenamento jurídico vigente.

CODIGO PENAL – DERCRETO LEI 2848, DE 7/12/1940.

PARTE ESPECIAL

TÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A VIDA

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiroArt. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:Pena – reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:Pena – reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Forma qualificada

Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A organização do código (que é juridicamente motivada) conforme os bens tutelados explicita (quase que didaticamente): estamos no Título I: Dos Crimes Contra a Pessoa, Capítulo I: Dos Crimes Contra a Vida, assim, a lei , ao punir o abortamento – ab: privação, ortus: nascimento; ao ato de abortar melhor se refere com o termo abortamento, aborto refere ao “produto” – tutela o bem jurídico vida da pessoa humana. Tal tipificação se justificava de forma simples e objetiva por dois motivos. Um é o fato de que, para o Legislador não houve dúvida – e, agora com o atual desenvolvimento médico, tecnológico, biológico motivo algum há para divergir – de que há vida humana íntegra, orgânica e autônoma (mas não independente) de um ser humano (numa fase delicada de seu desenvolvimento) no seio da mulher em gestação. Outro. 2º: o raciocínio (sem negar que muitas vezes a realidade pode ser difícil, amarga, porém nunca contraditória a este mandamento do direito natural, facilmente inteligível com bom-seno e básico respeito a vida) é fácil, não há outro bem em concorrência de preferência a ser protegido pela lei do que a vida, senão vejamos nossa própria Constituição.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

TÍTULO II

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

CAPÍTULO I

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…

Pois bem a Constituição, nossa Carta Magna, positiva a inviolabilidade do direito a vida, – não esqueçamos que a sociedade é guiada por uma “certa visão de mundo” e que a Lei é uma forma especial de a sociedade expressar sua peculiar visão, os princípios e valores que pretende seguir – nossa legislação penal pune os atos atentatórios a este direito.

Esta vida da pessoa humana protegida é enfaticamente colocada no trono da hierarquia dos bens tutelados pela nossa Lei Maior (CF) que reza no seu primeiro artigo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:…III – a dignidade da pessoa humana; Esta dignidade não está na Lei permeada de sentido subjetivo como não convém ao legiferar, mas como critério hierárquico e claro: o grau de valor a ser dado a vida humana, ao confrontá-la com outros valores, e o caráter de sua proteção e respeito, bem como o grau da necessidade de referência e de submissão a ela no âmbito da fundamentação de qualquer atividade estatal, é o supremo.

E este grau supremo de valor a vida humana posto na Constituição diz mais. Do contexto histórico-ideológico em que foi promulgada a Constituição de 1988, fica claro que quisemos expressar que a valoração da vida humana não se submete à critérios, condições e, muito menos a qualquer análise de utilidade. Aí o totalitarismo (como visão transpessoal estatal) foi enfaticamente rejeitado, seja de esquerda ou de direita; não está nas mãos do estado, nem da sociedade dar valor ou sentido a vida humana, ela tem valor intrínseco.

Se a divergência fosse eventualmente a de se questionar que o nascituro (feto, embrião) seja vida humana – o que a lei não faz – e não se fez em épocas de muito menor conhecimento médico-biológico-genético – já do direito romano: “nasciturus pro iam natu habetur quoties de eius commodis agitur” –, basta consultar estas ciências. O que faz parte da atividade jurídica, já que o direito não é uma ciência isolada, parte da realidade e a ela se destina, portanto faz continuamente consultas a sociologia, a psicologia e – por que não? – a medicina.

Hoje sabemos que a partir da união dos gametas masculino e feminino (fecundação) forma-se o Zigoto e, a partir daí, não há mais nenhuma contribuição ontogênica, ou seja, ele é um organismo completo com genoma completo que tem em si todas as estruturas para o seu desenvolvimento. Não é uma parte do corpo da mãe, mesmo o saco amniótico, o cordão umbilical e a placenta, que são auxiliares da fase que se encontra o ser humano, são estruturas que o feto desenvolve por si mesmo. Na verdade hoje se sabe muito mais, o dito acima é consenso e de senso comum; é suficiente para ter/desenvolver/cultivar a sensibilidade e compaixão pela vida intra-uterina (e ser for o caso, in vitro) com respaldo seguro da medicina: não se trata de um ponto de vista subjetivo; são conhecimentos objetivos, mais que suficientes para se exigir (de forma cogente) o respeito erga omnes.

E que o ordenamento jurídico brasileiro é “conceptista”, reza ele mesmo:

Lei 1046/2002 – CÓDIGO CIVIL.

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. São salvaguardados assim os direitos da personalidade consagrados constitucionalmente, a personalidade jurídica material começará com o nascimento com vida, mas já estão salvaguardados os seus direito e, que direito há que mais possa ser salvaguardado que o direito a vida (a nascer)? E a salvaguarda de que outro terá sentido se este não o for?

…Bens patrimoniais?

Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.

E não é novidade, mas citaremos para completude didática do presente texto, que a Justiça admite o direito do nascituro de pleitear danos extrapatrimoniais por violação a um ou alguns dos seus direitos da personalidade, vejamos uma decisão do STF:

“Direito Civil. Danos Morais. Morte. Atropelamento. Composição Férrea. Ação ajuizada 23 anos após o evento. Prescrição inexistente. Influência na quantificação do quantum. Precedentes da Turma. Nascituro. Direito aos danos morais. Doutrina. Atenuação. Fixação nesta instância. Possibilidade. Recurso parcialmente provido.

I – Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum.

II – Nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.

III – Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional (grifado no original)”. (STJ, 4ª Turma, Resp 399028/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 22.2.02 à unanimidade, DOU 15.4.02, p. 232)

Citaremos também um habeas corpus impetrado em favor de um nascituro, para o qual em segunda instância (o pedido foi indeferido na primeira) foi concedida liminar (decisão monocrática) para autorizar a realização de abortamento do nascituro (“tendo em vista a inviabilidade de vida pós-natal do feto”). Embora não se admita habeas corpus contra decisão proferida em sede liminar pelo relator do writ (ou de modo análogo a apelação deste caso) na instância de origem, a exceção de “restar claramente evidenciada a ilegalidade do ato coator”, “diante da flagrante excepcionalidade e urgência do caso” em que a liminar (da apelação) tem caráter eminentemente satisfativo (já causaria a morte do feto sem a possibilidade de retrocessão), e de estar caracterizada a ilegalidade por ao não estar prevista a possibilidade no art.128 do C.P., foi deferida a liminar “para sustar a decisão do Tribunal de origem que autorizou a realização do abortamento do nascituro”, conforme transcrito a seguir e; em seqüência, a decisão que o ratifica, confirmando a propriedade da via eleita – “o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro” – e lembrando que “a legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado”, concedendo a ordem e desautorizando o aborto.

HABEAS CORPUS Nº 32.159 – RJ (2003/0219840-5)

RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ

Data da publicação – DJ 03.12.2003

IMPETRANTE: LUIZ CARLOS LODI DA CRUZ

IMPETRADO: DESEMBARGADORA RELATORA DA APELAÇÃO NR 200305005208 DA 2A CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PACIENTE: NASCITURO

DECISÃO

Vistos, etc.

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por LUIZ CARLOS LODI DA CRUZ, em favor de NASCITURO, que se encontra no útero da mãe, Sra. Gabriela Oliveira Cordeiro, contra decisão proferida, liminarmente, em sede de apelação, pela Desembargadora da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para autorizar a realização de abortamento do nascituro. Infere-se dos autos que a Defensoria Pública ingressou com pedido junto à Vara Criminal da Comarca de Teresópolis/RJ, para que fosse autorizado à Sra. Gabriela Oliveira Cordeiro se submeter a intervenção cirúrgica, visando interromper a sua gravidez, tendo em vista a inviabilidade de vida pós-natal do feto que, segundo exames realizados, constatou-se padecer de anencefalia (cabeça fetal comausência de calota craniana e cérebro rudimentar).

O douto Magistrado indeferiu o pedido, nos termos a seguir transcritos:

“Indefiro o pedido por falta de amparo legal, eis que a hipótese vertente não se encontra inserida no bojo do art. 128 do CP. Julgo, pois, extinto o processo, nos termos da lei processual.” (fl. 02)Houve, então, interposição de apelação para o Tribunal a quo, que, em sede liminar, embora de caráter satisfativa, autorizou a realização do aborto (fls. 03/04).

Sustenta o Impetrante, no presente writ, que a decisão ora hostilizada violou os preceitos previstos nos arts. 3º, 5º e 227, da Constituição Federal, bem como o disposto no art. 2º do Código Civil.

Alega, também, que o aborto em questão não se enquadra nas hipóteses dos incisos do artigo 128, do Código Penal, razão pela qual não poderia ter sido autorizado a sua realização, sob pena de se estar facultando a prática de crime de aborto.

Apresenta, por fim, julgados de diversos Tribunais, todos no sentido único da defesa do nascituro (fls. 05/11).Requer, pois, a concessão da liminar para “cassar a decisão da Desembargadora Gizelda Leitão Teixeira e sustar a realização do aborto na Sra. Gabriela Oliveira Cordeiro” (fl. 12), até o julgamento do mérito, quando a liminar concedida deverá ser confirmada.

Relatei. Decido.

De início, cumpre ressaltar que, na esteira da remansosa jurisprudência dos Tribunais Superiores, não se admite habeas corpus contra decisão proferida em sede liminar pelo relator do writ na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância, salvo situações absolutamente excepcionais, onde restar claramente evidenciada a ilegalidade do ato coator.

Embora a decisão da Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não tenha sido prolatada em sede de habeas corpus, a hipótese, de modo análogo, também enseja a apreciação por esta Corte, diante da flagrante excepcionalidade e urgência do caso.

É que, in casu, a autorização para a realização do aborto foi concedida, liminarmente, através de decisão monocrática proferida em sede de recurso de apelação, tendo, pois, caráter eminentemente satisfativo.

Analisando os autos, vislumbro a presença dos requisitos ensejadores para a concessão da liminar no writ, porquanto é patente o periculum in mora, diante da possibilidade de realização da intervenção cirúrgica e conseqüente perda do objeto (vida), bem como o fumus boni iuris, consubstanciado na ausência de previsão da hipótese no art. 128 do Código Penal.Em sendo assim, DEFIRO A LIMINAR para sustar a decisão do Tribunal de origem que autorizou a realização do abortamento do nascituro, até a apreciação final deste writ pela Egrégia Quinta Turma desta Corte.

Comunique-se, com a urgência necessária, expedindo-se, por telefone ou fax – (21) 2588-2719/2588-2185 -, sem prejuízo de posterior encaminhamento de ofício, o teor desta decisão ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e ao Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Teresópolis/RJ.Requisitem-se as informações do Tribunal a quo, com a solicitação expressa da cópia do parecer do Ministério Público Estadual. Diante da urgência do caso, ressalte-se que tais informações deverão ser encaminhadas por fax.

Ouça-se, de imediato, sem a necessidade de se aguardar a chegada das informações, o Ministério Público Federal.Publique-se. Intime-se.

Brasília (DF), 25 de novembro de 2003.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

EMENTA – processo HC 32159 / RJ ; HABEAS CORPUS2003/0219840-5; Ministra Relatora LAURITA VAZ (1120).

HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO.

DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.

2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.

3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal.

4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.

5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.

