Press "Enter" to skip to content

OAB entrega ao MEC documento condenando proliferação de cursos

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, entregou há pouco ao ministro da Educação, Tarso Genro, documento do Conselho Federal da entidade condenando “a proliferação indiscriminada de cursos, sem que se leve em conta nas autorizações deferidas para a sua instalação o critério da necessidade social”. A OAB chama a atenção para o “grave problema” do ensino jurídico no País e reivindica participação nas decisões do Conselho Nacional de Educação. “O CNE tem-se mostrado extremamente libedral nas autorizaçõies de novos cursos”, criica o documento, ressaltando a preocupação da entidade com quantidade de faculdades de Direito existentes hoje no País (763) e com a qualidade do ensino jurídico.

A seguir, a íntegra do trabalho da OAB entregue ao ministro da Educação:

Ofício nº 002/2004 – CEJU

Brasília, 12 de fevereiro de 2004.

Excelentíssimo Senhor MinistroDoutor TARSO GENRO:

O Conselho Federal da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, atento a uma de suas missões institucionais – a de pugnar pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (Lei nº 8.906/1994, art. 44, I) – e cioso da competência que a legislação vigente lhe atribui, no sentido de colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar previamente nos pedidos de autorização e reconhecimento desses cursos (Lei nº 8.906/1994, art. 54, XV; Decreto nº 3.860/2001, art. 28), vem à presença de Vossa Excelência, no início de sua promissora gestão à frente do Ministério da Educação, para expor suas preocupações com o quadro atual do ensino jurídico no país.

2. A proliferação indiscriminada de cursos, sem que se leve em conta nas autorizações deferidas para a sua instalação o critério da necessidade social, constitui grave problema. Segundo informações do INEP, o número de cursos jurídicos é, hoje, de 763. Há cursos que nem sequer passam pelo processo de autorização, porque as Universidades que os criam arrogam-se a faculdade de fazê-lo com base nos respectivos estatutos e a pretexto de acharem-se esses homologados pelo MEC.

O Conselho Nacional de Educação tem-se mostrado extremamente liberal nas autorizações de novos cursos e cada vez mais, nos últimos anos, vem discrepando dos pareceres previamente emitidos pelo Conselho Federal da OAB, por intermédio de sua Comissão de Ensino Jurídico. Basta observar que, no período de 2001 a 2003 foram por aquele órgão autorizados 222 cursos, dos quais apenas 18 haviam recebido parecer favorável da referida Comissão. Levantamento criterioso da necessidade social no que concerne à criação de cursos de Direito, demonstraria claramente que, em muitos estados, esse fator apresenta números excedentes do limite estimado. O gráfico (nº 01), que acompanha o presente, indica a distribuição de cursos por unidades da federação, mostrando a grande concentração de escolas de Direito notadamente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. São também bastante ilustrativos do problema analisado os gráficos que revelam o número de vagas por unidade da federação (gráfico nº 02) e a relação candidato – vaga (gráfico nº 03).

3. Cremos, Senhor Ministro, que se faz mister atribuir a merecida importância aos pareceres da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, nos processos de autorização e reconhecimento de cursos. Para tanto, impende tornar obrigatória a motivação das deliberações finais da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, quando contrárias àqueles pareceres. Com vistas a estabelecer tal obrigatoriedade, bastaria acrescentar parágrafo ao art. 28 do Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001, que “Dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências”. Por outro lado, urge incluir, no mesmo Decreto, disposição que estabeleça os critérios que se deverão considerar nas autorizações de cursos, entre os quais o da necessidade social.

Pensamos, porém, que essas alterações no Decreto nº 3.860/2001 não seriam por si sós bastantes. A solução ideal, por que a Ordem propugna, haveria de ser a de atribuir-se eficácia definitiva aos seus pareceres na matéria.

4. Observa-se que os processos de autorização padecem de falhas, a maior das quais reside na precariedade dos relatórios apresentados pelas comissões verificadoras, depois das inspeções realizadas in loco. Causa espécie que esses relatórios sejam, muitas vezes, contraditórios, chegando a conclusões favoráveis a partir de premissas destoantes ou depois de esboçarem quadros inteiramente contrários à autorização proposta, onde se evidenciam falhas e irregularidades que estariam a inviabilizar a instalação do curso. Mais acertado seria, aliás, que as comissões verificadoras se abstivessem de concluir pela autorização, ou não, limitando-se a descrever a realidade encontrada. Evitar-se-ia, assim, que as instituições de ensino tomassem os referidos relatórios como antecipações do pronunciamento final do CNE e já chegassem à Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB arrimadas na presunção de que o seu projeto não comportaria outro desfecho senão o da aprovação.

