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OAB ingressa com Adin contra MP da “transcendência jurídica”

O Conselho Federal da OAB ingressou no Supremo Tribuna Federal (STF) com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), com pedido de liminar, contra a Medida Provisória nº 2226 (de 4/09/2001), que condiciona o julgamento de ações trabalhistas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) aos reflexos que elas possam ter na economia, na política e nos campos social e jurídico. A nova figura criada pela MP, nesse caso, é a da “transcendência jurídica”, que segundo o Conselho fere frontalmente dispositivos constitucionais, além de esvaziar o papel do TST na solução de conflitos trabalhistas.

A decisão de propor a Adin ao STF faz parte da estratégia adotada pela OAB diante da enxurrada de medidas provisórias editadas pelo Executivo na semana passada, às vésperas da promulgação da emenda constituição que limita o seu uso. Até o dia 5 de setembro, mais de 70 novas MPs haviam sido publicadas no Diário Oficial, levando a OAB a formar uma equipe de trabalho para examinar a constitucionalidade de cada uma delas. Segundo o presidente nacional da entidade, Rubens Approbato Machado, se for necessário a OAB questionará todas elas no Judiciário.

Conheça os temos da Adin, na íntegra:

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público dotado de personalidade jurídica, regulamentado pela Lei 8906, com sede no Edifício da Ordem dos Advogados, Setor de Autarquias Sul, Quadra 05, desta Capital, vem, nos termos do artigo 103, VII, da Constituição Federal, por meio de seu Presidente (doc. 01), ajuizar

Ação Direta de Inconstitucionalidade,com pedido de liminar,

contra a íntegra da Medida Provisória 2226, de 4 de setembro de 2001 (doc. 02), cuja redação é a seguinte:

“Art. 1o A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte dispositivo:

‘Art. 896-A. O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.’ (NR)

Art. 2o O Tribunal Superior do Trabalho regulamentará, em seu regimento interno, o processamento da transcendência do recurso de revista, assegurada a apreciação da transcendência em sessão pública, com direito a sustentação oral e fundamentação da decisão.

Art. 3o O art. 6o da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo, renumerando-se o atual parágrafo único para § 1o:

‘§ 2o O acordo ou a transação celebrada diretamente pela parte ou por intermédio de procurador para extinguir ou encerrar processo judicial, inclusive nos casos de extensão administrativa de pagamentos postulados em juízo, implicará sempre a responsabilidade de cada uma das partes pelo pagamento dos honorários de seus respectivos advogados, mesmo que tenham sido objeto de condenação transitada em julgado.’ (NR)

Art. 4o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.”

A Medida Provisória, como se pode constatar de seu teor, a) cria incidente relativo ao recurso de revista e b) se propõe a acabar com o pagamento de honorários de advogado por parte do Poder Público em ações em que ele tenha sido vencido, ainda que a condenação em honorários tenha transitado em julgado.

As inconstitucionalidades

A Medida Provisória, ora fustigada, ofende o artigo 62; o artigo 246; o artigo 22, I; o artigo 24, IX; o § 3º do artigo 111; o artigo 1º; o artigo 37, caput; o artigo 5º, caput, com seus incisos II, XXXVI e LV, todos da Constituição Federal.

Detêm a seguinte redação os preceitos constitucionais violados:

“Art. 62. “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.”…

“Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995….

“Art. 22 Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, processual, eleitoral, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”

“Art. 24 Compete privativamente à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XI – procedimentos em matéria processual”…

“Art. 111…

§ 3º A lei disporá sobre a competência do Tribunal Superior do Trabalho.” …

“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito…”…

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes e domiciliados no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:…

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei…

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada…

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também, ao seguinte”

Ofensa ao artigo 62

A Medida Provisória impugnada, todos os seus artigos, é inconstitucional por ofensa ao artigo 62 da Constituição. Medida provisória só poder ser expedida em casos de relevância e urgência. Para haver relevância, necessário é que a matéria a ser objeto da deliberação governamental seja tal “que açambarque um interesse público fundamental, superior, inconfundível, inigualável, cuja regulação mereça prioridade”. Já a urgência “é aquela que não pode esperar, que demanda solução imediata, sob pena de não acudir ou socorrer a situação de fato posta” (Da medida provisória, Livraria Del Rey Editora, 1994, pág. 142, Carlos Ramos).