–==–

O código penal, através dos artigos citados, tutela o bem jurídico vida humana aqui peculiar na condição do nascituro seguindo a orientação constitucional. A Constituição está, ao apontar este dever de tutela, reconhecendo o direito de ter respeitado este bem. Veja-se bem, o direito ao respeito (inviolabilidade) a vida é reconhecido pelo Direito e pelo Estado, não é concedido ou autorizado por ele, mas por ele deve (e fundamentalmente deve) ser promovido, e, muito menos a vida (que não é em si um direito, mas um bem) é concessão estatal ou jurídica. Ambos, o Direito e o Estado, são frutos da obra/cultura/desenvolvimento da pessoa humana individual e socialmente e – é o que diz o princípio da dignidade humana – são “infra-pessoais”. O Estado é para o homem, não o homem para o Estado.

Esse direito fundamental (e dever) de respeito à vida humana é reconhecido como fundamento da República Federativa do Brasil e, também reconhecido em outras declarações jurídicas importantes internacionalmente; citamos algumas que giram em torno do respeito à vida humana e sua dignidade (referindo diretamente ou não ao nascituro):

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)

Adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948. Tradução não-oficial do texto em língua inglesa. Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos as membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que o homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão.

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso

Artigo I – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo III – Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal….Artigo V – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Convenção sobre os Direitos da Criança Adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990.

Preâmbulo

Os Estados-partes na presente Convenção

Considerando que, em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, o reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Tendo presente que os povos das Nações Unidas reafirmaram na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais e na dignidade e no valor da pessoa humana e resolveram promover o progresso social e a elevação do padrão de vida em maior liberdade;Reconhecendo que as Nações Unidas proclamaram e acordaram na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos que toda pessoa humana possui todos os direitos e liberdades nele enunciados, sem distinção de qualquer tipo, tais como raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, de origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou outra condição;

Recordando que na Declaração Universal dos Direitos Humanos as Nações Unidas proclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais;

Convencidos de que a família, unidade fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros e, em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias para que possa assumir plenamente suas responsabilidades na comunidade;Reconhecendo que a criança, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade, deve crescer em um ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão;

Considerando que cabe preparar plenamente a criança para viver uma vida individual na sociedade e ser educada no espírito dos ideais proclamados na Carta das Nações Unidas e, em particular, em um espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;

Tendo em mente que a necessidade de proporcionar proteção especial à criança foi afirmada na Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança de 1924 e na Declaração sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (particularmente nos artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (particularmente no artigo 10) e nos estatutos e instrumentos relevantes das agências especializadas e organizações internacionais que se dedicam ao bem estar da criança;

Tendo em mente que, como indicado na Declaração sobre os Direitos da Criança, a criança, em razão de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, incluindo proteção jurídica apropriada antes e depois do nascimento;

Relembrando as disposições da Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar da Criança, com especial referência à adoção e à colocação em lares de adoção em âmbito nacional e internacional (Resolução da Assembléia Geral n.º 41/85, de 3 de Dezembro de 1986), as Regras – Padrão Mínimas para a Administração da Justiça Juvenil das Nações Unidas (“As Regras de Pequim”) e a Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em Situações de Emergência e de Conflito Armado;

Reconhecendo que em todos os países do mundo há crianças que vivem em condições excepcionalmente difíceis, que tais crianças necessitam considerações especiais;Levando em devida conta a importância das tradições e dos valores culturais de cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança;Reconhecendo a importância da cooperação internacional para a melhoria das condições de vida das crianças em todos os países, em particular nos países em desenvolvimento;…

Artigo 1

Para os efeitos da presente Convenção, entende-se por criança todo ser humano menor de 18 anos de idade, salvo se, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes. Artigo 24

1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados-parte envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.

2. Os Estados-partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as medidas apropriadas com vista a:

* reduzir a mortalidade infantil;

* assegurar às mães adequada assistência pré-natal e pós-natal;

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SAN JOSÉ DE COSTA RICA)

Art. 4o – Direito à vida

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

(TIPOLOGIA)

Voltando ao Código Penal. No aborto a tutela penal é dirigida ao direito à vida (objetividade jurídica), cujo titular é o feto; seguindo com as palavras do penalista Damásio de Jesus:

“…No aborto provocado por terceiro há duas objetividades jurídicas. A imediata incide sobre o direito à vida, cujo titular é o produto da concepção. A mediata incide sobre o direito à vida e à incolumidade física e psíquica da própria gestante” ((JESUS, D. , 2001, pág. 120)”. Há dupla subjetividade passiva: o feto e a gestante. “Embora se fale comumente que o sujeito passivo é o feto, o Código não distingue entre óvulo fecundado, embrião ou feto”(idem, pág. 121) O crime é de dano (se consuma com a efetiva lesão) de forma livre (executado por qualquer meio). O auto-aborto é delito próprio: gestante – sujeito ativo qualificado – embora também por ele responda estranho que participar.

O aborto conforme o art.127, C.P., provocado por terceiro que cause lesão corporal grave na gestante ou tenha como conseqüência a morte dela, é crime preterdoloso (há dolo no antecedente – aborto – e culpa no conseqüente).

A consumação do crime é o resultado morte do feto (em decorrência da interrupção da gravidez); “é irrelevante que a morte ocorra no ventre materno ou depois da prematura expulsão provocada” (JESUS, D., 2001, pág. 123)”. Admissível a tentativa (o feto não morre por circunstâncias alheias à vontade do sujeito).

A doutrina analisa os cinco tipos correspondentes aos artigos do CP: AUTO-ABORTO (art.124), admite participação (concurso) na hipótese em que o terceiro induz, instiga ou auxilia de maneira secundária a gestante criminosa; se executar ato de provocação do aborto é autor do fato descrito no art. 126; provocar a gestante sem si mesma o aborto sentimental, previsto no art. 128, subsiste o delito, porque tal dispositivo só permite o abortamento por médico; ABORTO PROVOCADO SEM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE (art. 125), o dissentimento pode ser real ou presumido (se gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, art. 126, parágrafo único); ABORTO CONSENSUAL (art. 126), o consenso não exclui o delito ( é inválido), é necessário que a gestante tenha capacidade para consentir (não formal, mas real) para configurar o tipo, o sujeito ativo é o terceiro (feto e gestante são sujeitos passivo deste tipo), o parágrafo único (se gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental) trata da presunção do dissenso, nessas circunstâncias o terceiro responde por aborto cometido sem o consentimento; obtendo-se o consentimento obtido mediante fraude (por exemplo, dizer a gestante que o abortamento é o único meio dela não morrer), grave ameaça ou violência; se a grave ameaça ou violência ocorrer como meio de execução do abortamento, há concurso com o crime de constrangimento ilegal; ABORTO QUALIFICADO, (ART. 127), trata-se do crime preterdoloso já comentado, aplicado aos crimes praticados por terceiros (art.s 125 e 126), se, “em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza leve, o sujeito só responde pelo aborto, não se aplicando a forma típica qualificada do art. 127; ocorre que a lesão leve constitui resultado natural da prática abortiva e o CP só pune a ofensa corporal desnecessária e grave” (JESUS, D. , 2001, pág. 127); ABORTO LEGAL (art. 128), prevê duas circunstâncias específicas, o aborto chamado terapêutico ou necessário,; e o aborto sentimental ou humanitário; “os dois incisos do art. 128 contém causas de exclusão de antiruridicidade” (JESUS, D. , 2001, pág. 128); a exigência de que seja médico quem provoque o aborto é flexível no primeiro caso (aborto necessário) em função do estado de necessidade (art.24 do CP), no caso de por exemplo ser provocado por um enfermeira como único meio de salvar a gestante.; no caso de aborto sentimental, terceiro não médico responderá pelo delito. No aborto sentimental (gravidez resultante de estupro) é necessário consentimento da gestante (não no caso de aborto necessário).É necessária e suficiente prova concludente da existência do delito sexual (para o inc. II); “o médico deve valer-se dos meios à sua disposição para a comprovação do estupro” (JESUS, D. , 2001, pág. 129). Por analogia in bona parte, estende-se o a legalidade do aborto sentimental para o caso da gravidez resultante de atentado violento ao pudor;

É este em suma o ordenamento jurídico vigente no Brasil.

II – A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Pretendemos aqui traçar aspectos da dignidade da pessoa humana, sem a menor pretensão de explicar (tornar explícito o assunto) até porque trata-se de valor a ser reverenciado, respeitado e protegido com a consciência de não – até por sua grandeza e riqueza – ser totalmente compreendido e “dominado” pela razão; é de fato mistério. O presente escrito não passa de uma possível introdução para o tema (e por isso não tem um capítulo para introdução, o é), mas apresentamos traços e conceitos objetivos e acessíveis mais que suficientes para exigir erga omnes o respeito a este princípio sobre o qual o Legislador Constitucional fundamentou a República Federativa do Brasil.

Apesar de conscientes de que a vida humana é um bem apenas respeitado, recebido e tutelado pelo direto, e cujo dever de respeito o Estado reconhece (não determina) e deve tutelar, e sendo um possível conceito de dignidade da pessoa humana extra-jurídico, para fins de esclarecimentos sobre o seu relacionamento com conceitos jurídicos (afinal pretendemos avaliar qual o correto posicionamento legal) comecemos com doutrina jurídica; palavra passada a Maria Helena Diniz, a civilista:

“Somente em fins do século XX se pôde construir da dogmática dos direitos da personalidade, ante o redimensionamento da noção de respeito a dignidade da pessoa humana, consagrada no art. 1º, III da C. F. /1988. A importância desses direitos e a posição privilegiada que vêm ocupando na Lei Maior são tão grandes, que sua ofensa constitui elemento caracterizador de dano moral e patrimonial indenizável, provocando uma revolução na proteção jurídica pelo desenvolvimento de ações de responsabilidade civil e criminal; do mandado de segurança/ do mandado de injunção; do hábeas corpus; do hábeas data etc. Com isso reconhece-se nos direitos da personalidade uma dupla dimensão: axiológica, pela qual se materializam os valores fundamentais da pessoa, individual ou socialmente considerada, e a objetiva, pela qual consistem em direitos assegurados legal e constitucionalmente, vindo a restringir a atividade dos três poderes, que deverão protegê-los contra quaisquer abusos, solucionando problemas graves que possam advir com o progresso tecnológico, p. ex., conciliando a liberdade individual com a pessoal.”

Vale ressaltar das palavras finais, a necessidade de o Legislativo proteger os direitos fundamentais – afinal os princípios constitucionais também e especialmente a ele é dirigido, são com olhos neles que legifera – contra quaisquer abusos, a autora continua ainda:

“A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito a personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.” … “A vida humana, p. ex., é um bem anterior ao direito, que a ordem jurídica deve respeitar. A vida não é uma concessão jurídico-estatal, nem tampouco um direito a uma pessoa sobre si mesma. Na verdade, o direito à vida é o direito de respeito à vida do próprio titular e de todos. Logo, os direitos da personalidade são direitos subjetivos “excludend alius”, ou seja, direitos de exigir um comportamento negativo dos outros, protegendo um bem inato, valendo-se de ação judicial”(DINIZ, M. H.; 2004, p. 119).

“Os direitos da personalidade são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis, São absolutos, ou de exclusão, por serem oponíveis erga omnes, por conterem, em si, um dever legal de abstenção. São extra patrimoniais por serem insuscetíveis de aferição econômica, tanto quem se impossível for a reparação in natura ou a reposição do statu quo ante, a indenização pela lesão será pelo equivalente. São intransmissíveis, visto não poderem ser transferidos à esfera jurídica de outrem. Nascem e se extinguem ope legis com seu titular, por serem dele inseparáveis…”(DINIZ, M. H.; 2004, p. 120).

Nesta linha, o projeto de lei 6960/2002 em tramitação na Câmara do Deputados, que pretende alterar o Código Civil: “Art. 11. O direito à vida, à integridade físico-psíquica, à identidade, à honra, à imagem, à liberdade, à privacidade, à opção sexual e outros reconhecidos à pessoa são natos, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis.”

