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O olho certeiro da fotografia

Foi de Kant a lapidar definição de dinheiro em sua obra Metafísica dos Costumes, “Doutrina do Direito”, onde in verbis: ” “dinheiro é o meio universal que os homens têm de trocar entre eles seu trabalho, de tal sorte que riqueza nacional, enquanto adquirida pela mediação do dinheiro, é a rigor apenas a soma do trabalho com que os homens se pagam entre si”.

Aliás inúmeros méritos teve Kant que enunciou o princípio da dignidade humana, como uma condição única que pode fazer que algo seja um fim em si e não tem apenas valor relativo, isto é, um preço, mas um valor intrínseco, sito, é um dignidade.

Foi também o mesmo eminente filósofo alemão que sublinhou de maneira marcante a imprescindibilidade da dignidade humana para a ciência.

Seus ancestrais haviam emigrado da Escócia no século XVII e, há grande probabilidade que tivessem algum grau de parentesco com Andrew Cant, notório pregador escocês. Tal nome de família consta que seria originado do verbo inglês to cant que significa “usar de jargão”, traço peculiar e atávico que reapareceria mais tarde com fervor no filósofo.

Mas, afinal o que me levou a sublinha tão peculiarmente tais conceitos tão aparentemente distantes e desconexos. Parodiando a frase popular “dinheiro é a mola do mundo”, poderíamos dizer que por trás de tudo está o dinheiro, o interesse econômico e, por fim, a mesquinha dominação social e política de um povo sobre outro ….

A história do homem, a grosso modo, é infelizmente a história das guerras …

E a guerra no Iraque foi sui generis sob muitos aspectos, a começar pela atrapalhada ingênua-belicista de se confundir equipamento fotográfico com uma bazuca, resultando em mortes e feridos da imprensa sitiada num hotel em Bagdá …

Aliás, de certa forma a fotografia é mesmo arma que escracha para a mídia mundial as aberrações e atrocidades que nenhuma palavra poderia sem pecar, exprimir com tamanha precisão…

A fotografia é mesmo bélica quando nos apresenta desavergonhadamente o embate entre miseráveis e os melhores equipados militares do mundo; quando flagra a distribuição torpe de “candies” e chocolates ao um povo faminto e sedento, ou clica bem em cima de um élan imperialista que encobre a cabeça do ex-ditador iraquiano com a bandeira dos EUA.

E já foi dito que essa guerra é primacialmente, uma guerra de imagens, e vocês perceberam nelas que os porta-vozes do governo Bush, numa perfeita sintonia com a democracia racial, são quase todos negros e muito bem sucedidos …

Que ocasião mais funesta para alardear sucesso étnico, quando na verdade, sabemos das discriminações raciais que não só ainda atingem os negros norte-americanos, como também os latinos, italianos, irlandeses, enfim, os forasteiros em geral que nunca lograram êxito em serem abrigados maternalmente pela pátria ianque.

Enfim, a câmera fotográfica com seu indiscreto zoom representa um poderoso artefato pois, palavras podem mentir, ludibriar, subverter, emocionar ou fantasiar, mas as imagens pungentes calam traumaticamente em nossas retinas e consciências…E custa um pouco mais para esquecer ou tolerar…

A quem se pode efetivamente enganar, quando numa guerra que pretendia ser cirúrgica se atinge civis inocentes, mulheres caídas mutiladas em pontes e, até bebês iraquianos incautos ?

Como se poderá encobrir a animosidade do “fogo amigo” onde todos são indistintamente alvos prestes a serem acertados, como num jogo de vídeo game…

Será que as imagens acusam ? Apontam culpas?

Demonstram o desprezo aos tratados internacionais, à ONU ? A violação à Convenção de Genebra ?

Não … a “foto” traduz magicamente num flash assim como se fosse a sinapse do neurônio, toda a realidade, sintetizada nua e crua, sem maquiagem, sem linguagem porque sua contundência fala por si mesmo…

E mesmo que haja censura, boicote, a verdade das imagens dos fatos virão à tona, mesmo que por um segundo breve e fugaz , virá nos redimir desta insana hipocrisia.

Mas no fundo, tudo é por dinheiro, precisará de dinheiro para reconstruir o país, para indenizar as forças aliadas que foram redentoras e sadicamente irão administrar num governo provisório a única riqueza do Iraque: o petróleo Cest largent, tout pour largent.

Precisamos de um momento dionisíaco como prelecionava Nietzsche onde é curial a necessidade da unidade, de ultrapassar a personalidade, a realidade cotidiana, a sociedade e vencer o abismo do efêmero (…), só mesmo uma fotografia pode exibir com fidelidade tanto a alegria, como a dor a insensatez desta guerra… Onde não há vencedores e, sim, apenas vítimas fatais e vítimas potenciais…

Então os canhões, os tanques podem, miram firmemente contra as câmeras do mundo que por mais encharcadas de sangue que estejam, não deixaram de registrar passo a passo o que simplesmente existe sem palavras e sem perdão …

A propósito, quem poderia me informar de quantas maiorias os EUA são feitos ??

Tendo em vista a sua magnitude hegemônica e absoluta deles, deve haver no mínimo mais de duas maiorias … Uma que quer a guerra e o petróleo iraquiano e, a outra que não quer a guerra e nem a consciência pesada de ser a pátria dos mísseis e da coca-cola.

A fotografia da derrubada da estátua de metal de Sadam em Bagdá ocorrida hoje em 09.04.2003 (bem como toda a filmagem enfocando o fato), bem ilustrou não só a difícil derrocada do ditador, como também, nos leva a refletir que nem tudo é tão simples e prosaico como parece , e que ainda, resta muito a construir, sob pena de somente ressuscitar mais uma vez o ódio xenófobo dos iraquianos contra os norte-americanos, o que poderá inaugurar novamente o pesadelo dos ataques terroristas.

A fotografia é mesmo poderosa , e justifica plenamente as palavras de August Hecscher “A eterna vigilância é a condição não apenas da liberdade mas também de tudo que os homens civilizados prezam”. Ou sinteticamente como aludiu Wendell Philips ” O preço da liberdade é a eterna vigilância”

Apenas uma fotografia permite que vários olhos mirem na mesma direção e, vejam juntos ou não, a mesma realidade, ainda que estejam distantes ou inatingíveis e, se enxerguem a si mesmos, num lampejo de vigilância ou de crítica.