A competência do Tribunal Superior do Trabalho resta prevista na legislação pátria há anos. Desnecessária era, pois, sua alteração pelo ato provisório. Não havia, evidentemente, urgência, situação que não pudesse esperar, até porque a matéria estava no Congresso Nacional, na sede legislativa própria, para apreciação (doc. 03). Por violência ao artigo 62, são inconstitucionais os artigos 1º e 2º da Medida Provisória 2226.

Não há relevância, por outro lado, na edição de preceito que tenha por escopo afastar o pagamento de honorários advocatícios, quando houver acordo ou transação pelas partes, tal e qual estabelece o artigo 3º do ato provisório. Honorários de advogado, se bem que importantes para o exercício da profissão, não se constituem em matéria que “açambarque um interesse público fundamental, superior, inconfundível, inigualável, cuja regulação mereça prioridade”, que mereça o afastamento da sede legislativa própria, do Congresso Nacional. Por violência ao artigo 62, é inconstitucional o artigo 3º da Medida Provisória 2226.

Por fim, quanto a esse ponto, assinala-se, as prescrições do ato provisório, todas elas (artigos 1º, 2º e 3º), tratam de matéria processual, tema que medidas provisórias não podem regrar, posto que a efemeridade de seus comandos é incompatível com a segurança que as ordens judiciais devem gozar, mormente quando revestidas da autoridade da coisa julgada.

Ofensa ao artigo 246

Os artigos 1º e 2º da Medida Provisória impugnada são inconstitucionais por ofensa ao artigo 246 da Constituição. Medida provisória, determina o referido artigo, não pode ser editada para regulamentar artigo, cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada após 1995.

Pois bem. Os artigos 1º e 2º do ato provisório regulam competência do Tribunal Superior do Trabalho. A competência do Tribunal Superior do Trabalho, dentre ela a competência para apreciar recursos de revista, encontra-se tratada no artigo 111 da Constituição. Seu § 3º estabelece: “A lei disporá sobre a competência do Tribunal Superior do Trabalho”. Não resta dúvida, portanto, que a Medida Provisória está a regulamentar o § 3º do artigo 111 da Lei Fundamental pátria.

Ocorre, porém, que o artigo 111 teve sua redação completamente alterada pela Emenda Constitucional nº 24, de 09 de dezembro de 1999. Incisos do artigo foram revogados, seu § 1º ganhou nova redação. Como porém o artigo 246 da Constituição prescreve que artigo (e não preceito, inciso ou parágrafo) cuja redação tenha sido alterada por emenda promulgada após 1995 não pode ser regulamentado por meio de ato provisório, resta patente sua ofensa (ao artigo 246) pelos artigos 1º e 2º da Medida Provisória 2226, ao ser regulado o § 3º do artigo 111 pelo ato fustigado.

Ofensa ao § 3º do artigo 111, ao artigo 22, I, e ao artigo 24, IX

O artigo 2º da Medida Provisória 2226 viola o § 3º do artigo 111 da Constituição. Com efeito, prescrevendo que o Tribunal Superior do Trabalho “regulamentará, em seu regimento interno, o processamento da transcendência do recurso de revista” introduzida pelo artigo 1º, está a delegar a ato normativo sem estatura legal (o Regimento do TST) a competência da superior Corte trabalhista. Está a afrontar desse modo o § 3º do artigo 111, que estabelece caber à lei, e apenas a ela, dispor sobre a competência do TST.

Processamento de incidente relativo a recurso de revista, por outro lado, é, indiscutivelmente, matéria de direito processual. Trata-se de regramento do modo pelo qual a lide posta em juízo será solvida. Em sendo assim, resta patente que apenas por lei poderia ser regulado o tal processamento da transcendência, ante o que estabelecem os artigos 22, I, e 24, IX, da Constituição Federal.

Em Estado que se pretenda democrático, leis devem regular sua conduta. Competência de Tribunais deve ser estabelecida por normas legais. A Medida Provisória impugnada, entretanto, ao introduzir o novel conceito da “transcendência”, delegando porém sua regulamentação inteiramente para o regimento do Tribunal Superior do Trabalho, ofendeu postulado básico do Estado democrático, violou, expressamente, os artigos 22, I, e 24, IX, bem como o § 3º do artigo 111, todos da Constituição.

