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Pena x Medida de Segurança – Qual é a justa sentença ao Psicopata em face da realidade brasileira?

Diferentemente do que se imaginava, o psicopata deixou de fazer parte apenas dos filmes norte americanos ou das reportagens internacionais. Na verdade, não porque o Brasil não tenha os seus monstros assassinos, mas porque em um mundo cada vez mais globalizado e mais informatizado, as notícias são, como nunca visto, em tempo real.

E este mesmo mundo vigiado pela imprensa, seja nas ondas televisivas ou virtuais, está revelando que nenhuma nação ou mesmo nenhum estado, por mais desenvolvido ou o seu inverso, está livre de ter em seu meio e de ter que julgar um psicopata ou até mesmo um assassino serial.

Infelizmente revela também, que o que era apenas para o cumprimento do papel da informação, gerou em muitos casos, um fascínio torto. A imprensa sensacionalista trouxe às manchetes casos bárbaros com um toque de heroísmo, aguçando as mentes deturpadas, Foi assim com Andrei Chikatilo, o “Hanibal Lecter” soviético que inspirou o filme “Cidadão X” e o mesmo com Jeffrey Dahmer que inspirou o Lecter do filme “O silêncio dos Inocentes”, entre outros assassinos que se tornaram célebres.

Bom seria se as inspirações fossem apenas ocasionadas no mundo cinematográfico. Mas a realidade é outra. No Brasil, com as notícias dos crimes em série de um maníaco que atacava em um parque e que, quando descoberto, o sucesso que o autor Francisco de Assis Pereira obteve, mesmo que o resultado tenha sido o encarceramento, inspirou a mente sombria de um gaúcho de então 29 anos, fazendo-o buscar superar seu ídolo em número de mortes.(2)

Mesmo com a imprecisa alcunha de “maníaco do parque”, um desconhecido moto-boy conseguiu espaço em horário nobre e destaque especial em programas televisivos. Teve programa conquistando ibope extraordinário porque todos queriam ver sua entrevista (3) ou vê-lo pedir perdão ao pai de sua primeira vítima(4).

O psicopata, dada a natureza e a razão pelo qual seus crimes são realizados, desperta medo, curiosidade, fascínio e preocupação. Preocupação não só da área médica e psiquiátrica que busca desvendar a causa e o tratamento, mas também no âmbito jurídico, onde a pergunta é: como julgar, punir e privar a sociedade dessa ameaça? E principalmente, qual é a justa sentença em face da realidade brasileira? Seria a pena, a qual em conseqüência da semi-imputabilidade seria reduzida, ou seria a substituição desta pena por medida de segurança?

Estamos passando por um estudo sobre os códigos que regem nossa sociedade. Em breve teremos novos códigos na área penal e outra oportunidade melhor não teremos para rever questões ainda não abordadas ou pelo menos, não de forma satisfatoriamente. E é preciso vislumbrar todas as matérias e recorrer às outras ciências para alcançar de forma objetiva resultados justos.

Além das reformas nos Códigos, temos também leis que de forma gradativa, mudarão o sistema, como é a exemplo a Lei 10.216 de 6 de abril último, pois esta tende a extinguir progressivamente os manicômios e, não podemos ignorar que isto deve sim refletir também nos insuficientes Hospitais de Custódia e Tratamento, como adiante será abordado.

Já dizia Dupin Ainé, jurisconsulto e magistrado francês que não há matéria ou ciência que o jurista possa ignorar.(5) De fato constatamos que na abrangência que regula o direito, é humanamente impossível deixar de lado outras ciências. Neste estudo é imprescindível invocar a psicologia e a psiquiatria para que, com o auxílio de estudos desenvolvidos por especialistas, possamos compreender a mente e o comportamento humano e regular eficientemente as condutas.

Destarte, faz-se necessário buscar a psiquiatria, para desvendar não só as características desse indivíduo, mas também estudar sobre as possibilidades de tratamento e conseqüente cura, afinal a medida de segurança tem por escopo oferecer tratamento. E assim, o presente artigo abre espaço as considerações pertinentes à psiquiatria, onde serão reveladas características do desvio comportamental em foco, como também possível tratamento e cura.

– No âmbito da Psiquiatria

Primeiramente cumpre registrar que a denominação “psicopata” não é a mais correta, inclusive atualmente a mesma está sendo substituída por outras denominações como: Sociopatia(6), distúrbio da personalidade antissocial (DPA)(7), Transtorno Dissocial, Condutopatia, Transtorno Sociopático, entre outros, que mais apropriados ou não, ao final, referem-se ao mesmo desvio comportamental.