5. A fiscalização do funcionamento dos cursos precisa ser intensificada. Tem-se notícia de situações absurdas e bizarras, como a da existência de cursos que oferecem aulas em horários pré-matutinos (isto é, de madrugada) ou funcionam de forma improvisada, em lugares impróprios, convivendo, ali, com atividades de outra natureza. Tais circunstâncias são sinais evidentes de um processo de vulgarização do curso de Direito, que precisa ter fim !

6. A concorrência desenfreada que se vem estabelecendo entre cursos mantidos por instituições particulares está acarretando sério problema, que é o do afrouxamento das formas de seleção dos candidatos ao ensino jurídico. A imprensa noticiou, há tempos, caso emblemático, a esse respeito, o do cidadão analfabeto que logrou obter aprovação para determinada universidade do Rio de Janeiro. Em certas instituições, segundo se sabe, o vestibular é pouco mais do que uma formalidade a ser cumprida. Essa situação tende a agravar-se na medida em que o mercado se mostre saturado, diante do grande número de cursos jurídicos autorizados a funcionar.

7. É preciso conter a verdadeira explosão de vagas que vem ocorrendo nos cursos jurídicos. O eufemismo da criação de cursos fora de sede vem permitindo que novas faculdades de direito surjam, em cidades distantes da matriz, como verdadeiras filiais, abertas à sorrelfa, à margem dos procedimentos exigidos para a instalação de estabelecimentos de ensino superior. O Decreto nº 3.860/2001 procurou coibir essa prática, estabelecendo que as universidades só poderiam criar cursos superiores em municípios diversos de sua sede, “desde que situados na mesma unidade da federação” (art. 10, caput). Expedientes de toda ordem têm sido utilizados, no entanto, para burlar a limitação imposta – e os órgãos competentes para a necessária fiscalização mostram-se impassíveis diante de semelhantes abusos.

8. Tanto mais preocupante se torna esse problema para a OAB quando se considera que, no Mandado de Segurança nº 8219/2002, que a entidade impetrou contra a Portaria MEC nº 2.402/2001, expedida no governo anterior – e que facilitava o aumento de vagas por parte de faculdades isoladas ou integradas – o Superior Tribunal de Justiça, por sua Primeira Seção, concedendo a segurança, deixou claro, no Acórdão então proferido, que ampliações dessa natureza no número de vagas oferecidas, implicando alteração substancial no projeto pedagógico do curso, não podem subtrair-se ao prévio parecer do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (v. texto anexo do Acórdão cit.). Cumpria, portanto, com a devida vênia, ao MEC e ao Conselho Nacional de Educação estar atentos a essa particularidade, em respeito à decisão do STJ.

9. Como se não bastassem tantos motivos de preocupação com a realidade atual do ensino jurídico no país, ainda há, Senhor Ministro, maus presságios contra os quais temos de prevenir-nos, diante do futuro próximo. Referimo-nos, particularmente, às medidas preliminares relativas a novas diretrizes curriculares do curso de Direito, que se pretende estabelecer, em substituição àquelas constantes da Portaria nº 1.886, de 31 de dezembro de 1994.

Como é sabido, o Egrégio Conselho Nacional de Educação chegou a aprovar anteprojeto de Resolução, nos termos do parecer nº 0146/2002, que, homologado pela Senhora Ministra interina da Educação, no governo anterior, adotava estranho processo de desregulamentação do curso de Direito, limitando-se a relacionar algumas matérias fundamentais, que deveriam integrar os currículos plenos dos cursos e deixando ao alvedrio desses a escolha das matérias profissionalizantes a ser lecionadas. Isso permitiria às instituições de ensino montar cursos de curta duração, que não contemplassem matérias correspondentes a ramos essenciais do direito ou ensejaria o advento de cursos voltados para especializações precoces. No regime que se pretendeu instituir, inspirado na filosofia do laisser faire, laisser passer, tudo seria permitido, em nome da tão decantada flexibilização do currículo. O objetivo final era, na verdade, o de possibilitar a redução do tempo de duração do curso, de cinco para três anos. Disso cuidava, aliás, outro parecer do Egrégio Conselho Nacional de Educação, o parecer nº 0100/2002, que não chegou a ser homologado pelo Senhor Ministro.

Contra o ato de homologação do parecer nº 0146/2002 do CNE, o Conselho Federal da OAB impetrou Mandado de Segurança, perante o Superior Tribunal de Justiça – o Mandado de Segurança nº 8.592-DF, de que foi Relator o eminente Ministro FRANCIULLI NETTO. Concedendo a segurança, à unanimidade, a Colenda Primeira Seção do STJ consagrou luminoso voto do Relator, que, ainda hoje, merece lido, pelas importantes considerações que tece sobre aspectos jurídicos e sociais que cercam a ministração do ensino jurídico no Brasil (v. texto anexo do Acórdão cit.).