Declarada a inconstitucionalidade do artigo 2º, há de se declarar a inconstitucionalidade do artigo 1º do ato atacado. Isso porque são de tal forma indissociáveis, interdependentes, que um não pode sobreviver no ordenamento jurídico sem o outro. A propósito, nas palavras de Cooley, reproduzidas por Lúcio Bittencourt, O Controle Jurisdicional das Lei, 1ª ed., pág. 126 (cf. RTJ, vol. 69, p. 643):

“Quando, portanto, uma parte da lei é inconstitucional, esse fato não autoriza os tribunais a declarar ineficaz a parte restante – that fact does not authorize the courts the remainder void also – a menos que todas as prescrições sejam conexas, dependentes uma da outra, atuando para o mesmo fim, ou de tal modo associadas no sentido, que se deve legitimamente presumir que o legislador não adotaria uma desacompanhada de outra – the legislature would not have passed one without other”.

Ofensa ao artigo 1º; ao artigo 5º, caput, com seu II e ao artigo 37

Os artigos 1º e 2º da Medida Provisória 2226 ofenderam o artigo 1º; o artigo 5º, caput, com seu II e o artigo 37 da Constituição Federal.

O artigo 1º da MP ao prever que o Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência não estabeleceu, nem ao menos indicou, para que será feita tal apreciação.

De fato. Várias podem ser as razões em tese possíveis para que o TST examine a tal transcendência. Pode, reconhecendo-a, entender por bem editar súmula, bastando um único julgamento para tanto. Pode, reconhecendo-a, entender por bem que a matéria deve ser apreciada por seu Pleno, e não por suas Turmas, como normalmente acontece. Pode, reconhecendo-a, entender por bem conhecer do recurso de revista ainda que não cumpra os requisitos normais de admissibilidade. Várias são as condutas possíveis à Corte tomar. Pode até, quem sabe, não a reconhecendo, deixar de conhecer de recurso de revista adequadamente deduzido.

A redação do artigo 1º, é certo, não disse qual é a conseqüência da apreciação da transcendência, qual o efeito de se reconhecê-la ou não. E a delegação indevida, inconstitucional que se pretendeu fazer da regulamentação do instituto pelo TST, no artigo 2º, será incapaz de solver a deficiência legal, uma vez que se restringiu a delegação apenas ao “processamento” da transcendência, ao seu rito, não às conseqüências de seu reconhecimento.

Os artigos 1º e 2º da Medida Provisória 2226, portanto, carecem de densidade normativa suficiente (que serão, ademais, os critérios para reconhecimento da transcendência enigmaticamente chamados ‘reflexos gerais de natureza econômica (?), política (?), social (?) ou jurídica (?)’) para respeitarem o Estado de Direito, uma vez que são insuficientes para garantir ao jurisdicionado segurança em suas relações com o Estado, com o Poder Judiciário, segurança que só pode ser alçada quando o princípio da legalidade é respeitado, com edição de norma clara e precisa.

A esse propósito, atente-se para a lição de Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição 2a edição, Almedina, Coimbra, página 251, discorrendo acerca do princípio da segurança jurídica como subprincípio concretizador do princípio do Estado de Direito, assevera:

“A segurança jurídica postula o princípio da precisão ou determinação dos actos normativos, ou seja, a conformação material e formal dos actos normativos em termos linguísticamente claros, compreensíveis e não contraditórios. Nesta perspectiva se fala de princípios jurídicos de normação jurídica concretizadores das exigências de determinabilidade, clareza e fiabilidade da ordem jurídica e, conseqüentemente, da segurança jurídica e do Estado de direito.

O princípio da determinabilidade das leis reconduz-se, sob o ponto de vista intrínseco, a duas idéias fundamentais. A primeira é a da exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido inequívoco capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto. A segunda aponta para a exigência de densidade suficiente na regulamentação legal, pois um acto legislativo (ou um ato normativo em geral) que não contém uma disciplina suficientemente concreta (= densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de: (1) alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; (2) constituir uma norma de actuação para a administração; (3) possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.”