Quanto as características do indivíduo, Dr. Renato M. SABBATINI, o define como indivíduos “caracterizados pelo desprezo pelas obrigações sociais e por uma falta de consideração com os sentimentos dos outros. Eles exibem egocentrismo patológico, emoções superficiais, falta de auto-percepção, pobre controle da impulsividade (incluindo baixa tolerância para frustração e limiar baixo para descarga de agressão), irresponsabilidade, falta de empatia com outros seres humanos e ausência de remorso, ansiedade e sentimento de culpa em relação ao seu comportamento anti-social”.(8)

A CID -10 ( classificação internacional de doenças elaborada pela Organização Mundial de Saúde), conceitua os “transtornos específicos de personalidades ” da seguinte forma: “perturbação grave da constituição caracteriológica e das tendências comportamentais do indivíduo, usualmente envolvendo várias áreas da personalidade e quase sempre associada a considerável ruptura pessoal e social. O transtorno tende a aparecer no final da infância ou na adolescência e continua a se manifestar pela idade adulta”.(9)

Conforme Dr. Guido Arturo PALOMBA, os psicopatas, ou como ele prefere – os sociopatas, apresentam distúrbios de origem epiléptica, e explica “é um tipo de epilepsia que perverte a vontade, verdadeira loucura dos atos. Os crimes praticados pelos condutopatas são, via de regra, impulsos irresistíveis…” . (10)

Os psicopatas são pois, indivíduos que embora não são entendidos como doentes mentais, são desprovidos do senso de certo e errado comum as demais pessoas, e que, embora tenham conhecimento deste senso pelos demais, não agem da mesma forma, por alimentar-se dos seus próprios atos, os quais são regidos por seus instintos sádicos. São dissimuladores e com habilidades tais que podem conduzir uma entrevista, uma vez que são notavelmente inteligentes, principalmente se considerar seus conhecimentos culturais e sua eloqüência.

Concernente a classificação, é importante registrar que duas são as mais citadas. A CID 10 elenca seis tipos, e Kurt Schneider (11) citou dez. O objeto deste artigo, refere-se quando da primeira classificação, ao indivíduo denominado como “antissocial” e na segunda, ao denominado “atímico”, pois, embora a nominação diferenciada, ambos tratam-se de indivíduos tendentes à assassinato, latrocínio e terrorismo.

Ressalta-se que não se trata de caso patológico. Tem-se aqui um caso de desvio comportamental, que como bem afirma Frederico Abrahão de OLIVEIRA, “seria uma anormalidade permanente (grifo nosso)do caráter e não uma enfermidade nem um defeito intelectual.”(12)

Destaca-se que a cura não é conhecida, embora é claro que não se pode afirmar que não exista. O fato é que ainda não foi descoberta; mas a ciência está aí para novos avanços. Por enquanto o que se tem é um estado permanente. Muitos sugerem que, se descoberto a causa conseguirão a cura, mas todas as teses as quais foram levantadas como sendo absoluta quanto a origem, foram rebatidas. Hoje os estudos buscam resultados analisando fatores sob a tríplice “bio-psiquico-social”.

Tendo realizado esta pequena análise no âmbito da psiquiatria, adentraremos agora a um breve estudo da forma como o direito penal e processual penal tem tratado a questão.

– O Psicopata na Legislação Penal Brasileira

No Código Penal brasileiro, bem como no Código Processual, ou ainda, na lei de Execuções Penais, não há previsão expressa quanto ao elemento psicopático.

Quanto ao Código Penal, entende-se que o psicopata está submisso ao parágrafo único do artigo 26 e ao artigo 98; este último, em razão de que faz menção específica a hipótese do primeiro.

O artigo 26 do código Penal Brasileiro, estabelece que: “é isento de pena, o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

E de acordo com o parágrafo único do artigo 26: ” A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

A abrangência desse parágrafo é tão ampla que vários indivíduos, com problemas patológicos ou não, são alcançados. Para se ter uma idéia, três são as classes mencionadas, a saber: a dos indivíduos com perturbação de saúde mental , dos indivíduos com desenvolvimento mental incompleto e por último, a classe dos que apresentam retardo mental.