Sobre os direitos do ser humano especialmente na condição de nascituro diz a autora:

“Conquanto comece do nascimento com vida (RJ, 172:99) a personalidade civil da pessoa, a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (CC, art.s 2º, 1609, parágrafo único, 1779 e parágrafo único, e 1798; Lei 8947/95), como o direito à vida (CF, art. 5º), à filiação (CC, art.s 1596 e 1597), à integridade física, a alimentos (RJ, 650:220; RJTJSP, 150: 90-6), a uma adequada assistência pré-natal, à representação (CC, arts 542, 1779 e parágrafo único; CPC 878, parágrafo único) , a um curador que o represente e zele pelos seus interesses (CC< art.s 542, 1779 e parágrafo único; CPC 878, parágrafo único) em caso de incapacidade ou impossibilidade de seus genitores de receber herança (CC< art.s 1784, 1798, 1799,I e 1800, parágrafo 3º, I, a ser contemplado por doação (CC, art. 542). A ser adotado, a ser reconhecido como filho, a ter legitimidadeativa na investigação de paternidade (Lex, 150:90) etc. Poder-se-ia até mesmo afirmar que na vida intra-uterina tem o nascituro e na vida extra-uterina tem o embrião, concebido in vitro, personalidade jurídica formal, no que se atina aos direitos personalíssimos, ou melhor, aos direitos da personalidade, visto ter carga genática diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro (Projeto de Lei 6960/2002. art. 2º; Recomendação n.º 1046/89, n.º7 do Conselho da Europa; Pacto de São Jose da Costa Rica, art. 4º, I), passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais (RT, 593:258) e obrigacionais, que se encontravam em estado potencial , somente com o nascimento com vida (CC art. 1800, parágrafo 3º)”.(DINIZ, M. H.; 2004, p. 135).

Quanto a capacidade civil, claro fique que é instituto jurídico que nunca teve a pretensão de avaliar o “o grau de pessoa” de um ser humano, nem mesmo a capacidade dele relacionar-se e interferir socialmente, mas sim de validar e determinar a validade de atos jurídicos (aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações na vida civil) com o real fito de proteger os ditos incapazes (em razão da pouca idade, deficiência mental, reduzido discernimento e auto-determinação conforme as hipóteses descritas nos art.s 3º e 4º do código civil), recorramos novamente a palavras da citada autora:

“Assim, para ser pessoa basta que o homem exista, e, para ser capaz, o ser humano precisa preencher os requisitos necessários para agir por si, como sujeito ativo ou passivo de uma relação jurídica. Eis por que os autores distinguem entre capacidade de direito ou de gozo e capacidade de exercício ou de fato,…”(DINIZ, M. H.; 2004, p. 117).

“Da análise do art. 1º do Código Civil surge a noção de capacidade, que é a maior ou menor extensão dos direitos e das obrigações de uma pessoa”.

“De modo que a esta aptidão, oriunda da personalidade, para adquirir direitos e contrair obrigações na vida civil, dá-se o nome de capacidade de gozo ou de direito. A capacidade de direito não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de se negar sua qualidade de pessoa, despindo-a dos atributos da personalidade”(DINIZ, M. H.; 2004, p. 141).

” O instituto da incapacidade visa proteger os que são portadores de uma deficiência jurpidica apreciável, gerando a aforma de proteção que para os absolutamente incapazes (CC, art. 3º) assume a feição de representação e para os relativamente incapazer (CC. 4º), o aspecto de assistência, já que têm o poder de atuar na vida civil; desde que autorizados. Por meio da representação e da assisntênca, supre-se a incapacidade, e os negócios jurídicos realizam-se regularmente”(DINIZ, M. H.; 2004, p. 143).

Depois de repassados estes básicos conceitos, lembrado que ser pessoa é inerente a vida do ser humano, e tem como único pré-requisito que ele exista (assim vê o direito), vistos os conceitos de capacidade civil de gozo (os direitos fundamentais são pertencentes ao ser humano inclusive na condição de nascituro) e de direito (civil), aprofundemos um pouco nos questionamentos (deixemos para trás a órbita civil) e dirijamos nosso olhar para a Constituição para ver o que ela nos diz a respeito da vida e da dignidade da pessoa humana, orientados pelo constitucionalista Alexandre de Moraes.

“O direito á vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois seu asseguramento impõe-se, já que se constitui um pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”. “A Constituição Federal assegura, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ter vida digna quanto à subsistência.

…,. ao Estado cria-se uma dupla obrigação:• obrigação de cuidado a toda pessoa humana que não disponha de recursos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por seus próprios meios;• efetivação de órgãos competentes públicos ou privados, poe meio de permissões, concessões ou convênios, para prestação de serviçoes públicos adequados que pretendam prevenir, diminuir ou extinguir as deficiências existentes para um nível mínimo de dignidade da pessoa humana.”

“O início dessa preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão somente, dar-lhe enquadramento legal, e, do ponto de vista biológico, não há dúvida de que a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Assim o demonstram os argumentos colhidos da Biologia”(MORAES, A.; 2000; p. 176)

Sobre a dignidade da pessoa humana positivada pela Constituição:

“A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações no exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.(grifo nosso)

“O direito á vida privada, á intimidade, ´honra, á imagem, entre outros, aparece como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil”

“Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual”

” A idéia de dignidade da pessoa humana encontra no novo texto constitucional total aplicabilidade com relação ao planejamento familiar, considerada a família célula da sociedade, seja derivada de casamento, seja de união estável entre homem e mulher, pois, fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (CF, 222, parágrafo 7º)”.

” O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, esstabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos própiro semelhante”.

“Esse dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a C. F. exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do Direito Romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudique ninguém ) e suum cuique tribuere ( dê a cada um o que lhe é devido).”

“Por fim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução n.º 217 A (III) da Assembléia Geral das Naçãoe Unidas, 10-12-1948, e assinada pelo Brasil na mesma data, reconhece a dignidade como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (MORAES,A.2000; p.s 128 e 129).

