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Sou formado em Direito. Qual a minha profissão?

Deparei-me, certa feita, com uma reportagem da Revista Veja, edição 1804, intitulada de “Capitalismo de Meia Tigela”, muito bem escrita por Cláudio Moura Castro, o qual fazia menção ao objetivo de alguns “impérios universitários” que questionavam a abertura de novos cursos superiores em nosso país. Durante a agradável leitura, eis que surge uma pequena, mas muito significativa frase a respeito do curso de Direito, que assim dizia: “O curso de Direito é um programa que também forma advogados.”

Tal afirmação pode deixar estarrecidos muitos dos cidadãos brasileiros, mas caracteriza um problema já há muito vivenciado pelos jovens estudantes de nosso país em sua vida universitária e, principalmente, quando da entrada no mercado de trabalho.

É daí que surge a questão: sou graduado em Direito, mas qual a minha profissão?

Até alguns anos atrás, a Faculdade de Direito era também denominada Advocacia, principalmente depois da divisão dos cursos superiores em diversos departamentos. Hodiernamente, estamos presenciando a tomada de um caminho inverso, onde o curso de Direito pode formar profissionais para diversas áreas, e como disse a matéria já citada, até mesmo advogados. Mas analisando a questão sobre o ponto de vista crítico, temos que ponderar sobre os reais objetivos dos acadêmicos quando ingressam na faculdade de Direito. Como é sabido, a juventude, com toda sua vivacidade, ao adentrar nas cadeiras de um curso superior tem em mente a busca de objetivos mais distantes, principalmente relacionados ao mercado de trabalho que lhe será oferecido ao concluir a graduação. Os sonhos se avolumam, a família deposita toda a sua confiança em um futuro promissor para seu jovem integrante que ingressa nas raias de uma Academia de Ensino Superior.

Como se comportam Universidade e Professores sobre o tema?

Acontece que o que se vê na prática é que vários sonhos são frustrados ainda durante o curso. Isso porque os acadêmicos em Direito, quando iniciam a graduação, têm em mente os mais longínquos sonhos, principalmente voltados para a carreira pública, sonhos esses que são incentivados não só pela família, mas até mesmo pelos professores do curso.

Lembro-me que no segundo dia de aula de minha graduação, uma brilhante professora adentrou a sala e, antes de lecionar a matéria, começou a fazer algumas considerações a respeito do grande campo de atuação voltado para os Bacharéis em Direito, tendo dado maior ênfase às carreiras públicas, asseverando, principalmente, a segurança no emprego e o bom salário percebido por aqueles profissionais. Quanto à advocacia, aquela professora, que também era advogada, afirmara ser um campo muito complexo e de pouca segurança econômica, onde não muitos conseguiriam lugar de destaque. Ao depois, passou a perguntar aos alunos recém-aprovados no vestibular sobre o que pensavam sobre o futuro, após a formatura, e, como era de se esperar, quase a totalidade da turma afirmou que aspirava uma carreira de Juiz de Direito, de Promotor Público e várias outras voltadas ao serviço público, sendo que apenas alguns afirmaram que estavam naquela Academia para, após a graduação, exercerem o múnus da Advocacia.

Também durante a Colação de Grau da mesma turma, tomei-me de surpresa quando o Paraninfo da Turma, um brilhante professor e Juiz de Direito, ao discursar para os formandos, começou a citar o nome de um por um dos graduandos, alinhavando as características de cada e, ao final, previa qual seria a profissão a ser seguida por cada um que ali estava. E para meu espanto, a todos ele previa como sendo o Serviço Público o destino a ser seguido, com exceção de um, que, segundo ele, seria um “grande advogado aguerrido”.

Tais exemplos servem para demonstrar que até mesmo as pessoas responsáveis pela formação dos acadêmicos em Direito imputam na mente dos estudantes que o melhor caminho a ser trilhado é o do serviço público, e não o da advocacia. Daí vem novamente a pergunta: qual a profissão daquele que se forma em Direito?

E torna-se muito importante se dizer isso pelo fato de que os acadêmicos de Medicina e Odontologia, por exemplo, são sabedores que ao final de seu curso tornar-se-ão médicos e dentistas, o que não ocorre com a maioria dos acadêmicos formandos em Direito, que, por diversas circunstâncias, se indispõe com a Advocacia e acabam não se situando no mercado de trabalho oferecido aos graduados em Direito, pois aspiram o emprego público como a única saída. Isso deve ser encarado como um grande problema, posto que, ao final da graduação a profissão mais próxima é a Advocacia, e não os concorridos cargos públicos, o que pode vir a trazer conseqüências gravíssimas aos jovens que não conseguem entrar no mercado de trabalho por não terem sido talhados para ser advogados na Academia.

