Press "Enter" to skip to content

O estatuto da criança e do adolescente e seus 10 anos de existência

Como sabemos, nossa Carta Magna representou o início do chamado Estado Social e Democrático de Direito no Brasil e valores foram relevados, fundamentalmente o respeito à dignidade e aos direitos fundamentais da pessoa humana. Restou patente como dever do Estado e como dever da sociedade civil a garantia e observância desses direitos.

Destarte, seguindo as idéias democráticas expressas no texto constitucional, apresentou-se urgente a necessidade de ampliação, do aprofundamento e da garantia dos direitos dos cidadãos. E surge, então, o debate sobre a inclusão da criança e do adolescente como sujeitos de direitos. Assim, como resultado de longa luta e pressão dos movimentos de defesa dos direitos da criança e do adolescente, em 13 de julho de 1990 foi promulgada a Lei Complementar à Constituição Federal nº 8.069/90, mais conhecida como “Estatuto da Criança e do Adolescente”, que estabelece, dentre outras coisas, o dever da família, da sociedade e do Estado na garantia da qualidade de vida à infância e à adolescência. Mais do que isso, a nova legislação incorporou a chamada “Doutrina da Proteção Integral”, colocando jovens e crianças como prioridade absoluta dentro de um novo modelo de estrutura e gerenciamento das políticas públicas a eles destinadas.Pois bem. Por óbvio que muito se progrediu desde então, mas se fizermos um balanço concreto dos tão mencionados dez anos de engajamento em favor da infância e adolescência no Brasil, restará claro que há ainda muito o que se fazer para que a criança e o adolescente sejam garantidos no centro do debate público.

Questiona-se : mas, por onde começar ?

Recente estudo realizado por economistas da Universidade Federal de Minas Gerais e Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, apontou que os adolescentes foram as maiores vítimas das crises econômicas por que passamos nos últimos tempos. Constatou-se, então, como já era esperado, que a queda do salário real e a piora na distribuição de renda acabam por conduzir o adolescente para o crime. Mais ainda, o pertinente estudo demonstrou que, tendo feito a opção pelo crime, os adolescentes quase nunca retornam à vida de estudo e trabalho honesto, mesmo quando a economia se recupera e volta a atingir níveis satisfatórios. O abandono da escola, como conclusão do referido estudo, também, reduziu de forma avassaladora e imediata as expectativas de ganhos futuros com trabalho honesto.

Por outro lado, relatório organizado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas) concluiu que o Brasil ignora a maior parte dos princípios estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, não atingindo sequer 14 milhões de crianças e jovens até 18 anos, ou seja, 23,3% do total existente nessa faixa etária.Em suma, para não citar outras constatações envoltas em semelhante pessimismo, vale também indagar : será que temos razões suficientes para a comemoração da primeira década de existência da legislação menorista ?

Se atentarmos para os preocupantes dados acima mencionados, por certo que as perspectivas se nos apresentarão desanimadoras. Todavia, até mesmo por uma questão de princípios, e de “berço”, preferimos enxergar a outra face da moeda, efetivamente otimista, aquela que, bem diferente do que sem qualquer embasamento preconizou o Presidente da República em matéria veiculada no jornal “Folha de São Paulo” de 9.7.2000, não atribui o estágio de implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente “à dimensão dos problemas, que vêm de séculos de desatenção e injustiça”. E essa outra face da moeda, na verdade, mostra pessoas que deixam de ficar procurando e apontando explicações, mas que, na acepção da palavra, “colocam a mão na massa”, tentando solucionar os problemas, ainda que a dimensão seja gritante e que existam há tempos, como quis, infelizmente, frisar o Chefe do Executivo. Falar é muito fácil; difícil é agir.

Assim, como toda e qualquer legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente nada mais é do que um aparato de normas que, digamos, funciona muito bem na teoria, mas que precisa, fundamentalmente, “sair do papel” e ir para a prática imediatamente. Dentre outras sugestões, programas de assistência à criança e ao adolescente, com base no que a lei dispõe, precisam ser criados e, por óbvio, devem ser implantados por órgãos governamentais, ONGs, cidadãos comuns, etc., a fim de que um novo rumo, um novo norte seja conferido aos menores em geral. A cidade de Santos (SP), aliás, buscando inspiração nas idéias centrais que a lei aponta, e em razão dos programas que criou para atendimento ao menor, foi considerada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como modelo de aplicação do Estatuto, tendo adotado medidas simples, mas que vêm proporcionando resultados extremamente favoráveis na recuperação dos chamados “meninos de rua”, dos menores consumidores de drogas, das adolescentes prostituídas, enfim, na recuperação e na orientação daqueles que precisam de apoio e que ainda podem e devem vislumbrar um mundo melhor. Este tipo de trabalho, porém, e achamos que aqui reside o ponto principal, teve não só o amparo de administrações diferentes, o que demonstra que pouco importa a sigla partidária quando a proposta é boa e funciona, mas, também, o respaldo de toda uma comunidade que, melhor compreendendo a idéia que o Estatuto espelha, interessou-se pela situação em si e debruçou-se na causa, refletindo, para que se tenha uma idéia, no número expressivo de quase 27 mil votantes para a eleição de 15 representantes dos 3 Conselhos Tutelares existentes na cidade.

Tal fato indica, dentre outras coisas, a conscientização da comunidade acerca do papel desempenhado pelos Conselhos Tutelares, órgãos permanentes e autônomos encarregados pela sociedade do zelo pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

A verdade, portanto, é que projetos, ainda que isolados e desprovidos de qualquer sofisticação, mas imbuídos do espírito de auxílio e de verdadeiro humanismo, vêm conseguindo, ao longo destes 10 (dez) anos de existência do Estatuto, contribuir para a redução dos problemas que afligem nossos menores, senão extirpando-os definitivamente, ao menos impedindo que se desenvolvam e tomem proporções mais drásticas daquelas que hoje já enfrentamos.

Faz-se urgente, então, que a prioridade seja o estabelecimento de políticas públicas com orçamento destinado à criança e ao adolescente e que os direitos mencionados no Estatuto sejam, definitivamente, colocados em prática. Mais ainda, é necessário que se garanta escola pública para todas as crianças, que se combata a violência contra os menores e que se deixe de explorar a mão-de-obra infantil. Tudo isso, porém, somente será alcançado se cada um de nós desempenhar o seu respectivo papel, independentemente das dificuldades que se nos apresentarão. E desempenhar o papel significa, acima de tudo, deixar a retórica de lado e, de forma concreta, “colocar a mão na massa”, pois como bem frisou Juarez de Oliveira, ao discorrer sobre a obra “Estatuto da Criança e do Adolescente comentado”, de autoria do insigne magistrado Paulo Lúcio Nogueira, “o menor é nosso; seu problema é nosso, como o dever de sua melhor construção também é nosso”.