Grifamos acima a expressão “se manifesta” quando refere que a “dignidade da pessoa humana se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida”, para com rela responder criticamente àqueles que usam este aspecto como exclusivo a respaldar a dignidade. De fato a capacidade do homem de através da sua inteligência (razão) e com liberdade autodeterminar-se manifesta a sua dignidade de forma especial, mas a dignidade é manifesta assim, não é “tal manifestação” (desculpem o excesso de repetição de expressões). Muitos usam tal aspecto referido em alguns importantes textos (e, entre outros, usam mal a obra kantiana) como se fosse objetivamente o argumento base da dignidade humana, e não como argumento confirmatório na verdade defensor da dignidade humana por ser, repetimos, uma manifestação sua. Assim uma criança, por ter menos desenvolvida (talvez) esta capacidade de autoderminação mão é menos digna do que um adulto que a viva mais plenamente; não é menos digno uma pessoa que temporariamente não manifeste tal capacidade, nem uma pessoa que nunca a manifeste. Ouçamos ainda o mesmo autor,sobre a vida e o aborto.

“A Constituição, é importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive a uterina, pois a gestação gera um tertium com existência distinta da da mãe, apesar de alojado em seu ventre. Esse tertium possui vida humana que se iniciou com a gestação, no curso da qual as sucessivas transformações evoluções biológicas vão configurando a forma final do ser humano”.

“A penalização do aborto (CP, 124) corresponde à proteção da vida do nascituro, em momento anterior ao seu nascimento.”

“A Constituição Federal, ao prever como direito fundamental a proteção à vida, abrange não só a vida extra-uterina, mas também a intra-uterina, pois qualifica-se com verdadeira expectativa de vida exterior. Sem o resguardo legal do direito à vida intra-uterina, a garantia constitucional não seria ampla e plena, pois à vida podem ser obstaculizada em seu momento inicial logo após a concepção”.

“A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 21-11-1969, e ratificada pelo Brasil em 25-9-1992), em seu art. 4º estipula “Direito à vida.1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei em geral. Desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

Saímos da órbita civil, fomos ler a Constituição, agora, no limiar da órbita jurídica, com uma visão ainda jurídica, porém mais ampla, ouçamos (dispensa apresentações) Miguel Reale, ao referir a pessoa humana como fonte dos valores, tendo a essência do ser pessoa como sentido/significado da existência do homem, e seu valor transcendental e intrínseco como condicionante da “emergência dos valores” na sociedade e fonte de “sentido para todo evolver histórico”. Não contestando o fato de que o homem vive em sociedade e é por ela influenciado, lembra a lógica de que é esta sociedade condicionada pela sociabilidade do homem; suas experiências temporais (mesmo sociais) são projeções que não se realizariam se não fosse “intrínseco ao homem a condição transcendental de ser pessoa; ouçamos.

“Quando se estuda, por conseguinte, o problema do valor, devemos partir daquilo que significa o próprio homem, Já dissemos que o homem é o único ser capaz de valores. Poderíamos dizer, também, que o ser do homem é o seu dever ser. O homem não é uma simples entidade psicofísica ou biológica, redutível a um conjunto de fatos explicáveis pela Psicologia, pela Física, pela Anatomia, pela Biologia. No homem existe algo que representa uma possibilidade de inovação e de superamento.”…

“No centro de nossa concepção axiológica situa-se a idéia do homem como ente que é e deve ser tendo consciência dessa dignidade. È dessa autoconsciência que nasce a idéia de pessoa, segundo a qual não se é homem pelo mero fato de existir, mas pelo significado ou sentido da existência. Quanto apreciamos o problema do homem, toda a Ontologia se resolve em Axiologia, abrindo-se as perspectivas da Metafísica. Em verdade, é só do homem que sabemos que é e, ao mesmo tempo deve ser”…(REALE,M.; ;179)

… “Só o homem é um ser que inova, e é por isso que somente ele é capaz de valorar. No fundo, chegaremos à conclusão de que o problema do valor reduz-se à própria espiritualidade humana. Há a possibilidade de escolha constitutiva de bens, poder de síntese com liberdade e autoconsciência, o que demonstra a insubsistência de toda concepção materialista da história.”

“O psicólogo poderá instruir-nos sobre a gênese e o desenvolvimento das experiências axiológicas, mas caberá ao filósofo integrar o processo psíquico e a explicação de ordem conscienciológica em uma compreensão total que ligará o problema do valor a fonte de que emana.O valor é dimensão do espírito humano, enquanto este se projeta sobre a natureza e a integra em seu processo, segundo direções inéditas que a liberdade propicia e atualiza”.

“Contra esta nossa tese de que a pessoa é valor-fonte de todos os valores, foi-nos objetado que a pessoa é uma categoria histórica, ou seja, uma conquista da obra civilizadora da espécie humana, e que consoante conhecida afirmação de Durkeim, “essa auréola de santidade da qual está hoje investida a pessoa humana é de origem social”, devendo-se à evolução histórica a consciência social do valor da personalidade”.

“Não contestamos, evidentemente, esse dão histórico, mas não nos parece lícito confundir o aspecto genético com o aspecto lógico da questão. A idéia de sociedade, longe de constituir um valor originário e supremo, acha-se condicionada pela sociabilidade do homem, isto é, por algo que é inerente a todo ser humano e que é condição de possibilidade da vida de relação. O fato do homem só vir a adquirir consciência de sua personalidade em dado momento da vida social não elide a verdade de que o social já estava originariamente no ser mesmo do homem, no caráter bilateral de toda atividade espiritual: a tomada de consciência do valor da personalidade é uma expressão histórica de atualização do ser do homem como ser social, uma projeção temporal, em suma, de algo que não teria se convertido em experiência social se não fosse intrínseco ao homem a condição transcendental de ser pessoa”.