Considerou o referido Acórdão ser “notório que a abertura excessiva e descriteriosa do número de faculdades de Direito prejudica a qualidade do exercício profissional pela formação deficiente dos bacharéis, grande parte despreparada para atuar nas diversas carreiras jurídicas”. Estas, Senhor Ministro, são carreiras de Estado, sabido que o curso de Direito é o único, entre os cursos superiores, que forma com exclusividade os quadros de um dos Poderes da República, o Poder Judiciário, bem como os das funções essenciais à Justiça, o Ministério Público e a Advocacia.

10. O Conselho Federal da OAB, por sua Comissão de Ensino Jurídico, tem manifestado sempre o maior interesse em discutir as diretrizes curriculares do curso e mantém o propósito de colaborar na sua redefinição. Registre-se que a vigente Portaria nº 1.886/1994 é fruto de sugestões apresentadas pela referida Comissão. Quando se abriu o processo de revisão das diretrizes constantes da citada Portaria, aquele órgão do Conselho Federal da OAB propugnou pela manutenção, em suas linhas gerais, das diretrizes ora em vigor, admitindo a adoção de alternativas para a monografia atualmente exigida como trabalho de conclusão de curso e o aperfeiçoamento de outros pontos, como o das atividades complementares. Em reuniões e audiências públicas de que tem participado, a Comissão de Ensino Jurídico reiterou essa posição, expressando o entendimento de que a definição de um núcleo básico de matérias – suscetíveis de desdobramento em quantas disciplinas considerar-se necessário – seja em relação à parte fundamental, seja em relação à parte profissional do curso, é absolutamente indispensável, assim como a manutenção da exigência de um acervo bibliográfico mínimo.

Permita Vossa Excelência que, nesta oportunidade, reafirmemos nossa disposição de continuar participando dos debates em torno da matéria, na expectativa de que não sejamos novamente surpreendidos com o advento de novas diretrizes, como sucedeu por ocasião da homologação do parecer CNE nº 016/2002.

11. Por fim, Senhor Ministro, queremos apresentar, oficialmente, a Vossa Excelência os resultados do programa OAB RECOMENDA, constantes do incluso volume.

Trata-se da segunda versão do programa, que se destina a destacar os cursos de Direito que, no momento atual, revelam melhores índices de aproveitamento, merecendo receber da OAB o chamado selo de qualidade. O OAB RECOMENDA não é um ranking de cursos, não classifica faculdades de Direito nem veta ou desaconselha instituições cujos cursos não foram contemplados. Cuida, apenas, de estabelecer um referencial, suscetível de motivar a busca constante pelo aprimoramento do nível de ensino por parte das instituições que o ministram. A repercussão do programa e a importância que a sociedade lhe atribui refletem-se, claramente, no orgulho com que as instituições destacadas recebem os resultados do OAB RECOMENDA e também nas reações de algumas daquelas cujos cursos não figuraram entre os recomendados. Dentre essas últimas, há as que, nobremente, procuram justificar as razões por que o seu desempenho, no período avaliado, não lhes permitiu alcançar a recomendação; outras questionam a correção dos critérios adotados; e houve, até, quem reagisse de forma virulenta, procurando desqualificar o trabalho da OAB e, quiçá, intimidá-la, na tentativa de evitar que a entidade prossiga nesse trabalho. De tudo se extrai, no entanto, a verificação de que o OAB RECOMENDA vai-se firmando como índice de referência, no campo do ensino jurídico, cada vez mais respeitado e exercendo cada vez mais a função de estimular as faculdades de Direito a atingirem o patamar dos cursos recomendados.

12. São estas, Senhor Ministro, as observações que entendemos do nosso dever expor a Vossa Excelência, como início de um diálogo que esperamos possa prosseguir. Os propósitos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil não são outros senão os de pugnar pelo aperfeiçoamento do ensino jurídico no país. Estamos certos de que Vossa Excelência, ilustre homem público e prestigioso advogado, saberá compreender nossas intenções e corresponder à confiança que depositamos em sua atuação.

Aproveitamos o ensejo para apresentar a Vossa Excelência as expressões do nosso mais alto apreço.

ROBERTO ANTONIO BUSATO
Presidente Nacional da OAB

PAULO ROBERTO DE GOUVÊA MEDINA
Presidente da Comissão de Ensino Jurídico
do Conselho Federal da OAB