Mas será justo um jovem estudar durante cinco anos em uma Academia de Direito com o simples objetivo de, ao final, conseguir um diploma que lhe dará a oportunidade de se submeter a um concurso público? Ora, a resposta deve ser negativa. Devemos repensar o modo que estamos tratando o curso de Direito, pois, senão, em pouco tempo, este será encarado apenas como um requisito para se adquirir uma profissão pública, o que, sem dúvidas, é um absurdo.

Mas o que precisa ser mudado?

Há que se ter um curso de Direito voltado para a formação de Advogados, pois essa é a profissão mais próxima do graduando em Direito, devendo se relegar ao segundo plano os concursos e cargos públicos, pois tal interesse é secundário. Ora, é um absurdo se imaginar que um estudante de um curso superior, depois de longos e difíceis anos de estudo, se veja formado e não possuir uma profissão. Agradava-me mais a nomenclatura “Advocacia” do que “Curso de Direito”, pois naquela, ao menos, os estudantes eram sabedores que ao final sairiam da Faculdade com uma profissão, a de advogados, o que, não acontece hoje, ou será Bacharel em Direito uma profissão?

Vemos, pois, a necessidade primaz de se encarar o acadêmico em Direito como um futuro advogado, pois, como dito, a profissão direita do graduado é a Advocacia, sendo o Serviço Público apenas uma conseqüência ou opção. Lembre-se que a maioria dos servidores públicos que atuam na área do Direito já prestaram seu múnus na Advocacia e, também, da necessidade da experiência profissional para a submissão a alguns concursos públicos, ou seja, será impossível aspirar certos cargos sem antes ter passado pelas raias da Advocacia.

Ademais, há que se dizer que a maioria dos Bacharéis que se formam não conseguem se estabelecer no Serviço Público, pois não são aprovados nos concorridos concursos. E aí, qual será o futuro de tal pessoa que não se preparou para a Advocacia, pois a Academia lhe preparou apenas para o Concurso Público? Não há dúvidas que será um profissional frustrado, se é que conseguirá se estabelecer no mercado de trabalho para o qual cursou cinco anos uma Faculdade.

Assim sendo, a crítica que se faz é ao modo de como se trata os cursos de Direito hoje ministrados em nosso país. Torna-se necessário se fazer uma análise mais rebuscada sobre as diretrizes curriculares dos cursos, os quais devem ser voltados para a formação de profissionais para a área da Advocacia, devendo ser relegada ao segundo plano a preparação de profissionais para o serviço público, a qual deverá ser feita pelos profissionais já graduados que dispuserem a tal preparação, sob pena de se formar, como muitas vezes já citado, profissionais em Direito que serão meros “despachantes”, o que é um absurdo.

Pelo dito, vejo ser necessário uma reformulação nas grades curriculares dos cursos hoje oferecidos em nosso país, bem como no modo de pensar dos professores da graduação.

Primeiramente, penso ser necessário o ensino não só da ciência do Direito. É também necessário o ensino do Direito em si, do que é utilizado pelos aplicadores do Direito no dia-a-dia forense, que, por certo, é bastante diferente daquele aprendido na Academia.

Várias vezes deparamo-nos com profissionais recém-formados indignados com decisões proferidas por magistrados que, em seu entender, afrontam seus conhecimentos e, até mesmo, a norma jurídica, que, no entender daqueles, deve ser aplicada a todos os casos da mesma forma. Acontece que não é isso que ocorre no dia a dia forense, onde os magistrados têm que se utilizar do bom senso a cada momento, para fim de fazer não o que o Direito determina, mais sim, o que a Justiça manda.

Assim, é necessário que o curso de Direito habilite os profissionais para compreenderem que, nem sempre, as respostas para as lides estão contidas na lei. Hodiernamente, parece-me que os mestres se preocupam por demais com a leitura da norma como sendo o mais importante na formação do profissional, deixando ao descaso a aplicação da mesma em casos concretos. Tal fato vicia os profissionais a buscarem a solução da lide sempre na lei, e quando estes vêem sua pretensão negada pelos juízes, acreditam ter sido injustiçados.

Penso ainda que o estudo da Ciência do Direito é o mais importante durante a Graduação, mas não podemos deixar ao relento a Prática Forense, matéria onde realmente se aplica o verdadeiro Direito. Ao meu ver, a cadeira de Prática Forense deveria ter papel de destaque em um curso onde o verdadeiro paradigma é a formação de profissionais para a advocacia, pois a realidade encontrada no labuta forense em muito se distingue do que é ensinado nos bancos da universidade.

Ora, tal fato já acontece na maioria dos cursos. O curso de Medicina, por exemplo, em algumas Universidades de nosso país, tem em seus último três anos praticamente voltados para a prática profissional, onde o acadêmico fica durante todo o dia nos hospitais e clínicas atendendo pacientes com a orientação do professor, existindo, apenas, pouquíssimas aulas teóricas. Também os estudantes de Odontologia e Fisioterapia dedicam-se no último ano de curso quase que totalmente à prática de sua futura profissão, com as aulas práticas ocupando quase toda a carga horária. Ora, se é assim com esses cursos, porque não ser assim com o Direito?

Mediante tal comparativo é que chegamos à absurda conclusão, mencionada logo no começo deste ensaio, de que “o curso de Direito é um programa que também forma advogados”. Ora, está claro que o problema maior encontra-se na desvinculação do curso de Direito com a Advocacia, o que precisa ser revisto de imediato, pois, como já referido várias vezes, a profissão de Advogado é a mais próxima de todos os formandos.

Poderíamos ser chamado de radical pelo posicionamento ora sopesado, com a argumentação de que vários dos acadêmicos que se formam são capazes de grande êxito profissional na Advocacia logo quando deixam a Universidade. Mas para tal argumentação, basta a apresentação da frase que ensejou o ensaio, de que são mínimos os formandos em Direito que realmente tornam-se advogados.

O que se quer debater não é a necessidade de incorporação no mercado de todos os formandos em Direito na Advocacia. O que realmente se busca é que, pelo menos, seja dado ao bacharel a oportunidade de adentrar no mercado de trabalho em condições de ser um advogado e de encontrar condições para exercer seu labor. Chega da premissa de que o “curso de Direito é que possui o maior campo de trabalho, pois várias são as profissões que podem ser exercidas por um bacharel”. Temos que nos convencer que a profissão do formando em Direito é, primeiramente, a Advocacia, daí a necessidade de se ter a prática como matéria de curial importância na formação profissional.

Assim, necessário se faz que o curso de Direito remonte a tempos mais remotos, devendo sofrer uma reformulação em sua grade curricular para que seja oferecida ao acadêmico uma melhor formação profissional quanto à profissão de advogado, principalmente tendo a prática profissional como matéria fundamental e imprescindível para a formação do profissional. Mas prática não como é ministrada hoje, como sendo apenas mais uma cadeira do curso Direito em seus dois últimos anos; deve, sim, ser a matéria principal, que ocupa a maior parte da grade curricular nestes dois últimos anos para que os profissionais recém-formados tenham capacidade de enfrentar o mercado de trabalho como verdadeiros Advogados, formados em um curso que lhe deu essa formação profissional.

Finalizando

Vimos, pois, que a realidade dos cursos de Direito em nosso país não é das melhores quanto à formação profissional de nossos acadêmicos, principalmente no que tange à formação de profissionais competentes e capacitados pela própria faculdade para exercer o múnus da advocacia.

O que se quer com a presente explanação não é condenar o método de ensino utilizado hoje pelas faculdades. Pelo contrário, o que se deseja é polemizar a questão para que se chegue a uma solução capaz de minimizar os problemas encontrados pelos jovens egressos das cadeiras do curso de Direito.

É necessário que nós, profissionais da educação, deixemos de lado a idéia de formarmos profissionais para o serviço público nos bancos de nossas Universidades, para qualificarmos profissionalmente aqueles que escolheram a Advocacia quando ingressaram na Academia.

Cumpre a nós profissionais, pois, a missão de mudar a frase de que “o curso de Direito é um programa que também forma advogados”, para a premissa de que “o curso de Direito é um programa que forma Advogados, que, ao depois, por opção própria e oferecimento de mercado, transformar-se-ão em profissionais em áreas afins que não a Advocacia”. Só assim conseguiremos que os formandos sejam realmente profissionais, e não meros despachantes ou funcionários de menor patente como ocorre em nossos tempos.