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A Responsabilidade Civil do Estado

1. Conceito2. Teorias Acerca da Responsabilidade Civil do Estado2.1 Teoria da irresponsabilidade2.2 Teorias civilísticas 2.3 Teorias publicísticas3. Teoria Consagrada no Ordenamento Jurídico Brasileiro

1. Conceito

Entende-se por responsabilidade civil aquela que se traduz na obrigação de reparar um dano causado a outrem, e se encerra com a indenização. A responsabilidade civil independe da criminal e administrativa, com as quais pode coexistir, sem, no entanto, se confundir.

No âmbito da Administração, entende-se como aquela que, “[…] impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las.” (MEIRELLES, 2000, p. 595).

A responsabilidade civil do Estado é uma conseqüência lógica inafastável da concepção de Estado de Direito, uma vez que, sujeitando-se todas as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, ao ordenamento jurídico, impõe-se o dever de responder por comportamento do sujeito ativo estatal que fira a esfera de proteção jurídica alheia.

2 Teorias Acerca da Responsabilidade Civil do Estado

Sempre se discutiu sobre o alcance e a aplicabilidade da responsabilidade estatal ao longo do tempo. As teorias relativas ao tema sofreram paulatinamente uma evolução, no sentido de consagrar cada vez mais a responsabilidade do Estado, pelos danos causados aos seus administrados, no exercício das suas atribuições.

2.1 Teoria da irresponsabilidade

A Teoria da Irresponsabilidade do Poder Público, também chamada de Teoria Regaliana, cujo nascimento remonta à época anterior ao Estado de Direito, em que não se consagravam garantias individuais, direitos fundamentais e instrumentos de efetivação desses direitos. Característica dos Estados despóticos e absolutistas, supunha-se o poder estatal uma autoridade incontestável e ilimitada, onde não haveria espaço à responsabilização civil pelos seus atos.

A Teoria Regaliana era representada pela máxima “the king can do no wrong” (o rei não pode errar), extensiva aos seus representantes, acreditava-se que o Estado seria incapaz de praticar atos reprováveis ou incidir em culpa.

A Teoria da Irresponsabilidade Civil, nos dias atuais, encontra-se superada, uma vez que os últimos países que a consagravam, Inglaterra e Estados Unidos da América, abandonaram-na, respectivamente através do Crown Proceeding Act, de 1947 e o Federal Tort Claims Act, de 1946. Com isso, sucumbiram os últimos redutos da irresponsabilidade civil do Estado por atos dos seus agentes.

Em um certo momento da evolução da Teoria da Irresponsabilidade, foi admitida a responsabilidade pessoal do funcionário, ainda que fosse mantida a irresponsabilidade estatal. Atualmente, embora ultrapassada, essa teoria é utilizada em algumas nações como fundamento da irresponsabilidade dos atos do Poder Legislativo, ou mesmo do Judiciário, como é o caso do Brasil.

2.2 Teorias civilísticas

Num momento posterior, a Teoria da Irresponsabilidade cedeu espaço às Teorias Civilísticas ou Mistas, onde se diferenciavam os atos de império, praticados com uso de prerrogativas inerentes ao Estado, e insuscetíveis de responsabilização, e os atos de gestão, estes regidos pelo direito comum, ensejando a responsabilidade da Administração sempre que constatada a culpa do funcionário.

Nas palavras de Di Pietro (1997, p. 213):

Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam praticados pela administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços.

Embora abrandasse a idéia de irresponsabilidade do Estado, a dificuldade de diferenciação das duas modalidades acarretaram o surgimento da Teoria da Culpa Civil, ou da Responsabilidade Subjetiva, quando se estabeleceu que haveria responsabilidade do Estado sempre que da prática de um ato lesivo a alguém, restasse comprovada a culpa do agente que a executou. Esta a teoria insculpida no art. 15, do revogado Código Civil de 1.916, hoje tratada no Novo Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2.002, em seu art. 43, que dispõe da seguinte forma:

Art. 43 As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo (BRASIL, 2003).