Exsurge, pois, pelos artigos 1º e 2º da Medida Provisória 2226, ofensa ao artigo 1º (Princípio do Estado de Direito), ao artigo 5º, caput (Princípio da segurança, dentre ele a jurídica), com seu II e ao artigo 37 (Princípio da legalidade), todos da Constituição Federal, dos quais se extrai a necessidade de que as normas legais sejam suficientes para regrar a vida dos cidadãos e do Poder.

Ofensa ao artigo 5º, LV

O artigo 3º do ato provisório ofende o artigo 5º, LV (princípio do devido processo legal em sentido substantivo – Princípio da razoabilidade), na medida em que pretende acabar com o pagamento de honorários advocatícios por parte do Poder Público em ações em que ele tenha sido vencido, desde que haja acordo ou transação celebrada entre as partes.

Com efeito, o artigo 3º, ao introduzir, no artigo 6º da Lei nº 9.469, o § 2º, formou dispositivo que está a estabelecer que, se houver acordo ou transação com o Poder Público, acordo ou transação que a Emenda Constitucional nº 30 induz em seu artigo 2º, os honorários advocatícios deverão ser arcados pelos clientes dos advogados, e não pelo vencido Poder Público que está a ser executado por meio de precatório. A novel redação do preceito é a seguinte redação:

Lei 9.469…“Art. 6º Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública federal, estadual ou municipal e pelas autarquias e fundações públicas, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão, exclusivamente, na ordem cronológica da apresentação dos precatórios judiciários e à conta do respectivo crédito.

§ 1º É assegurado o direito de preferência aos credores de obrigação de natureza alimentícia, obedecida, entre eles, a ordem cronológica de apresentação dos respectivos precatórios judiciários.

§ 2o O acordo ou a transação celebrada diretamente pela parte ou por intermédio de procurador para extinguir ou encerrar processo judicial, inclusive nos casos de extensão administrativa de pagamentos postulados em juízo, implicará sempre a responsabilidade de cada uma das partes pelo pagamento dos honorários de seus respectivos advogados, mesmo que tenham sido objeto de condenação transitada em julgado. (NR)

Mais. O § 2º introduzido pela Medida Provisória impugnada pretende dele (do Estado) afastar o pagamento de honorários de advogado, quando o Poder Público reconhece que não tem razão e, por decisão administrativa, estende entendimento que lhe é desfavorável; ou seja, quando perde a causa.

Tanto o intento do Estado de não pagar honorários, quando houver acordo em fase de execução, como o desejo de não os pagar, quando reconhece que não tem razão, ofendem o artigo 5º, LV (princípio do devido processo legal em sentido substantivo), posto que maculam o princípio da razoabilidade. Não se mostra razoável o anseio de livrar-se da responsabilidade pelo pagamento dos honorários. Trata-se de conduta caprichosa, incompatível com o referido princípio; verbis:

Luís Roberto Barroso, in Interpretação e Aplicação da Constituição, editora Saraiva, 1996, pág. 204:

“O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.”

Por tais razões, deve ser julgado inconstitucional o artigo 3º da Medida Provisória 2226.

Ofensa ao artigo 5º, caput

Também por ofensa ao princípio da isonomia deve ser julgado inconstitucional o artigo 3º do ato provisório ora fustigado. Ao prescrever o dispositivo que o Poder Público, reconhecendo que não tem razão (estendendo por decisão administrativa entendimento que lhe é contrário), fica desonerado de pagar honorários, exsurgiu quebra do princípio da isonomia, posto que, se o particular, no curso da demanda, fizer o mesmo, terá de arcar com honorários advocatícios em favor do Estado. Resta, assim, manifesto o tratamento não uniforme, não igualitário, em desfavor do administrado. Há portanto inconstitucionalidade que impõe a declaração de inconstitucionalidade do artigo 3º da Medida Provisória 2226.

Ofensa ao artigo 5º, XXXVI

O artigo 3º do ato provisório ofende o inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal (ofensa à coisa julgada), ao estabelecer que honorários advocatícios poderão deixar de ser pagos, na hipótese de haver acordo ou transação celebrada pelas partes ou quando houver extensão administrativa, “mesmo que tenham sido (os honorários) objeto de condenação transitada em julgado.”