“Entre pessoa e sociedade há, pois, uma correlação primordial, um vínculo de implicação e polaridade, de tal sorte que o homem vale como homem na sociedade, ainda que só milênios após tenha podido atingir a consciência de sua individualidade ética e de sua co-participação a uma comunidade de pessoas”

“A sociedade é essencial à emergência de valores, como diz Cuvillier, mas essa emergência é condicionada pelo valor trascendental e intrínseco do homem como tal”

“Por outro lado, a pessoa, como autoconsciência espiritual, é o valor que dá sentido a todo evolver histórico, ou seja, o valor a cuja atualização tendem os renovados esforços do homem em sua faina civilizadora”.(REALE, M.; ; p. 180).

Exposta de uma forma geral a visão jurídica da vida humana e sua dignidade, rompamos a órbita jurídica para poder ir mais fundo, ou ao “mais real”. A dignidade da pessoa humana deriva de sua condição de pessoa. Podemos citar alguns traços do ser pessoa; em primeiro lugar podemos fazer referência a imanência característica de todo ser vivo: imanente é o que se faz e guarda no interior, são operações imanentes conhecer, dormir, ler, e mesmo viver (não se dirigem a um objeto externo, nem propriamente a si mesmo, mas “em si mesmo”), todos os seres vivos tem imanência, porém há diversos graus, o dos animais é maior que o das plantas, o do homem maior que a dos animais. No homem, que pode conhecer e querer, exercer a liberdade, sendo imanente de forma particular porque opera em função de motivações particulares, individuais por decisão (decide porque é livre), tal imanência peculiar atinge o grau máximo da intimidade.

“A intimidade indica um interior que só a própria pessoa conhece. O homem tem interior, é para si, e se abre para seu próprio interior na medida em que se atreve a conhecer-se, a introduzir-se na profundidade de sua alma. Meus pensamentos ninguém os conhece, até que os digo. Ter interioridade, um mundo interior aberto para mim e oculto para os demais, é intimidade: uma abertura para dentro. A intimidade é o grau máximo de imanência, porque não é apenas um lugar onde as coisas ficam guardadas para si próprio sem que ninguém as veja, mas que também é, por assim dizer, um interior que cresce, do qual brotam realidades inéditas, que não estavam antes: são as coisas que nos ocorrem, planos que colocamos em prática, invenções, etc. Isto é, do caráter de intimidade surge também o criativo: porque tenho interior e me abro a ele sou capaz de inovar, de contribuir o que antes não estava e nem sequer era previsível. A intimidade tem capacidade criativa. Por isso, a pessoa é uma intimidade da qual brotam novidades, capaz de crescer. O próprio do homem é ser algo novo e causar o novo.” (YEPES STORK , R., tradução livre).

Citamos primeiramente como traço da pessoalidade humana a intimidade; faremos referência a “outra capacidade”, a de manifestar esta intimidade. As novidades brotam do interior, e tendem para fora, o homem se insere no mundo através de seus atos e palavras, tal aspecto está no cerne da criatividade humana. Esta manifestação da intimidade está arraigada com o próximo que pretendemos citar (já foi referido); trata-se da liberdade ao qual a criatividade está profundamente arraigada e através do homem como que “escolhe o que quer ser” (como nenhum “outro animal pode”) e manifesta través do modo como se insere no mundo (através do corpo que o ser humano ao mesmo tempo possui e é).

O homem que manifesta algo de seu interior para alguém de algum modo o dá. Esta capacidade de tirar de si o que tem para dar ou presentear. Esta capacidade efusiva (desde que este algo seja um bem, e filosóficamente, há de ser assim, porque – sem tecer maiores considerações no presente escrito – o mal é falta/ ausência do bem) configura o amor, e tecemos assim um quarto traço da consideração da pessoalidade humana, a capacidade de amar.

“Há que centrar-se no dar. Pode parecer algo estranho mas não desvela o núcleo do pessoal: o homem, quanto pessoa, não se cumpre em solitário, não alcança sua plenitude centrado em si mas dando-se. Mas esse dar-se é comunicativo no sentido de que exige uma reciprocidade: o dom deve ser recebido, agradecido, correspondido. De outro modo esse amor é uma sombra, um aborto como amor, pois ninguém o acolhe e se perde. Dar não é apenas deixar algo abandonado, mas que alguém o recolha. Alguém tem que ficar com o que damos. Se não, não há dar; apenas deixar.” (YEPES STORK , R., tradução livre).

Podemos citar ainda outros traços e verificar ainda que estão todos intimamente relacionados, na verdade só há o destrinche na didática; a capacidade de diálogo – a comunicação – integrante da sociabilidade humana (o homem é naturalmente um ser social) é especialmente manifestadora do ser pessoa. O diálogo é fundamental para o próprio “desenvolvimento” da pessoalidade, tanto somos pessoas na medida que nos relacionamos (ser pessoa não tem sentido isolado).

Todas estas capacidades, porém, são manifestações; e manifestações de potencialidades que em maior ou menor grau “se realizam” (se atualizam) ou mesmo em nenhum, sem contudo variar o valor intrínseco ao homem na condição transcendental de ser pessoa, exatamente por ser intrínseco e, portanto, sem variar também a exigibilidade de respeito a este valor que designamos por dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa não pode depender do nível atual de auto-consciência que tenha o ser humano [que em geral deve estar mais amadurecida – na sua atualização – no adulto] porque, repetimos, é intrínseca ao ser humano. Do contrário diríamos que uma criança recém nascida é menos digna que um adulto, e que fetos, embriões, dementes, doentes sem discernimento e velhos não são pessoas; o que além de absurdo, tal “forma de pensar” – a qual autoriza a estabelecer critérios para valorar a pessoalidade e o merecimento de respeito a vida de seres humanos – é perigosa e já causou grandes dores no decorrer da história da humanidade, e é preciso estarmos atentos para que esta mentalidade não seja fundamento de nada, muito menos de qualquer espécie de legislação.

Vale ainda referir que estamos hoje diante de mais de 6 bilhões de seres humanos cujas vidas devem ser tratadas com respeito e cujas vidas, invioláveis, com direito a tal exigência erga omnes, Tal realidade nos fazer pensar que o fato de reconhecermos mutuamente nosso direito a inviolabilidade a vida como fundamental, muitas vezes dito “absoluto” (por ter o respeito exigível sempre e de todos) só tem sentido porque há uma instância superior que as reconheça a todas como tais: um Absoluto do qual dependam todas de algum modo. “A dignidade do homem, então, apenas se capta em profundidade se se sustenta que é fruto da afirmação que o mesmo Deus faz de cada homem, do novum que cada um somos. Aqui se entra necessariamente no terreno do teológico e da revelação. Não há nenhum motivo suficientemente sério para respeitar aos demais se não se reconhece que, respeitamos aos demais, com respeito a Aquele que me faz respeitável frente a eles.”(bb) Depois dessas considerações humanísticas aprofundemos mais. O preâmbulo constitucional não é adorno, prefacia: são palavras de esclarecimento sobre o que vem a seguir; e refere que a Assembléia Nacional Constituinte promulga a Constituição sob “a proteção de Deus” para em seguida citar os direitos fundamentais sobre os quais fundamenta a República Federativa do Brasil porque os consideramos dons.

De fato no Brasil não está estabelecida a liberdade religiosa porque o Estado tolera a religião como quem suporta algo com indiferença, mas porque adere ao que há de comum ao fenômeno religioso em geral: a reverência ao Deus criador e a consideração da vida, da liberdade, da dignidade (entre outros) como dons. Respeitando, no entanto, a liberdade de consciência de acordo com a qual cada um adere à concepção que ir julgando mais verdadeira.

Tais dons são natos (de fato, em exemplo, o homem não pode dar a vida por si mesmo), a cujo respeito são direitos reconhecidos de forma crucial pelo Estado Brasileiro, reconhecendo também o Estado – pela sociedade brasileira – que tais direitos não podem ser submetidos a critérios ou contrapostos a direitos menores, mas que são sim fonte da qual irradiam outros valores e normas.

III – ANTEPROJETO DE DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO A Comissão de Revisão da Legislação Punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez no Brasil, composta por 18 representantes do Executivo Federal, Legislativo e Sociedade Civil, instalada (em 6/4/2005) pela Senhora Ministra Nilcéa Freire, Secretária Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, conclui seu trabalho no prazo estabelecido na Portaria n.º 04 de 6 de abril de 2005 e apresenta o produto do seu trabalho na forma da seguinte proposta revisão da Legislação Punitiva, a ser recebida pela Relatora, Deputada Jandira Feghali, como novo Substitutivo aos projetos sobre o mesmo tema.(PL n.º 1.135/91, PL n.º 3.280/92, PL 176/95, PL 1956/96, PL n.º 2929/97, PL n.º 4703/98 e, PL n.º 7235/02), que, para encurtar o caminho, resolveu emitir seu parecer sobre os projeto de lei abortista, apresentando tal conclusão como substitutiva.

Comissão de revisão da legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez.

II – Proposta Normativa

Minuta de Substitutivo

Estabelece o direito à interrupção voluntária da gravidez, assegura a realização do procedimento no âmbito do sistema único de saúde, determina asua cobertura pelos planos privados de assistência à saúde e dá outras providências.O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Toda mulher temo direito à interrupção voluntária de sua gravidez, realizada por médico e condicionada ao consentimento livre e esclarecido da gestante.

Art. 2º Fica assegurada a interrupção voluntária da gravidez em qualquer das seguintes condições:

I − até doze semanas de gestação;

II − até vinte semanas de gestação, no caso de gravidez resultante de crime contraa liberdade sexual;

III − no caso de diagnóstico de grave risco à saúde da gestante;

IV − no caso de diagnóstico de malformação congênita incompatível com a vida ou dedoença fetal grave e incurável.

Art. 3º No caso de gestante relativa ou absolutamente incapaz, o consentimento deve ser dado ou suprido, conforme o caso, por seu representante ou assistente legal, resguardado o direito da gestante à manifestação de sua vontade.

Parágrafo único. Na hipótese de colisão entre os interesses do representante ou assistentelegal e a vontade da gestante representada ou assistida, ou no caso de carência de representante ou assistente legal, o representante do Ministério Público deve atuar como curador especial e pronunciar-se, extrajudicialmente, no prazo de cinco dias.

Art. 4º Os incisos II e III do art. 12 da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 12……………………………………………………

II −…………………………………………………….

c)cobertura de internações hospitalares, vedada a limitação de prazo, valor máximo e quantidade, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, admitindo-se a exclusão dos procedimentos da gravidez realizada nos termos da lei; ………………………………………………….

5 III −………………………………………………………..

c) cobertura dos procedimentos necessários à interrupção voluntária da gravidez realizada nos termos da lei.

……………………………………………………………(NR)” Art. 5º O artigo 125 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 125. …………………………………………..

Parágrafo único. A pena cominada neste artigo é aumentada em um terço, se, em conseqüência do abortamento ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofrer lesão corporal de natureza grave, e é duplicada se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. (NR)”

Art. 6º As normas complementares para a implementação do disposto nesta Lei no âmbito do sistema único de saúde serão dispostas em regulamento expedido pelo Ministério da Saúde. Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 8º Revogam-se os arts. 124, 126, 127 e 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 dedezembro de 1940 (Código Penal).

O anteprojeto é inconseqüente, desconexo e dissonante do ordenamento jurídico em vigor, inconstitucional e displicente. Simplesmente estabelece simplesmente no art. 1º que “toda mulher tem o direito à interrupção voluntária de sua gravidez”, esquecendo que – já com pouca eficiência – dá enfoque a vítima (da qual simplesmente não se procura fazer menção) porque o Estado Brasileiro reconhece (art.