Quanto a primeira classe, brilhantemente explica MIRABETE, que estão abrangidos, não só os psicopatas, “mas também os portadores de neuroses profundas, sádicos, masoquistas, narcisistas, pervertidos sexuais além dos que sofrem de alguma fobia (agorafobia = pavor de espaços abertos, claustrofobia = pavor de espaços fechados), as mulheres com distúrbios mórbidos que por vezes a gravidez provoca, etc.” (13)

Na segunda classe pode ser exemplo, o silvícola que não adaptou-se à vida no meio socializado, dependendo do seu entendimento; e na última classe, os indivíduos com essas características são os oligofrênicos, entre outros.

Outro detalhe não menos importante, é a questão muito discutida inclusive, que é o entendimento de ser ou não facultativa a redução da pena, já que a redação traz gizado”pode ser”. A princípio entende-se que seria uma faculdade, afinal se entenderia claramente o contrário, se estivesse grafado “deve ser reduzida…”

Acontece que, embora o STF já ter prolatado decisões nas quais tem o entendimento de que tal redução é uma faculdade dos aplicadores , doutrinadores, como é a exemplo Celso DELMANTO (14) e também o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, entendem que a redução é obrigatória, pois uma vez que o agente é entendido como semi-responsável, deve o aplicador amenizar a pena, pois trata-se de culpabilidade menorizada.

O que se constata então, é que um único parágrafo, além de conflitar no entendimento, regula tantas anomalias e entre elas, situações patológicas para as quais a ciência prevê tratamento e casos em que o tratamento não é eficaz porque a cura é desconhecida.

E dando seqüência a questão do tratamento e adentrando a segunda previsão do Código Penal, vale transcrever o artigo 98: ” Na hipótese do parágrafo único do artigo 26 deste código e necessitando o condenado de tratamento curativo (grifo nosso) a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de uma a três anos, nos termos do artigo anterior e respectivo §§ 1º e 4º .”

Não há o que delongar, se analisar pelo espírito da norma e considerar então que a substituição pela internação ou tratamento ambulatorial, só se justificaria se, além de tratar-se da hipóteses do parágrafo aludido, o condenado necessitasse de tratamento curativo. Sobejamente foi citado que quanto ao psicopata, trata-se de uma “anormalidade permanente de caráter”.

O Código Processual Penal igualmente, não faz referências claras à psicopatia. No primeiro capítulo do Código, em título que trata “Das Questões e Processos Incidentes”, os seis artigos do capítulo VIII regem questões quanto a insanidade mental do acusado.

Importante é também analisar que um indivíduo pode ser condenado a um determinado período em regime fechado e, em cumprimento desta pena, vem a cometer vários outros homicídios e, em exame criminológico constata-se que se trata de um psicopata.

O que acontecerá é que o réu terá sua pena de reclusão substituída por medida de segurança em qualquer outro julgamento será o mesmo considerado semi-imputável. A substituição pela medida de segurança acontecerá como se o caso, trata-se de doença superveniente, o que na realidade não o é.

Com o advento da LEP, doutrinariamente, aboliu-se o sistema do duplo binário, pelo qual aplicava-se pena concomitantemente à medida de segurança, substituindo-o pelo sistema vicariante, em que se aplica a pena, podendo ser ela substituída pela medida de internação ou tratamento ambulatorial.

Outra substituição, foi a denominação “manicômios judiciários”, que passaram a ser chamados de Hospitais de Custódia e Tratamento -HCT. Salienta-se que embora, a doutrina mostre distinção entre os dois sistemas(15), a Lei de execução penal, dando seqüência a forma sempre generalizada da legislação, estabeleceu em seu artigo 99: ” O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no artigo 26 e parágrafo único do Código Penal. ”

Quanto a previsão dos criminosos seriais na atual legislação, acaba sendo até mais grave. Como bem disse o Dr. Haroldo Luz, Juiz do Tribunal de Alçada de São Paulo à revista Isto É , ” a lei brasileira, acaba beneficiando quem pratica homicídios e estupros em série. Esses criminosos, explica o juiz, enquadram-se na figura jurídica do crime continuado, que abranda as penas para um mesmo crime várias vezes cometidos.” (16)

Uma vez tendo adentrado a esse outro grande problema que são os Hospitais de Custódia e Tratamento – HCT, chama-se a atenção para o fato de que, além de não ser este o local mais adequado para um criminosos desse potencial ( pois ele coloca em risco os que são verdadeiramente doentes e precisam de tratamento bem como a classe médica), são poucos os estabelecimentos existentes e os quais enfrentam problemas principalmente com a superpopulação.