Patente que o dispositivo está a zombar da garantia constitucional de respeito, pela lei, da coisa julgada. Determinada por sentença a condenação em honorários, honorários que são do advogado, nos termos do Estatuto da Ordem, não há como ajuste realizado por outrem macular, atingir, aquilo que, a par de ser do causídico, consta do decisum de sentença, reveste-se da autoridade e da segurança da coisa julgada.

O artigo 3º da Medida Provisória 2226, às escâncaras, em sua parte derradeira, macula o artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal e, por tal razão, dever ser declarado inconstitucional.

Da liminar

Os artigos 1º, 2º e 3º da Medida Provisória 2226 devem ter eficácia suspensa liminarmente, uma vez que presentes periculum in mora e conveniência da suspensão.

Os artigos 1º e 2º estão em vias de causar grandes prejuízos para o jurisdicionado.

A introdução da enigmática “transcendência” no processamento do recurso de revista, poderá acarretar o não conhecimento de recursos, conforme interpretar o TST essa lacônica norma, privando as partes do apelo a que têm direito. Até mesmo a jurisdição do Supremo Tribunal Federal poderá ser maculada, caso entenda a Suprema Corte Trabalhista que o obscuro e novel instituto permite-lhe deixar de apreciar recursos de revista. Isso porque, caso dela não conheça, o STF de recurso extraordinário que poderia ser deduzido na causa não poderá conhecer.

Mesmo que o Tribunal Superior do Trabalho, porém, não entenda que a “transcendência” é um requisito de admissibilidade, é certo que sua inserção no processamento das revistas, seja para o fim que for, ocasionará indevido e perigoso desvio do rumo próprio que os recursos de revista devem ter, podendo, por tais razões, mormente com a declaração de inconstitucionalidade ao final dos dispositivos que dela tratam na Medida Provisória (artigos 1º e 2º), ensejar futuro questionamento da validade das causas que venham a ser julgadas, ou mesmo não julgadas, com apreciação da “transcendência”.

Por outro lado, a suspensão do artigo 3º da Medida Provisória 2226 se impõe, uma vez que seu comando poderá privar milhares de advogados de honorários que têm direito.

Poderá a não concessão de liminar em face desse dispositivo até mesmo dificultar, ao invés de facilitar, os acordos e transações que as partes porventura tenham desejo de fazer, uma vez que a instabilidade da norma, associada a sua manifesta inconstitucionalidade, impedirá e não recomendará que os advogados deixem de pugnar pelos direitos que detêm.

Mais. A permanência, no ordenamento jurídico, de preceito que pretende fustigar decisões judiciais transitadas em julgado, como prevê o preceito final do artigo 3º, está a ofender o Poder Judiciário, a divisão de Poderes, a boa harmonia que entre eles deve haver.

Do pedido

Por todo o exposto, pede o autor seja suspensa a liminarmente a íntegra da Medida Provisória 2226, de 04 de setembro de 2001, tanto dos artigos 1º, 2º e 3º, como do artigo 4º, que apenas prevê que a Medida Provisória impugnada entrará em vigor no dia de sua publicação, o qual não pode subsistir sem os artigos que o precedem.

Por todo o exposto, pede o autor seja declarada ao final a inconstitucionalidade da íntegra da Medida Provisória 2226, de 04 de setembro de 2001, tanto dos artigos 1º, 2º e 3º, como do artigo 4º, que apenas prevê que a Medida Provisória impugnada entrará em vigor no dia de sua publicação, o qual não pode subsistir sem os artigos que o precedem.

Requer seja citado o Advogado-Geral da União, nos termos do artigo 103, § 3o, da Constituição Federal, para defender o ato impugnado, na Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto, Anexo IV, em Brasília, Distrito Federal.

Requer, outrossim, seja oficiado o Presidente da República para prestar informações no prazo legal.

Protesta pela produção de provas porventura admitidas (art. 9o , §§ 1o e 3o da Lei 9.868).

Dá à causa o valor de mil reais.

Brasília, 12 de setembro de 2001.

Rubens Approbato MachadoPresidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil