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Nilson Naves vê equívocos do governo federal na reforma da Previdência Social

O governo vem cometendo “graves equívocos” na condução da reforma da Previdência Social na Câmara dos Deputados. E, estas incorreções, atingem em cheio a magistratura brasileira. A avaliação é do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Nilson Naves, em discurso por ocasião do XIII Encontro do Fórum Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais, hoje (11), nesta cidade. Um destes equívocos, segundo o ministro Naves, diz respeito ao poder concedido aos governadores para que fixem os subtetos salariais para os juízes estaduais. “No meu entender, proposição temerária, porque, entre nós, como é sabido e ressabido, o Judiciário tem caráter nacional”, afirmou.

O ministro Nilson Naves disse que a proposta de mudança na Previdência “esbarra em garantias constitucionais que o magistrado possui”. Para o presidente do STJ, a questão do subteto “acaba por segregar o Judiciário estadual e o federal, quando o próprio poder não o faz”. O ministro defendeu a aposentadoria integral para os magistrados conforme bandeira empunhada também por associações de classe. Há uma mobilização nacional em curso, segundo destacou, que conta com o apoio pessoal de Naves, coordenado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Associação dos Juízes Federais do Brasil, Associação Nacional dos Procuradores da República, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça Militar Federal.

No dia 16 ocorrerá o “Dia Nacional de Mobilização”. “Senhores, para se construir um Brasil melhor, importa escoimá-lo dos entraves que perpetuam práticas ultrapassadas e prejudiciais. Exemplo digno é a boa semente dos juizados especiais que germinou e deita raízes em todo o território nacional”, disse.

A seguir a íntegra do discurso do presidente do STJ, ministro Nilson Naves:

XIII ENCONTRO DO FÓRUM PERMANENTE DE COORDENADORES DE JUIZADOS ESPECIAIS*

O Superior Tribunal de Justiça honra-se em participar, na pessoa de seu Presidente, do XIII Encontro do Fórum Permanente de Coordenadores dos Juizados Especiais. Este é um bom momento para o Judiciário brasileiro, haja vista a relevância da temática trazida a debate por qualificados e experientes magistrados. Pessoalmente, é uma grata ocasião, porquanto tenho a oportunidade de rever Campo Grande, cidade morena fincada nas terras férteis da Serra de Maracaju É, também, momento auspicioso e significativo para todos quantos se preocupam, como nós, com as questões do Direito, com a organização e o funcionamento do Poder Judiciário; enfim, para quantos querem a democratização do acesso à justiça – democratização que se traduz na possibilidade de, legítima e eficazmente, o cidadão buscar seus direitos, o que demanda a adoção de meios que retirem, ou ao menos minimizem, os obstáculos porventura antepostos à efetiva prestação jurisdicional. É mister, por conseguinte, que nosso Poder se muna de toda a gama de ferramentas disponíveis e as reverta em serviços de qualidade para a sociedade e, ainda, que vá aos grupos excluídos, os quais não podem a elas ter acesso. Exemplo vivo são os juizados especiais.

Não obstante constituírem os juizados considerável dose de esperança para os jurisdicionados – sim, porque é notório o êxito que têm obtido ao longo dos anos, em que pese às preocupações –, não podemos olvidar a cruzada em defesa do Judiciário – a batalha por novas conquistas.

Antes de procedermos à discussão de alguns dos importantes pontos concernentes a tal cruzada, constantes na pauta deste encontro, permitam-me uma sucinta recordação da história dos juizados especiais. Surgiram, informalmente, no Rio Grande do Sul, em 1982, estendendo-se depois ao Paraná. Mesmo sem lei que os acobertasse, a experiência tanto valeu e se firmou que, em 1983, era submetido à consideração presidencial anteprojeto de lei de cuja comissão revisora tive a honra de participar – instrumento que originou a Lei nº 7.244, de 1984, na qual era facultada aos Estados e ao Distrito Federal e Territórios a criação de juizados de pequenas causas.

Em 1988, o que era facultativo tornou-se obrigatório; a nova Constituição, em momentos distintos, dispôs sobre o juizado de pequenas causas e o especial, que se confundiam e se confundem e, inevitavelmente, eram e são a mesma coisa. Entretanto só em 1995 se editou a Lei nº 9.099, instituindo os juizados especiais nos Estados, tanto na área cível quanto na criminal, destinados a causas de reduzido valor econômico e às infrações de menor potencial ofensivo. E o mais importante: traziam em seu bojo a vontade férrea de combater a chaga da morosidade, como se infere dos princípios que os nortearam originalmente – oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

Foi a Emenda nº 22, de 1999, que acrescentou ao art. 98 da Constituição um parágrafo único, estabelecendo que lei disporia sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Num esforço conjunto dos três Poderes, o grande sonho, há muito acalentado pela magistratura, tornou-se realidade, os senhores bem sabem, com a Lei nº 10.259, de 2001, cujo anteprojeto saiu das mãos laboriosas, entre outras, de Ministros do Superior Tribunal.

Hoje, mais de um ano após a instalação dos primeiros juizados federais, é possível avaliar sua profícua atividade e o imensurável benefício proporcionado aos componentes da base da pirâmide social. E posso mencionar, como o fiz em ocasiões diversas, a lúcida afirmação do Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Desembargador Cláudio Baldino Maciel: os juizados são a ousadia que deu certo.

Os números patenteiam tal assertiva. As estatísticas dos Tribunais Regionais Federais dão conta de que, em 2002, nos 237 instalados em todo o Brasil e nas 26 turmas recursais, foram julgados 103.682 feitos e mais de 258.213 tramitam atualmente. Na esfera estadual, serve de exemplo a produtividade do Estado do Mato Grosso do Sul, em cujos juizados, no ano passado, foram distribuídas 38.316 ações e baixadas 33.669.

Tais informações levam a crer que semelhantes nossos, aos milhares, estão tendo seus litígios solucionados, gratuitamente até a fase recursal e com celeridade, bem o inverso do que antes ocorria, quando as causas arrastavam-se por anos a fio, fazendo tardia e ineficaz a justiça.

Como se vê, os juizados vieram para descomplicar e desburocratizar, para desafogar as varas tradicionais, Tribunais de Justiça e os Regionais Federais e, por conseguinte, o Superior. Em suma, vieram para ficar e fazer diferença, colocando a justiça ao alcance do povo, promovendo a cidadania sem exclusão.

Tamanho sucesso é atribuível não só à sua estrutura, eminentemente prática, e à proficiência e determinação de seus gestores; o crédito é também do bom senso dos magistrados, consistente na disposição de bem servir. Na verdade, nenhuma instituição que deseje cumprir sua missão a contento pode ficar indiferente aos clamores da sociedade.

Contudo não podemos olvidar, como já disse, a cruzada em defesa do Judiciário. A racionalização do sistema e o fortalecimento dos juizados é indispensável. Exemplar é a peleja pela aprovação do projeto de criação de 183 varas na Justiça Federal, que aguarda inclusão na pauta de votação no Congresso Nacional. A idéia é destinar metade das novas varas aos juizados especiais. Tudo no afã de minimizar, se não extinguir, o espectro da morosidade, que de perto ainda nos rodeia, e de implementar a construção de uma justiça mais condizente com os anseios dos jurisdicionados.

Ainda em defesa de um Judiciário forte e independente – pois só com tais qualidades pode garantir justiça plena ao corpo social –, é necessário discutir como solucionar a crise da Previdência Social sem enfraquecer as instituições, um dos maiores impasses vividos pelo Poder Público. O assunto se encontra em aceso debate, todavia algumas certezas já emergem. Não é possível que se incorra em graves equívocos quais os cometidos pelo Governo na sugestão para a reforma da Previdência, mormente no que se refere à magistratura. Um deles, há outros, mas, por ora, registro o de deixar a cargo do chefe de outro Poder a tarefa de estabelecer o teto salarial do Judiciário nos Estados, no meu entender, proposição temerária, porque, entre nós, como é sabido e ressabido, o Judiciário tem caráter nacional. Vejam que o texto constitucional fala em “estrutura judiciária nacional”.