Em uma pesquisa realizada junto ao DEPEN (17) , constatou-se que existem atualmente no Brasil, vinte e sete desses estabelecimentos os quais encontram-se distribuídos em dezessete estados. Dez estados brasileiros, dentro eles, Acre, Rondônia, Mato Grosso e o próprio Distrito Federal, não possuem nem o Manicômio Judiciário, que é para onde deveriam ser encaminhados os inimputáveis. Em Rondônia, muitos criminosos doentes mentais, cumprem pena na enfermaria do presídio Ênio Pinheiro na Capital do estado.(18)

Outro dado alarmante, é que os HCTs, além de não oferecerem a segurança necessária (afastando ainda mais a internação de psicopatas), é a superpopulação existente. O estado de São Paulo, que possui duas unidades apenas, tem no Hospital de Custódia e Tratamento Prof. André Teixeira Lima ( ou “Franco da Rocha” como é mais conhecido), 588 presos quando só poderia receber, no máximo 415. O Complexo Médico Penal do Paraná, localizado na cidade de Pinhais, tem 359 presos em 280 vagas; Em Porto Alegre, o Instituto Psiquiátrico Forense, suporta para as suas 441 vagas, 608 presos sabe-se se lá como. E não para por aí, os registros mostram também um excesso em Salvador-BA onde 449 estão em 280 vagas, entre outros casos.

E a pergunta que resta é: se a ciência que estuda os psicopatas o entende como irrecuperáveis, e se não há qualquer condição de tratamento, e ainda o que é pior, não há meios que garantam a segurança nos HCTs, por que a medida de segurança ainda não foi abolida para os criminosos atestados como sociopatas?

Tratando-se de um criminoso de tamanha periculosidade e na hediondez de seus crimes, por que ainda não temos uma regulamentação específica a eles, dispondo inclusive sobre as particularidades dos laudos e da equipe que irá elaborá-los?

Podemos estar longe de descobrirmos a cura, mas o que resta inconteste é que a esses criminosos, a medida de segurança não é a mais justa, pois além de ineficazes, colocam em risco os internos e por conseguinte, toda a sociedade, já que há a possibilidade muito mais grande de que fugas ocorram.

2 – Roberto PAIXÃO, Ronaldo FRANÇA. ” Eu sou o Moto-Boy do Sul in Revista VEJA, n. 19, edição 1597, Editora Abril, 19 de maio de 1999, p 50;3 – Programa “O Fantástico” em 22 de novembro de 1998;4 – “Domingo Legal”, exibido pelo SBT em maio de 2001;5 – DupinAiné apud Mário Antônio Lobato de PAIVA. A importância do Advogado na Justiça do Trabalho. in www.advogado.adv.br/ artigos/2001/mlobatopaiva/importanciadoadvogado.htm;6 – Como é nominado pela Classificação Internacional de Doenças – CID 10;7 – Termo utilizado pelo DSM IV ( manual de diagnóstico usado por psicólogos e psiquiatras);8 – Renato M. E. SABBATINI, PhD. “O Cérebro do Psicopata”. in www.epud.org.br/cm/n07/doenças/index_p.html;9 – 17 – CID 10 apud Odon Ramos MARANHÃO. Curso Básico de Medicina Legal. 8. ed. 5. Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2000;10 – Guido Arturo PALOMBA. Loucura e Crime . São Paulo: Fiúza Editores, 1996, p.141;11 – SCHNEIDER apud Jason ALBERGARIA. Criminologia. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE Ed., 1988, p. 108;12 – Frederico de Abrahão de OLIVEIRA. Manual de Criminologia. 2. Ed. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1996, p. 65;13 – Júlio Fabbrini MIRABETE. Manual de Direito Penal. Vol. 1 . São Paulo: Editora Atlas, 1994;14 – Celso DELMANTO. Roberto DELMANTO. Roberto DELMANTO Júnior. Código Penal Comentado. 4. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998;15 – Magalhães E. NORONHA. Direito Penal. Vol. 1. 29. Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1992;16 – Revista ISTO É, N. 1169, Editora Três, 26 de fevereiro de 1992;17 – Informações prestadas pelo Sistema de Informações Penitenciárias do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional , o qual integra a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério respectivo; relatório transmitido via email: acs@mj.gov.br;18 – pesquisa realizada in loco em março do corrente ano.