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Princípio da lesividade e suas relevantes implicações jurídicas

O crime é uma conduta que só tem razão de ser quando esta conduta lesa ou expõe a lesão um bem jurídico tutelado pelo Direito. Uma conduta pode ser imoral e escandalosa, mas se não tutelar um bem jurídico penal não será crime. Então se conclui que: Não se pode punir uma mera atitude interna, nem ultrapassar a pena do próprio autor, meros estados ou condições especiais não podem ser crimes, não se pode punir condutas que lesem ou condicionem bens jurídicos e a lei não pode presumir perigo ao bem jurídico, este tem que ser real. Bittar cita em sua obra:

O Direito, pois segundo Kant, reduz a disciplinar ações externas dos homens e a tornar possível a sua coexistência. Define-se assim: Direito é o conjunto das condições segundo as quais o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos restantes, de harmonia com uma lei universal de liberdade.(DEL VECCHIO, 1979 apud BITTAR, 2001, p. 270)

Del Vecchio quis dizer que é função do Direito criar normas para limitar a liberdade dos indivíduos, garantido assim a paz social.

Kant defende a idéia de que a liberdade de um indivíduo se encerra quando começa a do outro. Sendo assim, o Estado não permite que um indivíduo imponha as suas vontades ao outro. Por isso, o Direito foi criado com o escopo de proteger o indivíduo, sua liberdade, sua dignidade e o seu patrimônio, enfim os seus bens jurídicos.

E quando isso não ocorre, o Direito Penal já tendo previsto determinadas condutas como ilícitas aplica-as respectivas penas aos indivíduos que lesaram algum bem jurídico tutelado por este ramo do Direito.

A mesma opinião é compartilhada por Prado (2004, p. 147) quando afirma que

“[…] não há delito sem que haja lesão ou perigo de lesão (princípio da Lesividade e da Ofensividade) a um bem jurídico determinado. Sob essa perspectiva, a tutela penal só é legítima quando socialmente necessária (princípio da necessidade), imprescindível para assegurar as condições de vida, o desenvolvimento e a paz social, tendo em conta os ditames superiores da dignidade e da liberdade da pessoa humana”.

O bem jurídico que foi lesionado ou sofreu ameaça de lesão pelo autor do crime passa a ser o objeto jurídico do crime. Uma vez que esta lesão ou a sua ameaça legitima a atuação do Direito Penal, pois adequa a conduta do agente a um tipo criminal previsto no Código Penal Brasileiro.”No Direito Penal, à conduta do sujeito autor do crime deve relacionar-se, como signo do outro sujeito, o bem jurídico (que era objeto da proteção penal e foi ofendido pelo crime)” (LOPES, 1997, p. 79).

Para que haja a intervenção do Direito Penal é necessário que uma conduta humana ilícita lesione ou ameace de lesionar um bem jurídico. Não é papel do Direito Penal condenar um comportamento imoral ou impuro, e sim, apenas comportamentos que lesionem efetivamente ou apenas ameacem de lesão um bem jurídico penalmente tutelado.

“O Direito Penal só pode assegurar a ordem pacífica externa da sociedade, e além deste limite nem está legitimado nem é adequado para educação moral dos cidadãos”. (LOPES, id.).

Segundo Batista (2004, p. 92), o princípio da Lesividade possui quatro funções, quais sejam: “Proibir a incriminação de uma atitude interna” (grifo do autor).

O que significa dizer que a cogitação, a fase puramente mental, que é a elaboração mental da conduta criminosa, o agente apenas planeja no campo do intelecto a prática do crime é uma fase impunível pelo Direito Penal, ainda que este ramo do Direito se interesse pela intenção do agente e pelo grau de sua culpabilidade. Entretanto, em todos os casos é necessário que a atitude interna esteja intrinsecamente ligada a uma conduta externa. “[…] proibir a incriminação de atitudes internas, posto que as idéias, convicções, desejos, aspirações e sentimento dos homens não podem constituir fundamento de tipo penal, nem mesmo quando se orientam para a prática de um crime […]” (LOPES, 1997, p.80)

” Proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor” (grifo do autor)(BATISTA, 2004, id.)

De acordo com o art. 14 inc II do Código Penal, não se pune os atos preparatórios, cuja execução não foi iniciada, que não passem do âmbito do próprio autor da conduta ilícita. Os atos preparatórios são as condições que o agente cria para que o crime se realize daquela maneira que ocorreu, por isso é um ato externo. O ato preparatório não pode ser punível, pois, em regra, é atípico. Se o agente apenas prepara e não segue adiante é como se tivesse desistido. Por este fato, a conspiração entre duas ou mais pessoas para a pratica do crime, sem o início da execução não é punida.

Contudo, existem duas exceções, quais sejam: quando os atos preparatórios são elevados pelo legislador como crimes autônomos, quando eles por si só possuem um potencial lesivo e por isso são condutas tipificadas, e, portanto puníveis, por exemplo, o crime de porte de arma, caso em que não se responde pelo crime fim, mas pelo crime meio. No caso de participação no concurso de pessoas, em que um ato preparatório isoladamente impunível, mas que no contexto é tão relevante penalmente que passa a ser punível.

Esse também é o fundamento que impede a aplicação da pena na autolesão, ou seja, é uma conduta externa que lesiona um bem jurídico penalmente tutelado, mas que não ultrapassa a figura do autor. Pode-se citar com exemplo, o suicídio.

“Proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais” (grifo do autor) (BATISTA, 2004, p. 93)

É vedada a imposição de pena a um estado ou condição do agente. Não é possível punir uma prostituta por ela ser uma profissional do sexo, isso, não constitui lesão ou ameaça de lesão a um bem jurídico. Entretanto, é possível que ela seja penalizada pelo crime de vadiagem.

O Estado de Direito para punir deve ter uma segurança jurídica ao apenar uma pessoa por um crime que esta cometeu, portanto, o Direito Penal pune pela ação, ou seja, pela conduta que esta pessoa incorreu e que é considerada reprovável e ilícita para o Direito, pois violou um bem penalmente tutelado.

“Proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetam qualquer bem jurídico” (grifo do autor)(BATISTA, 2004, p. 94)

Os desejos e as aspirações humanas não podem ser punidos. Assim, as condutas praticadas pela minoria social que causem estranheza para o restante da sociedade, ainda que sejam condutas desviadas não poderão ser punidas, pois afetam bens jurídicos que não foram colocados sob a proteção do Direito Penal.

“O princípio da lesividade, segundo o qual nenhum direito pode legitimar punitiva quando não medeie, pelo menos, um conflito jurídico, entendido como a afetação de um bem jurídico total ou parcialmente alheio, individual ou coletivo”.(ZAFFARONI e BATISTA, 2003, p. 226 ).

A lei penal, de fato, não tem o escopo de tutelar um bem jurídico, e sim vem como uma medida coercitiva, para confiscar um conflito que expõe a perigo ou lesione um bem jurídico penalmente tutelável.