O que então se espera é que o legislador reveja as propostas feitas. Parece-me que isso já está ocorrendo, embora de maneira também equivocada. O relator da PEC nº 40/2003 propõe, nesse ponto, a limitação da remuneração dos desembargadores em setenta e cinco por cento do subsídio mensal de ministro do Supremo. Ora, o atual texto, emblematicamente, já fala em noventa e cinco por cento da remuneração “dos Ministros dos Tribunais Superiores”. Exatíssima se me afigura a observação do Colégio Permanente dos Presidentes, a saber, se prevalecer “a monstruosidade”, a magistratura, que é e há sempre de ser nacional, “terá categorias: primeira, segunda e terceira”.

É, no mínimo, temerário – repito – que se pense em reduzir dessa maneira os vencimentos da magistratura num momento em que a carreira tem poucos atrativos para motivar o ingresso de novos juízes. Em contraponto, o que o Judiciário tem a oferecer hoje é o assoberbamento de demandas, muito superior à quantidade de julgadores, e, por vezes, a morte daqueles que, com independência e destemor, estão cumprindo seu ofício. Trata-se de uma injusta punição à classe.

Ao lado disso, a proposta do Governo esbarra em garantias constitucionais que o magistrado possui. A irredutibilidade de vencimentos, a vitaliciedade e a inamovibilidade são essenciais para assegurar ao julgador as condições fundamentais ao desempenho da própria atividade jurisdicional. Tais garantias, mais do que aos juízes, servem à própria sociedade. Sob esse prisma, o chamado subteto, ou algo semelhante, como apresentado na reforma da Previdência, acaba por segregar o Judiciário estadual e o federal, quando o próprio Poder não o faz.

Além do esvaziamento dos quadros mais capacitados das carreiras de Estado, a projetada reforma da Previdência acarreta outros dissabores, principalmente aos juízes do futuro – verdadeiras anomalias que atingem de frente a carreira, desfigurando-a e privando-a dos parcos atrativos com que acena. Sob o prisma da proposta governamental, não mais existiria a vinculação dos vencimentos da ativa aos proventos da inatividade, o que reduziria de modo drástico o padrão de vida dos magistrados, sobretudo se considerarmos o intento de estabelecer para a aposentadoria da magistratura o mesmo teto do regime geral da previdência. A sugestão da Associação dos Magistrados Brasileiros é categórica: deve ser mantida a aposentadoria integral, justificada pelas proibições típicas da carreira, relativas ao exercício de outra atividade remunerada, exceto a de magistério, à participação em partidos políticos e à difícil remoção do juiz de uma comarca para outra. A Associação dos Juízes Federais, por sua vez, afirma que o projeto governamental “ameaça romper com uma prerrogativa da magistratura brasileira consagrada desde a primeira Constituição republicana do País, de 1891, e reiterada pelas que lhe sucederam até 1988: a irredutibilidade dos vencimentos dos juízes”. Ao lado da vitaliciedade do cargo e da inamovibilidade, ela representa conquistas da sociedade que não podem ser confundidas com privilégios. Dar cabo disso seria um inaceitável retrocesso institucional. Mas não estamos sós nessa ingente batalha.

Contra o enfraquecimento da Justiça e em favor da sustentação do Estado democrático de direito, está marcada para o próximo dia 16 a realização do “Dia Nacional de Mobilização”. Coordenam o movimento, que recebe todo o nosso apoio, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, a Associação Nacional dos Procuradores da República, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e a Associação dos Magistrados da Justiça Militar Federal.

Senhores, para se construir um Brasil melhor, importa escoimá-lo dos entraves que perpetuam práticas ultrapassadas e prejudiciais. Exemplo digno é a boa semente dos juizados especiais que germinou e deita raízes em todo o território nacional. Com eles vem socialmente se fazendo a inclusão dos grupos marginalizados. Sua expansão e aprimoramento muito dependem de questionamentos e propostas suscitados em encontros como este.

Isso demonstra a disposição e a capacidade do Judiciário de acompanhar as mudanças sociais, de renovar-se e de aperfeiçoar seus procedimentos sem receio de ousar o inusitado. Nosso propósito é o de implementar o trabalho de construção de uma justiça mais acessível, célere, efetiva e presente, a fim de reparar o dano e evitar a impunidade nos quatro cantos do País. Muito obrigado.