No dispositivo supracitado, consagrou-se, ainda, de forma equivocada, a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil do Estado. A imprecisão legislativa, no entanto, fomentou uma grande divergência doutrinária e jurisprudencial, entendendo alguns juristas a necessidade de comprovação de culpa civil da Administração e outros vislumbrando a moderna teoria do risco, possibilitando a responsabilidade civil sem culpa em certos casos de atuação lesiva do Estado.

2.3 Teorias publicísticas

A superação paulatina da noção de culpa foi o elemento que ensejou a evolução do tema para as chamadas Teorias Publicísticas. De início, na forma de Teoria da Culpa Administrativa, desvinculava-se a responsabilidade do Estado da culpa dos seus funcionários, constatando-se a responsabilidade civil do Estado quando houvesse culpa anônima do serviço ou acidente administrativo. Foi dessa forma que se transferiu o foco do agente público para o serviço público, de forma genérica.

A Teoria da Culpa Administrativa foi o primeiro estágio de transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, levando em conta a “falta do serviço” para dela inferir a responsabilidade da Administração. Por ela, não se indaga acerca da culpa do agente administrativo, mas tão-somente a falta do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro.

Exige-se, nesse caso, uma culpa especial da Administração, a chamada culpa administrativa. Além do fato material, o terceiro há que comprovar a falta do serviço para ensejar a indenização. Logo, verificada a inexistência, o mau funcionamento ou o retardamento do serviço, há obrigação de indenizar.

O próximo estágio da evolução das teorias publicísticas deu-se no sentido de consagrar a Teoria do Risco Administrativo ou Responsabilidade Objetiva.

Pela Teoria do Risco surge a obrigação de indenizar a partir do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Responsabiliza-se o Estado desde que seja demonstrado o nexo causal entre o dano causado e a atividade dos seus agentes, sendo desnecessária a demonstração de culpa do Estado ou do agente público.

No ponto extremo das teorias publicísticas temos a Teoria do Risco Integral, abandonada na prática, que preceitua existir responsabilidade civil do Estado em qualquer caso, desde que estejam presentes o dano ao particular e a atuação do agente estatal.

Por essa teoria radical, existiria obrigação da administração pública de indenizar ainda que o dano decorresse de culpa ou dolo da vítima, não se considerando qualquer circunstância excludente da responsabilidade, tal como o caso fortuito, a força maior ou culpa exclusiva de terceiro, por exemplo.

3 Teoria Consagrada no Ordenamento Jurídico Brasileiro

A teoria acolhida pela atual Constituição Federal, no tocante à responsabilidade do Estado, é a Teoria do Risco Administrativo, insculpida no art. 37, § 6º, que dispõe da seguinte forma:

Art. 37.[…]………………………………………………………………..

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1999).

Segundo sua pregação, o Estado é a síntese patrimonial de todos os contribuintes, pelo que deve resguardar a absoluta igualdade dos administrados diante dos ônus e encargos públicos. A atividade pública, por possibilitar danos ao administrado, cria para este um Estado de desigualdade quando a ação estatal produzir lesão e de modo concreto atingir o patrimônio ou o direito do particular.

O princípio norteador dessa teoria adotada pelo legislador constituinte, como conclui acertadamente Meirelles (2000, p.525), é que:

[…] tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do erário, representado pela Fazenda Pública. O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes desta doutrina, que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido acolhimento dos Estados modernos […].

Logo, a responsabilidade extracontratual do Estado está fundada no princípio da isonomia, buscando-se o restabelecimento do equilíbrio social, através da justa indenização ao particular lesado pelo Estado no desempenho das suas funções públicas.

Embora a Teoria do Risco Administrativo dispense a comprovação de culpa da Administração, possibilita-se ao poder público demonstrar a existência de culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização, porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral.

Outrora discutiu a doutrina pátria se o fato de a Constituição Federal não ter estabelecido as excludentes de responsabilidade, poderia ter adotado a Teoria do Risco Integral. Essa discussão, no entanto, não teve grande repercussão, concluindo-se acertadamente que o nosso ordenamento jurídico adotou, no campo da responsabilidade civil do Estado a Teoria do Risco Administrativo, nos termos do art. 37, § 6º CF/88.