Press "Enter" to skip to content

Ação para modificar registro de nascimento falso é imprescritível

A ação discutindo falsidade de registro, movida por filho nascido de relacionamento entre pessoas sem comprometimento matrimonial – o chamado juridicamente de “filho natural” -, é imprescritível. Essa foi a conclusão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Para os ministros, a prescrição de quatro anos, prevista nos artigos 178 e 362 do Código Civil, não incide no pedido de alteração do registro de nascimento por falsidade.

J.C. e P.G.W.B. mantiveram um relacionamento amoroso em meados de 1961, época em que ambos eram solteiros. Como J.C. seria uma pessoa de baixa renda, trabalhando no ramo da costura, e P.G.W.B. seria um jovem de família rica, o romance acabou sendo escondido de toda a sociedade. E, da relação, nasceu V.L.C., em 1963.

Com a notícia da gravidez, P.G.W.B. passou a sustentar a namorada exigindo que ela deixasse as atividades de costureira e dedicasse seu tempo à filha dos dois. V.L.C. teve o convívio do pai até os cinco anos, depois desconhecendo seu paradeiro, restando, apenas, seu registro com o nome do desconhecido A.S.C. como seu legítimo genitor. V.L.C. sempre estudou em escolas particulares, tendo seu verdadeiro pai (P.G.W.B.) custeado até sua faculdade. P.G.W.B. também continuou pagando as contas da casa, inclusive o aluguel do apartamento onde a filha morava com sua mãe, até sua morte, em setembro de 1992.

E foi com a morte de P.G.W.B. que V.L.C. descobriu sua verdadeira origem. Emocionada com a morte do companheiro, J.C. revelou à filha o nome de seu verdadeiro pai, para que pudesse buscar seus direitos. Um ano depois da revelação, V.L.C. entrou com um processo pedindo a anulação parcial de seu registro de nascimento para que fosse colocado no lugar de A.S.C. o nome de seu verdadeiro pai e, assim, fosse reconhecido seu direito à parte da herança deixada por ele. No processo, V.L.C. destacou que ele e sua mãe nunca teriam conhecido o pai constante de seu registro e nem teriam estado na cidade onde o documento foi lavrado. Além disso, V.L.C. enfatizou que J.C. nunca foi casada. Portanto, a informação do estado civil constante do registro também seria falsa.

A ação foi acolhida pela primeira instância. O inventariante de P.G.W.B., seu filho P.C.K.W.B.. apelou, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença. “O conjunto probatório indica o investigado como pai da autora e se alia à recusa sem motivo plausível do primeiro apelante, filho do investigado, em seu submeter ao exame pericial”, concluiu o Tribunal. A decisão de segundo grau também reconheceu a inexistência de prova do casamento da mãe de V.L.C. e ainda destacou: “No que concerne ao nome de A.S.C., que figura na certidão de nascimento da autora, como seu pai, parece ser um fantasma criado pela imaginação humana, com intuito de atribuir uma paternidade à investigante, para impedir sua discriminação na escola e meio social, como filha de pai desconhecido”.

Inconformado, P.C.K.W.B. entrou com um recurso contra a irmã. Segundo P.C.K.W.B., de acordo com os artigos 178 e 362 do Código Civil, o direito de V.L.C. de ser reconhecida como filha de seu pai e, assim, possuir parte de sua herança, teria prescrito. Para justificar seu recurso, P.C.K.W.B. destacou que V.L.C. teria entrado com o processo muitos anos após ter completado a maior idade, já tendo se passado o período de quatro anos previsto no Código Civil para esse tipo de ação.

Destacando precedente da Terceira Turma sobre o assunto, a ministra Nancy Andrighi rejeitou o recurso de P.C.K.W.B.. Para a ministra, a prescrição alegada por P.C.K.W.B. se aplicaria, apenas, para o filho natural (concebido fora do casamento, mas por pais que não possuam impedimento matrimonial) no exercício de seu direito à impugnação por mero ato de vontade. “Tratando-se de ação que impugna a paternidade com fundamento na falsidade do registro, e não com fulcro no mero exercício de manifestação volitiva, não incidem os artigos 178 e 362 do Código Civil”, enfatizou.

Nancy Andrighi também lembrou que V.L.C. só teria tomado ciência do fato já com 29 anos, na data de falecimento de seu verdadeiro pai, quando a mãe lhe contou a verdade. E essa circunstância deveria ser considerada relevante para se afastar a incidência dos dois artigos do Código Civil. Para a relatora, antes da informação sobre seu verdadeiro genitor, não seria possível o início da ação para mudar o registro.