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Juiz que matou vigia de supermercado tem habeas-corpus negado

O juiz Pedro Pecy Barbosa de Araújo, acusado de ter matado o vigilante José Renato Coelho, no dia 27 de fevereiro, em Sobral (CE), após ter sido impedido de entrar em um supermercado depois do horário de funcionamento, teve um pedido de habeas-corpus negado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros Hélio Quaglia Barbosa (relator), Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti negaram o pedido, e os ministros Nilson Naves e Paulo Medina votaram pela concessão da ordem.

O advogado sustentou oralmente que o caso seria idêntico ao de Suzane Richthofen, julgado na última terça-feira. Naquele processo, a Turma concedeu habeas-corpus para a estudante em razão da falta de fundamentação da ordem de prisão. Segundo o advogado de Pecy, o mesmo se daria na ordem de prisão expedida contra o juiz.

Pecy teria se apresentado ao presidente do Tribunal de Justiça do Ceará no dia seguinte ao do cometimento do crime, pediu seu próprio afastamento e não fugiu ao saber do decreto de prisão. O juiz seria um homem pacato e um bom juiz, que não teria deixado um único processo sem julgamento antes de ser afastado. Ele também não poderia causar perigo à ordem pública e não teria intenção de se furtar à aplicação da lei penal ou coagir testemunhas.

O acusado estaria preso já há 120 dias, as testemunhas já teriam sido ouvidas e não se questionaria no habeas-corpus o crime em si, mas apenas a necessidade da prisão preventiva. O advogado ressaltou que o sensacionalismo da imprensa não poderia justificar a prisão.

Ordem fundamentada

O relator, ministro Hélio Quaglia Barbosa, afirmou que, apesar de a Constituição Federal conter o princípio da presunção de inocência, de ser exigida a fundamentação da ordem de prisão e de o mero clamor público não autorizar a prisão, além de não poder qualquer fato criminoso divulgado pela mídia levar o acusado à prisão sob o risco de submeter a Justiça à pauta jornalística, no caso em discussão a execução do crime revela um ato frio, praticado com trivialidade e banalidade. A periculosidade e a necessidade de garantia da ordem pública estaria demonstrada não na gravidade do crime em si mesma, mas na sua execução.

A instrução criminal não está concluída, o que poderia levar Pecy, em estado de desequilíbrio mental notório, a usar sua condição de juiz para influir no processo, com o poder de intimidação inerente ao cargo. A Justiça, ao prendê-lo, dá uma resposta à sociedade, não ao clamor público.

Presunção de inocência

O ministro Nilson Naves foi o primeiro a votar em sentido contrário ao do relator; para ele, deveria ser concedida liberdade ao acusado. Para o ministro, ainda que o caso seja diferente de outros, como o julgado na última terça-feira, por se tratar de crime praticado por magistrado, suas convicções impediriam que votasse de modo diverso, preso que está, por elas, ao princípio da inocência, consagrado pela Constituição Federal de 1988.

Os termos utilizados na ordem de prisão expedida pelo TJ dizem respeito à maneira com que se deram os fatos e como chegaram à população, não justificando um decreto de prisão preventiva nos moldes exigidos pela Constituição e pela legislação brasileira. A ordem, considerou o ministro Nilson Naves, não está devidamente fundamentada.

Direito da sociedade

Já para o ministro Hamilton Carvalhido, a prisão cautelar faria parte do poder de resposta do Direito Penal. Para o ministro, o Direito Penal não é apenas o estatuto do criminoso, mas, acima de tudo, o da sociedade, que impõe limites éticos aos homens. A liberdade não poderia ser vista somente pelo ponto de vista do réu, mas também pelo do homem inserido na sociedade, que abre mão de parte de sua liberdade para integrar-se ao convívio social.

O ministro, citando Nelson Hungria, afirmou que a vida é o maior dos bens e que o fato criminoso é sinal da personalidade do réu, que, sem controle, sem inibição, mata à menor resistência. Para o ministro Hamilton Carvalhido, a comoção social existe e não se confunde com notícias de jornal, razão pela qual a ordem de prisão está fundamentada. O ministro, ao votar acompanhando o relator, ressaltou ainda o papel fundamental da imprensa na sociedade, quando não se excede nessa atuação.

Crime de magistrado

O ministro Paulo Gallotti sustentou que a prisão foi decretada para a manutenção da ordem pública. Apesar de ser semelhante ao caso da estudante acusada de matar os pais, o ministro considerou que um assassinato praticado por magistrado abala a sociedade e a ordem pública. Por esse motivo e pela fundamentação da própria ordem de prisão, que demonstra as razões que levaram à decisão de manter o juiz sob custódia, o ministro votou acompanhando o relator.

Tensões constitucionais

Para o ministro Paulo Medina, a Constituição Federal traz tensões diversas entre direitos individuais e da sociedade. Uma delas presente exatamente entre a manutenção da ordem pública e a defesa dos direitos individuais.

Entende o ministro, que votou acompanhando o ministro Nilson Naves, que essas tensões têm sido interpretadas erroneamente, por delegarem às leis a harmonização entre elas. Para o ministro, cabe aos juízes, às suas consciências ponderar e decidir sobre como administrar as tensões.

Além disso, o ministro ressaltou o entendimento de que o acusado só deixa de ser inocente após o trânsito em julgado da sentença condenatória, que não haveria ameaça à ordem pública, à conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal.